quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Senhor do Mundo - Capítulo 4º


CAPÍTULO  IV


Parte 1


Oliver Brand, sentado em seu escritório particular em Whitehall, esperava uma visita. Já eram quase dez da manhã, e, dali a meia hora, ele deveria estar na Câmara. Ele esperava que o Sr. Francis, ou quem mais ele poderia ser, não o detesse por muito tempo. Agora, todo o momento era momento de descanso, visto que o trabalho tinha sido simplesmente enorme durante as últimas semanas.

Mas ele não ficou aliviado nem além de um minuto, pois o último estampido vindo da Victoria Tower estava desvanecendo, quando a porta abriu e uma voz secretarial informou o nome da pessoa a quem ele estava esperando.

Oliver deu uma olhada rápida no estranho, para suas pálpebras caídas e boca amolecida, formando uma rápida opinião sobre ele durante o momento em que estavam sentados, e logo partiu para o assunto.

“Daqui a vinte e cinco minutos, senhor, eu tenho que deixar o escritório,” disse ele.
“Até então---“  fez um pequeno gesto.

O Sr. Francis o assegurou.

“Obrigado, Sr. Brand—é tempo o bastante. Então, se me der licença—“ ele procurou algo no bolso do paletó, retirando um envelope comprido.

“Vou deixar isso com você,” disse ele, “quando eu sair. Aqui estão especificados todos os nossos desejos e nossos nomes. E isto é o que eu tenho de dizer, senhor.”

Ele reclinou-se no assento, cruzou as pernas, e continuou, com um toque de ansiedade na voz.

“Venho de parte de uma delegação, como sabe,” disse ele. “Nós temos algo para pedir e para oferecer. Fui escolhido porque a ideia partiu de mim. Primeiro, posso lhe fazer uma pergunta?"

Oliver assentiu.

“Quero perguntar nada do que não deva. Mas eu creio que está praticamente certo, não?—que  o Culto Divino deve ser restaurado por todo o reino?”

Oliver sorriu.

“Eu suponho que sim,” disse ele. “A moção foi lida pela terceira vez, e, como você sabe, o Presidente deve falar sobre isso nesta noite.”
“Ele não irá vetar?”

“Suponho que não. Ele consentiu na Alemanha.”

“Extamente,” disse Sr. Francis. “E se ele consentir aqui, suponho que se tornará lei imediatamente.”

Oliver inclinou-se sobre a mesa, e pegou o papel verde que continha a Moção.

“Você tem isto, é claro---“ disse ele. “Bem, vai se tornar rapidamente; e a primeira festividade será observada em 1° de Outubro. ‘Paternidade,’ não é? Sim, Paternidade.”

“Haverá uma pouco de correria, então,” disse o outro, ansioso. “Ora, isso é daqui apenas a uma semana.”

“Eu não sou responsável por este departamento,” disse Oliver, colocando o papel da moção de novo na mesa. “Mas eu creio que o ritual já estará em uso na Alemanha. Não há razão por que devemos ser diferentes.”

“E a Abadia será usada?”

"Sim, claro."

"Bem, senhor," disse o Sr. Francis, “claro que eu sei que a Comissão do Governo estudou isso muito de perto, e não há dúvida que tem seus próprios planos. Mas me parece que eles querem passar por toda a experiência que puderem."

"Sem dúvida."

“Bem, Sr. Brand, a sociedade, a qual eu represento, consiste inteiramente de homens que já foram padres católicos. Chegamos ao número de 200 em Londres. Vou deixar um panfleto com você, com sua licença, onde declaramos nossos objetivos, nossa constituição e outras coisas. Nos pareceu que aqui haveria um assunto, no qual nossa experiência passada poderia ser útil ao Governo. As cerimônias católicas, como sabe, são muito complexas, e alguns de nós as estudamos muito profundamente nos velhos tempos. Costumávamos dizer que já nasciam os Mestres de Cerimônias  e não eram formados, e nós temos um bom número desses entre nós. Mas, na verdade, todo padre é um pouco  cerimonialista.”

Ele pausou.

“Sim, Sr. Francis?”

“Estou certo que o Governo entende a imensa importância de que tudo ande tranquilo. Se o Serviço Divino for torto e desordenado, vai acabar com seu próprio objetivo. Assim, fui convocado para vê-lo, Sr. Brand, e para sugeri-lo de que aqui existem pessoas—considere pelo menos vinte e cinco—que tiveram experiência especial neste tipo de coisa, e estão perfeitamente prontas para se colocarem à disposição do Governo.”

Oliver não pode resistir a um pequeno sorriso no canto da sua boca. Havia um tom de ironia, ele pensava, mas parecia bastante razoável.

“Entendo perfeitamente, Sr. Francis. Parece uma sugestão razoável. Mas eu não acho que seja a pessoa apropriada. Mr. Snowford— "

“Sim, sim, senhor, eu sei. Mas o seu discurso, em um dia atrás,  nos inspirou a todos. O senhor disse exatamente o que estava em nossos corações—que o mundo não poderia viver sem um culto, uma adoração; e que agora encontramos Deus finalmente---"

Oliver acenou com a mão, pois odiava a mais leve lisonja.

“É muita bondade sua, Sr. Francis. Irei certamente falar com Sr. Snowford. Eu compreendo que vocês se oferecem como – como Mestres de Cerimônias--?"

“Sim, senhor; e sacristãos. Eu tenho estudado o ritual alemão com muito cuidado; é mais elaborado do que eu havia pensado. Vai precisar de bastante habilidade. Imagino que o senhor irá querer pelo menos uma dezena de_Ceremoniarii_  na Abadia, e mais uma dúzia nas sacristias não seria demais."

Oliver concordou, olhando com curiosidade para a figura patética e ansiosa da pessoa com quem falava; contudo ela possuía algo mais, aquele olhar sacerdotal dissimulado, que ele tinha visto antes em outros como ele. Este era realmente um devoto.

"Vocês são todos Maçons, é claro?" disse ele.

"Ora, é claro, Sr. Brand."

"Muito bem. Vou falar com Sr. Snowford hoje se eu puder vê-lo."

Ele deu uma olhadela no relógio. Restavam ainda três ou quatro minutos.

“O senhor deve ter visto a nova nomeação em Roma,” continuou Sr. Francis.

Oliver balançou a cabeça negativamente. Ele não estava particularmente interessado em Roma nesse momento.

“O Cardeal Martin está morto—ele faleceu na Terça—e sua vaga já foi preenchida.”.

"É mesmo?"

“Sim—o novo homem já foi meu amigo uma vez—Franklin, seu nome é—Percy Franklin.”

"Hã?"

"Qual o problema, Sr. Brand? O senhor o conhecia?"

Oliver olhava para ele de modo sombrio, um pouco pálido.

“Sim, eu o conheci,” disse calmamente. “Pelo menos, acho que sim.”

“Ele esteve em Westminster  um ou dois meses atrás.”

“Sim, sim, “ disse Oliver, ainda olhando para ele. “E você o conhecia, Sr. Francis?”

“Eu o conhecia—sim.”

“Ah!—bem, eu gostaria de conversar algum dia a respeito dele.”

Ele hesitou. Ainda queria um pouco mais de tempo.

“E isso é tudo?” ele perguntou.

“É tudo que eu precisava falar, senhor,” respondeu o outro. “Mas espero que permita-me dizer o quanto apreciamos o que tem feito, Sr. Brand. Não acho possível para ninguém, exceto nós próprios, entender o que a perda do culto significa para nós. Foi muito estranho no começo---“

Ele tremeu a voz e parou. Oliver se sentiu interessado e parou em seu movimento de se levantar.

“Sim, Sr. Francis?”

Os olhos castanhos melancólicos se viraram para ele.

“Foi uma ilusão, é claro, senhor—nós sabemos disso. Mas eu, de qualquer forma, ouso pensar que não foi tudo desperdiçado—todas nossas aspirações, penitência e louvor. Nós interpretamos errado o nosso Deus, mas nós o Alcançamos—achamos o caminho para o Espírito do Mundo. Nos ensinava que o indivíduo não era nada e que Ele era tudo. E agora---“

“Sim, senhor,” disse o outro calmamente. Ele estava realmente emocionado.

Os tristes olhos castanhos se abriram completamente.

“E agora o Sr. Felsenburgh chegou.”  Ele engoliu a saliva. “Julian
Felsenburgh!" Havia uma enorme paixão na sua voz e o próprio coração de Oliver respondeu.

"Eu sei, senhor," disse ele; "Eu sei tudo que você quer dizer."

"Oh! Ter um Salvador finalmente! “ clamou Francis. "Um que podemos ver, tocar e louvar! É como um sonho—bom demais para ser verdade!”

Oliver olhou para o relógio, levantou-se rapidamente, e estendeu a mão.

“Perdoe-me, senhor, tenho que sair. Você me emocionou muito profundamente… Vou falar com o Snowford. Seu endereço está aqui, certo?”

Ele apontou para os papeis.

“Sim, Sr. Brand. Há mais uma pergunta.”

“Não posso ficar mais, senhor,” disse Oliver, balançando a cabeça.

“Um instante—é verdade que esse culto será obrigatório?”

Oliver confirmou com a cabeça ao reunir os seus papeis.


Parte 2

Mabel, sentada na galeria naquela noite, atrás do local onde estaria o Presidente, tinha já olhado no relógio meia dúzia de vezes na última hora, esperando a cada instante que as vinte e uma horas estivessem mais próximas. Ela já sabia que o Presidente da Europa não estaria nem meio minuto atrasado ou adiantado. A suprema pontualidade dele era famosa em todo o continente. Ele tinha dito vinte e uma, assim teria que ser vinte e uma.

Um toque de sino na parte de baixo e, em um momento, a voz arrastada  do porta-voz cessou. Uma vez mais, ela levantou o pulso, viu que faltavam 5 minutos para a hora; assim, ela se inclinou do seu canto para olhar  para a Câmara.

Houve uma grande mudança no comportamento após o toque do sino. Os membros nas fileiras começaram a trocar de lugar e se arranjarem com mais decoro, descruzando as pernas, colocando os chapéus debaixo dos babados de couro. Ela também viu o Presidente da Casa descer os três degraus da sua cadeira, pois um Outro iria usá-la dentro de alguns momentos.

A Casa estava completamente lotada; um retardatário entrou depressa, vindo da porta do lado sul, olhou ao seu redor na claridade antes de ver seu lugar vago. As galerias ao fundo estavam ocupadas também, onde ela não havia conseguido achar um lugar. Contudo, apesar da quantidade de pessoas, não havia barulho a não ser sussurros. Das passagens atrás, ela podia novamente ouvir a nota dos sinos se repetir enquanto as áreas dos lobbies eram esvaziadas; e do lado de fora, na praça do Parlamento, vinha o pesado murmúrio da multidão, que esteve inaudível pelos últimos vinte minutos. Quando esse cessou, ele sabia que ele havia chegado.

Como era estranho e maravilhoso estar ali—naquela noite aonde o Presidente iria se pronunciar! Um mês atrás, ele havia aprovado uma moção similar na Alemanha e tinha dado um discurso sobre o mesmo assunto em Turim. Amanhã, ele deveria estar na Espanha. Ninguém sabia onde ele esteve na semana passada. Havia um rumor de que seu volor  tinha sido visto sobre o Lago Como, mas logo foi desmentido. Ninguém sabia o que ele iria dizer hoje à noite. Poderiam ser três palavras ou vinte mil. Havia algumas cláusulas na Moção—notavelmente aquelas que determinavam quando o novo culto deveria ser obrigatório a todas as pessoas acima dos sete anos—que ele poderia objetar e vetar. Nesse caso, tudo deveria feito novamente, e a Moção repassada, a menos que a Casa aceitasse as emendas dele instantaneamente por aclamação.

A própria Mabel estava inclinada a essas cláusulas. Elas estabeleciam que, embora o culto devesse ser oferecido em toda paróquia da Inglaterra no primeiro dia do mês de Outubro, não deveria ser obrigatório a todas as pessoas até o Ano Novo; enquanto que a Alemanha, que havia aprovado a Moção um mês antes, já tinha colocado em vigência imediata, assim forçando todos os seus católicos a duas opções: deixar o país sem demora ou sofrer as penalidades. Essas penalidades não eram vingativas: no primeiro delito, seria dada uma detenção de uma semana, no segundo, prisão por um mês, no terceiro, por um ano e no quarto, prisão perpétua até que o delinquente cedesse. Esses eram períodos de tempo misericordiosos, assim pareciam, pois até mesmo o próprio aprisionamento significava nada mais que um confinamento razoável e emprego em obras do Governo. Não havia horrores medievais; e a solicitação para o ato de adoração, do culto, era tão pequena, também; consistia de não mais que a presença física na igreja ou na catedral nos quatro novos festivais da Maternidade, Vida, Sustento e Paternidade, celebrados no primeiro dia de cada trimestre. O culto aos Domingos deveria ser puramente voluntário.

Ela não conseguia entender como qualquer pessoa poderia deixar de respeitar isso. Essas quatro coisas eram fatos—elas eram as manifestações do que ela chamava de Espírito do Mundo—e se outros chamavam este Poder de Deus, contudo certamente estas deveriam ser consideradas como Suas celebrações. Onde então estava a dificuldade? Não era que o culto cristão não fosse permitido, sob as atuais normas. Os Católicos ainda podiam ir à missa. E, contudo, coisas espantosas estavam acontecendo na Alemanha; não menos que doze mil pessoas tinham deixado o país em direção a Roma; e havia o rumor que quarenta mil iriam recusar a aceitar as novas normas. Isso a deixava chateada, e com raiva só de pensar.

Para ela, o novo culto era o coroamento do triunfo do Humanismo. Seu coração havia ansiado por coisas como essa. Ela tinha ressentido o tédio das pessoas, que estavam satisfeitas com as atividades nunca consideravam as suas origens. Certamente, esse instinto dentro dela era verdadeiro; ela desejava ficar ao lado de seus companheiros em algum local solene, consagrado não por padres, mas pela vontade do homem; ter como inspiração coisas como o doce canto e o som dos órgãos; proferir as suas dores com milhares ao lado dela, face sua própria fraqueza de imolação diante do Espírito de todos; cantar em voz alta seu louvor pela glória da vida, e oferecer em sacrifício e incenso uma homenagem emblemática para Aquele do qual ele recebeu o seu ser, e para quem um dia, ela deveria entregar-se novamente.

Ah! Esses cristãos haviam entendido a natureza humana, ela dizia a ela centenas de vezes: era verdade que eles a tinham degradado, ofuscado a luz, envenenado o pensamento, interpretado mal o instinto; mas eles tinham entendido que o homem deve adorar---deve adorar ou afundar.

Ela tencionava ir pelo menos uma vez por semana até a pequena igrejinha a cerca de 800 metros da sua casa, para se ajoelhar  ante o santuário iluminado pelo sol, para meditar sobre os doces mistérios, para se apresentar para Aquilo a quem ela ansiava amar, e para beber, se fosse possível, novos goles de vida e poder.

Ah! Mas a Moção tem que ser aprovada primeiro…Ela agarrou o corrimão com força e olhou com firmeza para diante dela, para as fileiras de rostos, as escadas vazias, o grande martelo na mesa, e ouviu , por sobre o murmúrio da multidão do lado de fora e o silêncio ali dentro, a batida do seu próprio coração.

Ela sabia que não podia vê-lo. Ele viria pela porta de trás, que ninguém a não ser Ele podia usar, direto para o banco debaixo do pálio. Mas ele ouviria a Sua voz – o que deveria ser uma alegria grande para ela...

Ah! Agora havia silêncio lá; o murmúrio tinha cessado. Ele tinha chegado, então. E com olhos lacrimejantes, ela viu as longas fileiras de cabeças se levantarem e ouviu os passos de muitos pés. Todos os rostos olhavam para esse lado; e ela os via como a um espelho para ver a luz refletida da Sua presença. Houve um pequeno soluçar em algum lugar no ar—era seu ou de outra pessoa?... o clique de uma porta se abrindo; o estampido suave acima, choque após choque, aos enormes sinos baterem três vezes; e, em um instante, sobre as faces pálidas passou uma ondulação, como se alguma brisa de paixão mexesse com suas almas por dentro; houve uma pequena movimentação aqui e ali, e a voz desapaixonada falou meia dúzia de palavras em Esperanto:

“Ingleses, eu aprovo a Moção do Culto.”


Parte 3

Foi apenas no café da manhã do meio dia, na manhã seguinte, que marido e esposa se encontraram de novo. Oliver tinha pousado na cidade e telefonou cerca das onze horas de que ele iria para casa depois, levando um convidado com ele: e logo antes do meio dia, ela ouviu vozes na entrada da porta.

Sr. Francis, que fora apresentado a ela, parecia uma espécie de homem inofensivo, ela pensou, não interessante, embora ele parecesse sincero em relação à Moção. Só depois do café da manhã quase acabado, foi que ela entendeu quem ele era.

“Não vá, Mabel,” disse seu marido, ao ela fazer um movimento de sair. “Você gostará de ouvir isso, eu acho. Minha esposa sabe tudo que eu sei,” ele complementou.

Sr. Francis sorriu e concordou.

“Eu posso dizer a ele sobre você?” disse Oliver de novo.

“Claro, certamente.”

Então, ela ouviu que ele havia sido um padre católico faz alguns meses, e que o Sr. Snowford o estava consultando sobre as cerimônias na Abadia. Ela ficou rapidamente interessada ao ouvir isso.

“Oh! Por favor, fale,” disse ela. “Eu quero ouvir tudo.”

Parecia que o Sr. Francis tinha visto o novo Ministro do Culto Público naquela manhã e tinha recebido dele uma comissão definitiva para cuidar das cerimônias em 1° de Outubro. Duas dezenas de seus colegas, também, foram convocadas para o _ceremoniarii_,  pelo menos temporariamente—e depois do evento, eles seriam enviados para uma viagem de palestras a fim de organizar o culto nacional por todo o país.

É claro que as coisas seriam desorganizadas a princípio, disse o Sr. Francis; mas ao redor do Ano Novo, era esperado que tudo estivesse em ordem, pelo menos nas catedrais e cidades principais.

“É importante, “ disse ele, “que isso deva ser feito tão logo seja possível. É muito importante que se faça uma boa impressão. Há milhares de pessoas que tem o instinto do culto, sem saber como satisfazê-lo.”

“Isto é bastante verdade,” disse Oliver. “Tenho sentido isso há muito tempo. Eu suponho que seja o instinto mais profundo do ser  humano.”

“Quanto às cerimônias---“ continuou o outro, com um ar levemente importante. Seus olhos vagaram por um momento, e depois ele levou a mão ao bolso do paletó, e tirou um livro fino de capa vermelha.

“Esse é o Livro da Ordem do Culto para a Festividade da Paternidade,” disse ele. “Eu intercalei algumas folhas em branco, onde fiz algumas anotações.”

“Ele começou a virar as páginas, e Mabel, com grande emoção, arrastou sua cadeira mais perto para ouvir.”

“Está bem, senhor,” disse ela. “Agora nos dê uma pequena palestra.”

O Sr. Francis fechou o livro no seu dedo, puxou o seu prato para o lado e começou a falar.

“Primeiro, disse ele, “nós devemos lembrar que esse ritual é baseado quase que inteiramente com o dos Maçons." Três quartos, pelo menos, da cerimônia inteira serão para esse ritual. O _ceremoniarii_ não interferirão nisso, além do ato de providenciar que a insígnias estejam prontas nas sacristias e corretamente colocadas. Os oficiais apropriados conduzirão o restante... Eu não preciso falar disso, então. As dificuldades começam com o último quarto do ritual.”

Ele pausou, com olhar de desculpas, arrumando os talheres e os copos diante dele sobre a toalha da mesa.

“Agora aqui,” disse ele, “nós temos o velho santuário da abadia. No lugar dos retábulos e da mesa da Comunhão, será construído um grande altar sobre o qual diz o ritual, com os degraus saindo do chão levando até ele. Atrás do altar—se estendo quase até o santuário do confessor—irá ficar o pedestal com uma figura emblemática sobre ele, e—até onde eu entendi pela ausência de informações—cada tal figura irá ficar no local até a véspera da próxima festividade trimestral."

“Que tipo de figura?”, perguntou  mulher.

Francis olhou para o seu marido.

“Eu creio que o Sr. Markenheim foi consultado,” disse ele. “Ele irá projetar e executá-los. Cada um deve representar sua festividade. Este para a Paternidade---"

Ele pausou novamente.

“Sim, Sr. Francis?”

“Esta, eu entendo, ser a figura nua de um homem.”

“Uma espécie de Apolo—ou Júpiter, minha querida,” disse Oliver.

Sim—parece certo, pensou Mabel. A voz do Sr. Francis se apressou.

“Uma nova procissão entra nesse ponto, após o sermão,” ele disse. “É isto que irá precisar de especial orientação. Eu suponho que não será possível ensaio?”

“Pouco provável,” disse Oliver, sorrindo.

O Mestre de Cerimônias suspirou.

“Eu temia que não fosse. Então, nós devemos divulgar instruções impressas muito precisas. Aqueles que tomarem parte, irão se retirar, eu imagino, durante o hino, para a velha capela de St. Faith. Isso é que me parece ser melhor.”

Ele indicou a capela.

“Depois da entrada da procissão, todos tomarão os seus lugares em ambos estes lados---aqui—e aqui--- enquanto o celebrante com os ministros sacros---

"Como?"

O Sr. Francis fez um leve trejeito no rosto, ruborizando um pouco.

"O Presidente da Europa---" ele interrompeu. "Ah! Esse é o ponto. O Presidente irá tomar parte? Isto não está claro no ritual."

"Achamos que sim," disse Oliver. "Ele deve ser abordado a esse respeito."

"Bem, se não for, eu suponho que o Ministro do Culto Público irá oficiar.
Ele, com seu pessoal de apoio, passam direto para o pé do altar. Lembre-se de que a figura ainda estará velada, e que as velas estarão acesas durante a aproximação da procissão;daí seguem as Ejaculações devidamente impressas no ritual e o hino. Esses são cantados pelo coro, e serão admiráveis, eu creio. Depois, o oficiante sobe ao altar sozinho, e de pé, declama o Sermão, como é chamado. No encerramento dele—nesse ponto, marcado aqui com uma estrela, os carregadores de turíbulo deixam a capela, sendo quatro deles. Um sobe ao altar, deixando os outros balançando os turíbulos aos pés, e entrega o seu para o oficiante e se retira. Sob o som de um sino por quatro vezes, as cortinas são abertas, o oficiante balança o turíbulo quatro vezes na imagem e ao parar, o coro canta a antífona designada.

Ele fez acenos com as mãos.

“O resto é fácil,” disse ele. “Não precisamos discutir isso.”.

Para a cabeça de Mabel, mesmo as cerimônias anteriores pareciam bastante fáceis. Mas ela não estava enganada.

“Você não tem ideia, Sra. Brand,” continuou o _ceremoniarius_, " das dificuldades envolvidas até em assunto simples como esse.  A estupidez das pessoas é prodigiosa. Eu prevejo que haverá muito trabalho para nós todos.., Quem deverá fazer o sermão, Sr. Brand?"

Oliver balançou a cabeça negativamente.

"Não tenho ideia," disse ele. "Suponho que o Sr. Snowford irá escolher."

O Sr. Francis olhou para ele com dúvidas.

"Qual sua opinião de todo o assunto, senhor?" ele disse.

Oliver pausou por um momento.

"Acho que seja necessário," começou ele. "Não haveria tanto clamor pelos cultos se não houvesse real necessidade. Acho também que, no geral, o ritual impressiona. Não vejo como possa ser melhorado..."

"Como, Oliver?" inquiriu sua esposa.

"Digo, não há nada—exceto…exceto que espero que as pessoas o entendam."

Sr. Francis interrompeu.

“Meu caro senhor, o culto envolve um toque de mistério. Você deve se lembrar disso. Foi a falta dele que fez a celebração do Dia do Império desaparecer no último século. Para mim, ele está admirável. Claro, que muito vai depender da maneira como será apresentado. Vejo que ainda há muitos detalhes não definidos---a cor das cortinas,e assim por diante.Mas o plano principal é magnífico. É simples, impressiona e acima de tudo, é irrepreensível na sua lição principal---“

“E o que é para você--?”

“Creio que seja na homenagem oferecida à Vida,” disse lentamente. “A Vida sob quatro aspectos—a Maternidade corresponde ao Natal e à fábula cristã; é a festividade do lar, do amor e da fidelidade. A própria Vida é abordada no aspecto da primavera, abundância, jovialidade, paixão. A do Sustento no início do verão, abundância, conforto, quantidade, e o restante, correspondente aproximadamente ao Corpus Christi Católico; e a Paternidade, a proteção, a geração, ideia imperiosa, ao inverno principiando... Eu entendo que era um pensamento alemão.”

Oliver concordou.

“Sim,” disse ele. “E suponho que será a tarefa do orado explicar tudo isso.”
Oliver reconheceu.

“Entendo que sim. Parece para mim muito mais sugestivo do que o plano alternativo—Cidadania, Trabalho e assim por diante. Esses, afinal, estão subordinados à Vida.”

O Sr. Francis falava com entusiasmo refreado, e o olhar sacerdotal era mais evidente do nunca. Estava claro que seu coração demandava o culto.

Mabel apertou as mãos repentinamente.

“Eu acho que está lindo,” disse ela suavemente,”e—e é tão real.”

O Sr. Francis virou-se para ela com brilho nos seus olhos castanhos.

“Ah! Sim, senhora. É isso. Não há a Fé, como costumávamos chamá-la; é a visão dos Fatos que ninguém pode duvidar; e o incenso declara a divindade única da Vida, assim como seu mistério.”



"E a respeito das figuras?" perguntou Oliver.
“Uma imagem de pedra é possível, é claro. Deve ser de argila por enquanto. O Sr. Markenheim deve trabalhar nisso imediatamente. Se as figuras forem aprovadas , elas podem ser depois serem feitas em mármore.”

Novamente Mabel falou com suave importância.

“Parece para mim,” disse ela, “que essa é a última coisa que precisamos. É tão difícil manter claros os nossos princípios—nós devemos ter um corpo para eles---algum tipo de expressão.

Ela pausou.

“Como, Mabel?”

“Eu não quero dizer, “ela continuou, “que alguns não possam viver sem ela, mas muitos não podem. O que não se pode imaginar necessita de imagens concretas. Deve haver algum canal para suas aspirações fluirem—Ah! Não consigo me expressar direito!”

Oliver concordou lentamente. Ele, também, parecia estar em um modo meditativo.

“Sim,” ele disse. “E isso, eu suponho, irá moldar os pensamento das pessoas também; irá afastar todo o perigo da superstição.”

O Sr. Francis virou-se para ele.

“O que você acha da nova Ordem Religiosa do Papa, senhor?"

A face de Oliver tomou um ar sério.

“Eu acho que é a pior medida que ele já tomou—para si próprio, quero dizer. Ou é um esforço verdadeiro, em cujo caso irá provocar imensa indignação—ou é uma enganação, e irá causar-lhe descrédito. Por que pergunta?”

"Eu queria saber se haverá algum distúrbio na abadia."

"Eu devia ter pena do briguento."

Uma campainha tocou agudamente de um dos aparelhos telefônicos. Oliver se levantou e foi até ele. Mabel ficou assistindo ao vê-lo apertar um botão—mencionou o seu nome e colocou o ouvido no fone.

“É a secretária de Snowford,” disse ele rapidamente para os dois. “Snowford quer—ah!”

Novamente, ele mencionou seu nome e ouviu. Os dois ouviram uma frase ou duas dele que pareciam importantes.

“Ah! Isso é certo, não? Desculpe-me… Sim.. Oh! Mas isso é melhor que nada..Sim, ele está aqui...na verdade. Muito bem; nós estaremos logo com o senhor.”

Ele olhou no visor, apertou o botão novamente e voltou para eles.

“Desculpe-me,” ele disse. O Presidente não irá tomar parte na Festividade. Mas não está certo se ele estará ou não presente. O Sr. Snowford quer ver nós dois imediatamente, Sr. Francis. Markenheim está com ele.

Mas embora Mabel estivesse ficado desapontada, ela achou que o assunto parecia ser mais sério do que seu próprio desapontamento.

FIM DO CAPÍTULO 4 – O SENHOR DO MUNDO – AGOSTO DE 2012, A.D.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Relembre a História do Fenemê, o Caminhão Mais Brasileiro de Todos

Produzidos na Fábrica Nacional de Motores, no Rio de Janeiro, os veículos marcaram época



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Parte da coleção pessoal de Osvaldo Strada fica no interior de São Paulo

 
Um ronco grave e sincopado habita a memória dos apaixonados por caminhões pesados. O som, orquestrado pelos pistões que tinham uma câmara de explosão em formato diferente, marcou o motor seis cilindros dos caminhões FNM. A robustez do motor e o ruído estralado, vindo de trás de uma lataria de visual sisudo, fez do Fenemê um clássico absoluto das estradas brasileiras. Lembrados como possantes, fortes e estradeiros, os veículos produzidos na fábrica de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, ainda despertam curiosidade e paixão por onde passam.

Eles tinham cara de mau e de fato eram. A força sempre foi a marca registrada dos Fenemê. Criada por Getúlio Vargas, a Fábrica Nacional de Motores (FNM) começou a ser construída em 1940, destinada a produzir motores aeronáuticos para uso militar. O fim da Segunda Guerra Mundial tornou os motores obsoletos quando a fábrica finalmente iniciou a produção, em 1946. Após fabricar geladeiras, compressores, bicicletas, entre outras coisas, a FNM apostou nos caminhões em 1949. O primeiro flerte com os pesados foram as 200 unidades de um modelo diesel de 7,5 litros, fruto da parceria com a italiana Isotta Fraschinni.

Após dificuldades financeiras na parceira, novo acordo foi firmado com outra italiana, a Alfa Romeo. Começa aí a trajetória de sucesso dos caminhões da marca. Os primeiros modelos, produzidos em 1951 e vendidos a partir de 1952, foram denominados D-9.500, equipados com motores de 130cv e com uma capacidade de carga de 8.100 kg (aumentada para 22.000 kg se acoplado a uma carreta de dois eixos) - números normalmente extrapolados na época. Além de ser capaz de puxar muita carga, era o único caminhão a possuir cabine leito com duas camas, ideal para enfrentar longas viagens nas torturantes estradas brasileiras de então.

Vieram os modelos D-11.000 em 1958, com potência de 150 cavalos, que ao lado do D-9.500 atingiu sucesso absoluto de público. Em 1968, a fábrica foi definitivamente vendida à Alfa Romeo - numa das primeiras privatizações do País -, que seguiu produzindo os modelos 180 e 210. No ano de 1976, a Fiat comprou a maior parte das ações assumindo o controle da fábrica e passando a produzir os modelos Fiat 190. Em 1985, já administrada pela Iveco, com o declínio nas vendas, a fábrica encerra suas atividades no Brasil, declarando o fim da fabricação dos Fenemê. Ao longo de todas as fases, a empresa produziu aproximadamente 15 mil veículos.

Os sobreviventes

Embora com mais de meio século nas costas, não é impossível ver um destes caminhões rodando pelas estradas brasileiras. E, por onde passa, a comoção é grande. É o que garante um grupo apaixonado pelos FNM, que realizou no ano passado uma viagem do interior de São Paulo a Salvador, na Bahia. - “As pessoas batiam palmas nas cidadezinhas que passávamos. Em Salvador, um cara parou o carro no meio do trânsito, subiu no estribo da carroceria e mandou acelerar para ouvir o ruído”, conta Ito Buhrer, funcionário público e ex-motorista nos anos dourados de FNM.


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O trio de caminhões Fenemê que realizou a viagem de São Paulo a Bahia

A história da viagem começou com Osvaldo Strada, um empresário conhecido por ter uma das maiores coleções de Fenemês do Brasil. Ao todo, são 20 unidades, que contam a trajetória da marca, com modelos de diversos anos, tipos de cabine e caçamba. Em uma chácara no interior de São Paulo, Strada criou um espaço para guardar e restaurar as relíquias. Filho de alfeiro - como chamam os motoristas destes possantes - ele não consegue explicar a paixão que os FNM despertam. - “É uma coisa meio para doido, também tento entender esse amor e não consigo”, revela.

O mesmo acontece com outro filho de alfeiro, José Reinert. - “A diferença dos Fenemê para os outros caminhões é a potência e a robustez, na época era bem gritante a diferença, ele tinha muita capacidade de carga, chassi forte, motor lento e muito reduzido, então puxava bastante peso”, destaca Reinert. - “Por ele ser reduzido, dificilmente atolava. Quando algum outro caminhão encalhava ele era usado para puxar, como se fosse um trator”, diz.


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Ito Buhrer, José Reinert, Osvaldo Strada e amigos com os FNM

Outro que enfrentou a tradicional rota pela BR-116 até Salvador foi Ito Buhrer. Aos 18 anos, seu Ito comprou o primeiro Fenemê. Ele conta que a velocidade máxima de 38km/h não fazia diferença, pois nas estradas brasileiras da época era difícil chegar a isso. - “De São José dos Pinhais, no Paraná onde eu morava, até Joinville, em Santa Catarina, a distância era de 120km. Os caminhões saíam de manhã cedo e chegavam lá à noite, isso quando a estrada estava boa”, relata Buhrer.

A viagem histórica de janeiro de 2011, entre São Paulo e Bahia, envolveu três modelos: um FNM Brasinca 1961 trucado, um FNM Standard 1964 cavalo mecânico na tradicional cor verde seda e um FNM Standard 1965 trucado. Embora sem conseguir explicar sua paixão, Osvaldo Strada destaca uma das qualidades dos FNM:
- “Os Ford eram a gasolina e os Fenemê a diesel, então o caminhão tecnologicamente tinha tecnologia de ponta, com muita capacidade de carga. Você acha FNM de 1955 rodando, mas não acha Ford deste ano”, conta. “Não sei se é hobby ou loucura, pois a linha que divide um lado e o outro é muito tênue, mas, para nós, caminhão existe antes e depois dos Fenemê”, conclui.
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Outros caminhões FNM de Osvaldo Strada, aficionado pelos veículos
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Ito Buhrer ao lado do FNM Standard 1965 trucado

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Ito Buhrer em Aparecida do Norte, em 1975, ao lado de um FNM 62 Bonanza


Fonte: (do Terra - Transporte & Logística, em 03/ago/2012)