domingo, 29 de janeiro de 2012

O Senhor do Mundo - Capítulo 5



Parte 1

Houve um exclamação e depois um silêncio, quando uma moça alta e bonita com o rosto ruborizado e olhos cinzentos brilhantes entrou e parou, seguido por um homem a quem Percy reconheceu imediatamente pelas suas fotos. Uma pequena lamúria veio da cama, e o padre instintivamente levantou sua mão para silenciá-la.

“Ora,” disse Mabel; olhando para o homem com rosto jovial e cabelos brancos.

Oliver abriu e fechou os lábios. Ele também estava com estranha excitação no rosto. Depois, falou.

“Quem é este?” disse deliberadamente.

“Oliver,” respondeu a moça rapidamente, “este é o padre que eu vi---“

“Um padre!” disse o outro, adiantando um passo. “Ora, eu pensei---“

Percy respirou profundamente para acalmar a tensão na sua garganta.

“Sim, sou um padre," disse ele.

Novamente, houve uma lamúria vinda da cama; e Percy, fazendo meia volta para aquietá-la, viu a moça mecanicamente afrouxar a fivela do casaco sobre seu vestido branco.

"A senhora pediu que ele viesse, mãe?" disse o homem , com um tremor na sua voz, e com um impulso de todo seu corpo. Mas a garota esticou a mão.

"Calma, minha querida," disse ela. "Agora, senhor---"

"Sim, sou um padre, ," disse Percy novamente  e sem saber o que tinha dito.

"E o senhor vem até a minha casa!” exclamou o homem. Ele chegou mais perto e um tanto recolhido. “Você jura que é um padre?” disse ele. “Você esteve por aqui toda a noite?”

“Desde a meia noite.”                                                                                                       

“E você não é---“  interrompeu novamente.

Mabel ficou bem entre eles.

“Oliver,” disse ela, ainda com o ar tenso sufocado., “ não devemos discutir aqui. A pobre está muito doente. Poderia vir até embaixo, senhor?”
Percy deu um passo em direção à porta, e Oliver acompanhou  um pouco ao lado. A seguir o padre parou, virou e levantou sua mão.

“Deus a abençoe!” disse simplesmente para a figura na cama. Depois, saiu e esperou do lado de fora da porta.

Ele pôde ouvir uma conversa em tom baixo do lado de dentro; depois um murmúrio de compaixão da voz da moça; a seguir, Oliver estava ao lado dele, todo tremendo, branco como cal, fazendo um gesto ao passar por ele, em direção às escadas.

* * * * *

Tudo aquilo parecia para Percy como se fosse um sonho incrível; foi tudo inesperado, não verdadeiro para a vida. Ele estava consciente de uma enorme vergonha perante a sordidez do caso, e ao mesmo tempo, uma espécie de negligência sem fim. O pior tinha acontecido e o melhor- isto era seu único conforto.

Oliver abriu uma porta, apertou um botão e entrou pelo quarto iluminado, seguido por Percy. Ainda em silêncio, ele indicou uma cadeira. Percy sentou-se e Oliver ficou de pé diante da lareira, com suas mãos nos bolsos do casaco, levemente virado para o lado.

Percy, com seus sentidos concentrados, tomou conhecimento de todos os detalhes do quarto—o carpete verde e alto, macio debaixo dos seus pés, as cortinas finas de seda, meia dúzia de mesinhas com variedade rica de flores sobre elas, e os livros que cercavam as paredes. A sala toda estava com o cheiro forte de rosas, embora as janelas estivessem abertas e a brisa noturna mexia as cortinhas repetidamente. Era um quarto de mulher, disse para si mesmo. Depois, olhou para a figura do homem, flexionada, tensa, ereta; o terno cinza escuro não diferente do seu, a bonita curvatura do queixo, de complexão clara, o pequeno nariz, e a curva intensa de idealismo nos olhos e os cabelos escuros. Era o rosto de um poeta, disse a si, e de uma personalidade forte. Depois, virou um pouco os olhos e levantou-se quando a porta abriu e Mabel entrou, fechando-a.

Ela veio direto para seu marido, colocando uma mão sobre seu ombro.

“Sente-se, meu bem,” disse ela. “Devemos conversar um pouco. Por favor, sente-se, senhor.”

Os três se sentaram. Percy de um lado, e o marido e esposa diretamente do lado oposto.

A moça recomeçou.

“Isto deve ser arrumado imediatamente,” disse ela, “ mas não devemos fazer tragédia. Oliver, você entendeu? Você não dever fazer uma cena. Deixe isto comigo.”

Ela falou com curiosa exuberância; e Percy, para seu assombro, viu que ela era muito sincera: não havia nada de cinismo.

“Oliver, meu bem,” ela disse novamente, “não esbraveje! Está tudo bem agora. Eu vou administrar isso.”

Percy deparou-se com um olhar venenoso dirigido a ele pelo homem; a garota viu isso também, trocando de olhares entre um e o outro. Ela colocou sua mão sobre seu joelho.

“Oliver, ouça! Não olhe para este senhor de modo tão amargo. Ele não fez mal algum.”

“Mal algum!” murmurou o outro.

“Nenhum mal mesmo. O que importa no que aquela pobre figura pensa lá em cima? Mas, senhor, o senhor poderia nos dizer porque veio aqui?”

Percy inspirou novamente. Ele não tinha esperado por esta frase.

“Eu vim aqui para recepcionar a Senhora Brand de volta para a Igreja,” disse ele.

“ E o senhor o fez?”

“Fiz.”

“Poderia nos dizer seu nome? Tornaria isso mais conveniente.

Percy hesitou. Depois, determinou-se a enfrentá-la de igual para igual.

“Sim, claro. Meu nome é Franklin.”

“Padre Franklin?” perguntou a moça, com um leve toque de sarcasmo na primeira palavra.

“Sim. Padre Percy Franklin, da Casa do Arcebispo, Westminster,” disse o padre com firmeza.

“Bem, então, Padre Percy Franklin; pode nos dizer porque veio aqui? Quero dizer, quem pediu para vir?”

“A Senhora  Brand pediu.”

“Sim, mas de que maneira?”

“Isto não posso dizer.”

“Ah, muito bem… Podemos saber qual o benefício de ser ‘recebido de volta para a Igreja’?”

“Sendo recebida de volta para a Igreja, a alma se reconcilia com Deus.”

“Ah! (Oliver, fique quieto) E como o senhor faz isso, Padre Franklin?”

Percy levantou-se abruptamente.

“Isto de nada adianta, senhora,” disse ele. “Qual o propósito destas perguntas?”

A moça olhou para ele com os olhos assombrados, ainda com a sua mão no joelho do marido.

“A finalidade, Padre Franklin! Ora, queremos saber. Há alguma lei na igreja que impeça o senhor de nos dizer, há?”

Percy hesitou novamente. Ele não entendia aonde ela queria chegar. Depois, viu que ele daria vantagem a eles se acabasse perdendo a cabeça: assim, sentou-se novamente.

“Certamente que não há. Vou lhe dizer  se quiser saber. Eu ouvi a confissão da Senhora Brand e lhe dei a absolvição.

“Ah! Sim; e isso arruma tudo, então? E o que vem depois?”

“Ela deve receber  a Santa Comunhão, e ser ungida, se estiver em perigo de morte.”

Oliver contraiu-se repentinamente.

“Cristo!” disse ele.

“Oliver!” suplicou a moça. “Favor, deixe isso comigo. É melhor assim.—E então, suponho, Padre Franklin, o senhor que dar essas outras coisas para minha mãe, também?”

“Não são absolutamente necessárias,” disse o padre, sentindo, não sabia como, que ele estava disputando um jogo, fadado a perder.

“Ah! eles não são necessários? Mas o senhor gostaria de dar?”

“Eu o faria, se possível. Mas já fiz o que era necessário.”

Teve que se esforçar para manter-se quieto, depois desta frase. Ele era um homem que havia se preparado com forja de aço, mas sabia que seu inimigo estava na forma de vapor sutil. Ele simplesmente não tinha ideia do que fazer a seguir. Ele teria dado qualquer coisa para ver o homem se levatar e aguarrar sua garganta, pois a moça era demais para ambos.

“Sim,” ela disse suavemente. “Bem, é pouco provável que meu marido lhe dê permissão para o senhor vir aqui de novo. Mas estou satisfeita de que o senhor tenha feito o que achou necessário. Sem dúvida, de que isso será um satisfação para o senhor, Padre Franklin, e para a pobre senhora também. Ao passo que nós--- nós “ ela apertou o joelho do marido---“ nós não nos importamos de forma alguma. Ah!—mas há algo mais.”

“Tenha a bondade, “ disse Percy, curioso em saber o que viria agora.

Vocês Cristãos—perdoe-me se estou sendo rude—mas, sabe, vocês Cristãos têm uma reputação de ficar contando cabeças, e tentando converter a maioria das pessoas. Ficaremos agradecidos, Padre Franklin, se der a nós sua palavra de não propagandear este—este incidente. Seria estressante para meu marido, e daria a ele muitos problemas.”

“Senhora Brand---“ iniciou o padre.

“Um momento.. Veja que não o tratamos mal. Não houve violência. Prometemos que não haveria discussões com minha mãe. Vai nos prometer isso?”

Percy tinha tempo para considerar e respondeu instantaneamente.

“Certamente, vou prometer.”

Mabel suspirou satisfeita.

“Bem, está tudo certo. Ficamos agradecidos… e acho que posso dizer que, talvez com a consideração de meu marido, o senhor possa vir aqui de novo para trazer a Comunhão—e a outra coisa—“

De novo, um homem ao lado dela soltou um espasmo.

“Bem, nós veremos isso. De qualquer forma, sabemos seu endereço, e podemos lhe avisar… A propósito, Padre Franklin, o senhor vai voltar para Westminster agora?”

Ele concordou com a cabeça.

“Ah! Espero que consiga passar. O senhor encontrará Londres muito agitada. Talvez, tenha ouvido---“

"Felsenburgh?" disse Percy.

“Sim. Julian Felsenburgh, “ disse a moça suavemente, de novo com aquela estranha excitação nos olhos. “Julian Felsenburgh,” ela repetiu. “Ele está lá, o senhor sabe. Ele ficará na Inglaterra por enquanto.”

Novamente, Percy está consciente daquele leve sentimento de medo diante da menção daquele nome.

“Eu entendo que deva haver paz,” disse ele.

A moça levantou-se e seu marido com ela.

“Sim,” disse ela, quase compassivamente, “ deve haver paz. Paz afinal.” (Ela deu um passo em sua direção e seu rosto brilhava como uma rosa em fogo. Sua mão ergueu-se um pouco.) “Volte a Londres, Padre Franklin, e veja com seus olhos. O senhor o verá, ouso dizer, e o senhor ainda o verá mais vezes.” (Sua voz começou a vibrar.)” E entenderá, talvez, por que o tratamos assim—porque não temos receio do senhor—porque queremos que nossa mãe faça o que ela quiser. Ah! o senhor entenderá, Padre Franklin, se não hoje, amanhã, se não amanhã, pelos menos em breve.”

“Mabel!, clamou seu marido.

A moça girou e colocou seus braços ao redor dele, beijando-o na boca.

"Oh! Estou envergonhada, Oliver, meu bem. Deixe-o ir e ver por si próprio.
Boa noite, Padre Franklin."

Ao caminhar para a porta, ouvindo som do sino que alguém tocava naquela quarto que deixava, virou uma vez, atordoado e desconcertado, e lá estavam os dois, marido e mulher, de pé sob a luz, como se transfigurados. A moça que tinha seu braço ao redor do ombro do marido, estava radiante como um coluna de fogo; e até mesmo agora não havia mais ira no rosto do marido—nada a não ser um orgulho e confiança sobrenaturais. Estavam ambos sorrindo.

A seguir, Percy saiu para a calma noite de verão.


Parte 2

Percy não entendeu nada, exceto que ele estava com medo ao sentar no transporte que o levaria para Londres. Nem ouvia as conversas perto dele, embora estavam altas e contínuas; e o que ouvia, pouco lhe importava.Ele só entendia que tinha havido cenas estranhas, que Londres tinha ido a loucuras, que Felsenburgh discursara aquela noite na Casa de Paul.

Ele estava com medo do modo como havia sido tratado, e perguntava a si próprio várias vezes o que havia sido inspirado aquele tratamento; parecia que ele tinha havia estado na presença do sobrenatural; sentia um pouco trêmulo, e  sintomas de muita insônia. Parecia um pouco estranho para ele estar sentado em um trem às duas da manhã em uma madrugada de verão.

O veículo parou três vezes, e ele olhou para o lado de fora procurando por sinais de confusão; por figuras que estivessem correndo ao lado das pistas, para alguns transportes quebrados; ele ouvia mecanicamente os gritos e guinchos  que vinham de todos os lados.

Ao descer finalmente para a plataforma, ele a encontrou igual àquela que ele tinha deixado duas horas antes. Havia a mesma correria desesperada aos trens descarregando sua carga, o mesmo corpo morto debaixo do banco; e acima de tudo, ao andar desamparadamente no meio da multidão, pouco sabendo para onde ele ia e por que, havia aquela mesma informação no letreiro abaixo do relógio.A seguir, viu-se dentro do elevador, e um minuto depois, ele estava nos degraus do lado de trás da estação.

Lá, também, a vista era estonteante. As luzes ainda estavam acesas, mas além delas, havia os primeiros sinais da falsa madrugada. Na avenida que agora saía direto para o palácio real,unia-se como um centro de teia de aranha, com a que vinha de Westminster, o Mall e Hyde Park, estava cheia de pessoas. Nesse e no outro lado, havia hoteis e “Casas de Prazer”, as janelas todas iluminadas, solenes e triunfantes como se fossem receber um rei. O tumulto era grande. Era impossível distinguir um som do outro. Vozes, buzinas, tambores, barulho de milhares de passos nas calçadas emborrachadas.

Era impossível se mover.

Ele se encontrou de pé numa posição de extraordinária vantagem, no alto dos largos degraus que levavam para a velha estação, agora um espaço aberto que juntava, no lado esquerdo a velha rua para o palácio, e na direita Victoria Street, que mostrava, como tudo mais, a vívida perspectiva de luzes e pessoas. À sua direita, cortando o céu, se levantava o ápice da Catedral Campanile. Parecia para ele que ela a tinha conhecido em alguma existência anterior.

Ele se esqueirou mecanicamente alguns passos à sua esquerda, até que se apoiou em uma coluna; depois esperou, tentando não analisar suas emoções e sim absorvê-las.

Lentamente ele percebeu que ele nunca tinha visto multidão igual aquela. Sensitivamente, para ele parecia que ela possuia uma característica diferente. Havia um magnetismo no ar. Havia uma sensação de um processo criativo estava em processo, onde milhares de células individuais estivessem sendo amalgamadas e emoções condensadas em uma única maior.

O vozerio parecia significante apenas como a agitação deste poder criativo que assim se expressava. Aí estava essa grande humanidade, se estendendo à sua vista com seus braços e pernas se movimentando tão longe até onde podia ver em todos os lados, esperando, esperando por alguma consumação—se estendendo, até onde seu cérebro cansado podia imaginar, até todas as avenidas da vasta cidade.

Ele não se perguntou o que as pessoas estavam esperando. Ele sabia que era por uma revelação---por algo que coroasse as aspirações delas e fixar essas para sempre.

Ele tem um sentimento que já tinha visto isto antes; e. como uma criança, ele começo a se perguntar onde isto havia acontecido, até que ele se lembrou que tinha uma vez sonhado do Dia do Julgamento—da humanidade reunida para encontrar-se com Jesus Cristo—Jesus Cristo! Ah! o quão pequena aquela figura parecia para ele agora—o quão distante e real na verdade, mas insignificante para ele próprio— o quão longe e desesperançada desta vida tremenda! Ele olhou para cima , para Campanile. Sim; havia um pedaço da Cruz Verdadeira lá. Não havia?—um pequeno pedaço de madeira sobre a qual um Homem Pobre havia falecido há 20 séculos… Bem,bem. Um tempo muito distante...

Ele não entendia realmente o que estava acontecendo com ele. “Querido Jesus, seja para mim não um Juiz, mas um Salvador,” ele sussurrava , segurando no granito da coluna; e um pouco depois viu que era fútil aquela oração. Se fora como uma respiração naquela imensa e vívida atmosfera de um homem. Ele tinha dito missa, não? Esta manhã—em vestimentas brancas.—Sim; ele tinha acreditado em tudo então—desesperadamente, mas realmente; e agora…

Olhar para o futuro era tão inútil como olhar para o passado. Não havia futuro e nenhum passado; era tudo um instante eterno, presente e final…

Assim, ele se acalmou, e novamente começou a ver com seus olhos mortais.

* * * * *

A aurora estava subindo aos céus agora, um firme brilho que aparecia a despeito de sua soberania não ser nada comparada com as luzes ofuscantes das ruas. “Não precisamos do sol, “ ele sussurrava, sorrindo piedosamente; “sol nenhum ou luz de uma vela. Temos nossa luz na terra—a luz que brilha para todos os homens…”

Campanile parecia bem distante do que nunca agora, diante do brilho da alvorecer—cada  vez mais desamparada, comparada com o bonita iluminação das ruas.

A seguir, ouviu  sons, e parecia para ele como se em algum lugar, bem distante ao leste, houvesse iniciado uma quietude. Ele mexeu sua cabeça impacientemente, quando um homem  atrás dele, começou a falar rapidamente e sem sentido. Por que ele não ficava em silêncio e deixasse o silêncio prevalecer?... Logo o homem parou, e da distância houve um som suave, que passou pela sua direita. Não havia mais uma voz humana individual; era como se houvesse apenas a respiração de um gigante que havia nascido; ele estava gritando também; ele não sabia o que dizia, mas ele não conseguia ficar em silêncio. Suas veias e nervos parecia vivos como vinho; e ao fitar a grande avenida, ouvindo o grande tumulto se movimentar  para o grande palácio, ele sabia por que ele tinha gritado e por que agora ele estava quieto.

Um objeto esguio, da forma de um peixe, branco como leite, tão espectral como  uma sombra, e tão bonito como o alvorecer, apareceu a uma distância de 800 metros, virou e veio em sua direção, flutuando sobre a própria onda de silêncio que ela havia criado sobre a curva da avenida em asas estendidas, não menos que 6 metros das cabeças das pessoas. Houve um grande suspiro e silêncio novamente.


* * * * *

Quando Percy conseguiu pensar claramente de novo—pois havia conseguido pensar apenas mecanicamente—o estranho objeto branco chegava mais perto. Ele dizia a si  mesmo que já havia visto centenas deste antes; e ao mesmo tempo era diferente de todos os outros.

Chegando mais perto, flutuando lentamente, como uma gaivota sobre o mar. ele podia ver o nariz suave do objeto , seu baixo parapeito, a cabeça imóvel do condutor; ele podia até ouvir o som suave dos mecanismos—e agora estava vendo aquilo que ele havia esperado.

No alto do convés central , havia uma cadeira, drapeada, também, em branco, com algum distintivo visível atrás; e na cadeira estava a figura de um homem, imóvel. Ele não fez sinal ao chegar, sua vestimenta escura se destacava contra a brancura, sua cabeça se ergueu, e ele a virava para todos os lados.

Ao chegar mais perto, na profunda imobilidade; a cabeça virou, e por um instante o rosto estava bastante visível sob a luz suave e radiante.

Era um rosto pálido, fortemente salientado, com o de um jovem, com  sobrancelhas pretas arcadas, lábios finos, cabelos brancos.

A seguir, o rosto virou novamente, o condutor moveu a cabeça, e o belo objeto, girando um pouco, passou pela esquina e subiu em direção ao palácio.

Aconteceu um grito histérico em algum lugar, e novamente um grande lamento rompeu-se.

Fim do Capítulo 5 – Senhor do Mundo

sábado, 7 de janeiro de 2012

O Senhor do Mundo - Capítulo 4

O Senhor do Mundo é um dos dois livros de ficção científica que Robert Benson escreveu, sendo este o mais popular – e o menos compreendido. Muitos consideram ser uma literatura profética e alguns outros uma crítica à sociedade Eduardiana. Bensou usou o tema da ficção científica da época, incorporando ideias como: a guerra que despontaria em 1914, máquinas voadoras, explosivos super poderosos, o crescimento do totalitarismo em um mundo secularizado. O livro O Senhor do Mundo de Benson é a única obra dele que permanece continuamente em edição desde a sua primeira publicação em 1907 até hoje. O Bispo Fulton Sheen chamou o Senhor do Mundo como uma das “três maiores obras apocalípticas da literatura que lidava com o advento do satanismo.”  Benedito XVI, como Cardeal Ratzinger, antes de sua eleição ao papado, fez positivas referências ao livro em algumas de suas conversas.

Segue abaixo mais um capítulo do livro.


O SENHOR DO MUNDO, ROBERT BENSON


CAPÍTULO 4

PARTE 1

Na mesma tarde, Percy recebeu uma visita.

Não havia nada de especial sobre essa pessoa; e Percy, ao descer as escadas em trajes civis, olhou para ela ante a claridade da janela da sala, e viu que não o conhecia e nem sabia de que assunto, exceto que não era um Católico.

“O senhor queria me ver,” disse o padre, indicando uma cadeira.

“Sinto dizer que tenho que sair logo.”

“Não vou retê-lo por muito tempo,” disse o estranho ansiosamente. “ Meu assunto vai demorar apenas cinco minutos.”

Percy esperou com seus olhos baixos.

“Uma—uma certa pessoa me enviou ao senhor. Ela tinha sido católica; ela deseja voltar para a Igreja.”

Percy fez um pequeno movimento com a cabeça. Era algo que ele raramente ouvia nesses dias.

“O senhor virá, não? O senhor promete?”

O homem pareceia muito agitado; seu rosto pálido brilhava com suor, e seus olhos  piedosos.

“Claro que irei,” disse Percy, sorrindo.

“Sim, senhor; mas o senhor não sabe quem ela é; Haverá um grande rebuliço, senhor, se ficarem sabendo. Não deve ser alardeado, senhor, o senhor promete, também?

“Não posso fazer promessas deste tipo,” disse o padre gentilmente.”Ainda desconheço as circunstâncias.”

O estranho molhou os lábios nervosamente.

“Bem , senhor,” ele disse apressadamente,” o senhor não dirá nada até que a tenha visto? Pode prometer isso?”

“Sim! Certamente,” disse o padre.

“Bem, senhor, é melhor que não saiba meu nome. Pode—pode ser mais fácil para o senhor e para mim. E—e, se puder, senhor, a senhora está doente; pode vir hoje, mas não até a noite. Poderia ser lá pela dez da noite, senhor?”
“Onde é?”  perguntou Percy abruptamente.

“Fica perto da Estação de Croydon. Vou escrever o endereço agora. E o senhor não virá antes das dez?”

“Por que não agora?”

“Porque os—os outros podem estar lá. Eles estarão fora naquele horário; eu sei disso.”

Isso era um tanto suspeito, Percy pensou: alguns truques já eram conhecidos. Mas ele não poderia recusar de pronto.

“Porque ela não pediu para chamarem o padre da paróquia?” perguntou ele.

“Ela, ela não sabe quem ele é, senhor; ela viu o senhor uma vez na Catedral, senhor, e pediu pelo seu nome. Lembra-se, senhor?—uma velha senhora?”

Percy realmente lembrarara algo parecido há um mês ou dois; mas ele não tinha certeza.

“Bom, o senhor irá ou não?”

“Eu devo comunicar o Padre Dolan,” disse o padre. “Se ele me der a permissão---“

“Por favor, Padre—Padre Dolan não deve saber o nome dela. O senhor não dirá a ele?”

“Eu nem mesmo sei ainda,” disse o padre, sorrindo.

O estranho sentou-se abruptamente ante esta resposta, maquinando seus pensamentos.

“Bom, senhor, deixe-me dizer isto antes. O filho desta velha senhora é meu empregador, e um Comunista muito proeminente. Ela vive com ele e com a esposa dele. Os dois estarão fora hoje à noite. Esta é a razão pela qual eu estou lhe pedindo tudo isso. E então, o senhor irá?”

Percy olhou para ele com firmeza por alguns instantes. Certamente, se isto era uma conspiração, os conspiradores seriam fracos. A seguir, respondeu:

“Eu irei, senhor, eu prometo. Agora o nome.”

O estranho novamente umedeceu os lábios nervosamente, e olhou com receio para ambos os lados. A seguir, reunindo forças para falar; inclinou-se e sussurrou.

“O nome da velha senhora é Brand, senhor---a mãe de Oliver Brand.”

Por um momento, Percy ficou desconcertado. Era extraordinário demais para ser verdade.
Ele conhecia o nome de Oliver Brand muito bem; era ele quem, pela permissão de Deus, estava fazendo mais na Inglaterra nesse momento contra a causa católica do que qualquer outro homem vivo; e era ele que tinha ganho grande popularidade com o incidente de Trafalgar Square. E agora, aí estava sua mãe---


Ele  olhou com firmeza para o homem.

“Eu não sei quem você é, senhor---se acredita em Deus ou não; mas você jura pela sua religião e pela sua honra de que tudo isso é verdade?”

Os olhos tímidos encontraram os seus, e confirmaram; mas era uma confirmação pelo medo e não por perfídia.

“Eu—Eu juro, senhor; pelo Deus Todo Poderoso.”

“Você é Católico?”

O homem negou com o gesto da cabeça.

“Mas eu creio em Deus,” disse ele, “Pelo menos, acho que sim.”

Percy inclinou-se para trás, tentando compreender exatamente o que tudo aquilo significava. Não havia o sentimento de triunfo na sua mente---este tipo de emoção não era sua fraqueza; havia o sentimento de emoção, atordoamento e acima de tudo uma satisfação de que a graça de Deus era tão soberana. Se ela podia chegar a esta mulher, quem mais não poderia sentir o mesmo efeito? Depois, ele percebeu que o outro o olhava com ansiedade.

“Está com medo, senhor? Não vai voltar atrás com sua promessa?”

Isso o fez Percy voltar a si, e sorriu.

“Ah! Não,” disse ele. Vou estar lá às vinte e duas horas… a morte é eminente?”

“Não, senhor, foi uma síncope. Ela se recuperou um pouco nesta manhã.”

O padre passou sua mão sobre os olhos e levantou-se.

“Bom, estarei lá,” disse ele. “O senhor  vai estar lá também?”

O outro sinalizou com cabeça que não, se levantando também.

“Eu tenho que estar com o Sr. Brand, senhor; vai haver uma reunião hoje à noite; mas não devo falar disso….Não, senhor;  pergunte pela Senhora Brand, e diga que ela o está esperando. Eles a levarão para o andar de cima em seguida.”

“Eu não devo dizer que sou um padre, eu suponho?”

“Não, senhor; por favor.”

Ele sacou de um caderno de bolso, rascunhou algumas palavras, rasgou o papel e deu ao padre.

“O endereço, senhor. Poderia fazer o favor de destruir assim que copiá-lo?
Eu-Eu não quero perder meu emprego, senhor, se isto puder ser evitado.”

Percy ficou dobrando o papel nos dedos por um instante.

“Por que você não é católico?” perguntou ele.

O homem meneou a cabeça sem uma palavra. Depois, pegou seu chapéu e foi em direção à porta.

* * * * *

Percy passou uma tarde de muito emoção.

Neste últimos meses, pouco havia acontecido que o tivesse animado. Ele tinha sido obrigado a relatar meia dúzia de secessões mais significativas e raramente uma conversão de alguma espécie. Não havia dúvida de que todas as forças estavam sendo colocadas contra a Igreja. O ato louco na Trafalgar Square, também, tinha feito um mal incalculável  na semana passada; as pessoas comentando  mais do que nunca, e os jornais atormentando, de que a  confiança da Igreja no sobrenatural era desmentida por cada um de seus atos públicos. “Encoste em um Católico e encontre um assassino” era o texto de um artigo de fundo do New People, e o próprio Percy estava consternado ante a insensatez da tentativa.
Era verdade que o Arcebispo havia formalmente repudiado tanto o ato como a razão no púlpito da Catedral, mas isto também tinha servido como uma oportunidade rapidamente tomada pelos principais jornais, para lembrar as pessoas da contínua política da Igreja em se dispor da violência enquanto ela repudiava atos violentos. A morte terrível do homem não havia apaguizado a indignação popular; havia até sugestões de que o homem tinha sido visto saindo da residência do arcebispo uma hora antes da  tentativa de assassinato.
E agora, com dramática rapidez, tinha chegado uma mensagem de que a própria mãe do heroi desejava se reconciliar com a Igreja, que tinha tentado assassinar seu filho.

* * * * *

Novamente naquela tarde, enquanto Percy rumava para o norte em sua visita a um padre em Worcester, com as luzes começando a brilhar com a chegada da noite, ele imaginava se aquilo não era mesmo uma armadilha—alguma especie de retaliação, uma tentativa de fazer uma cilada para ele. Contudo, ele havia prometido ir e  que não diria nada.

Ele terminara sua carta diária após o jantar como sempre, com um curioso viés de fatalidade; endereçou-a  e selou-a. A seguir, desceu as escadas, em seu traje civil, indo para a sala do Padre Blackmore.

“Quer ouvir minha confissão, padre?” disse ele abruptamente.


Parte 2

A Estação Vitória, ainda denominada segundo a grande rainha do século dezenove, não estava mais ou menos cheia do que o costume, ao chegar  até lá meia hora depois.Na vasta plataforma, agora rebaixada cerca de sessenta metros abaixo do nível da superfície, corriam duas fileiras de pessoas, uma entrando e outra saindo da cidade. Aquelas na extrema esquerda, na direção a quem Percy começara a descer no elevador, eram mais numerosas e o fluxo da entrada do elevador fez com que ele se andasse com mais lentidão.
Ele chegou finalmente, andando sob a luz tênue no borrachão silencioso, ficando ao lado da porta do grande trem que trafegava direto pela estação. Era o último de uma série de dezenas que passavam de minuto a minuto. A seguir, ainda assistindo o movimento constante dos elevadores subindo e descendo por entre as entradas da parte superior da estação, ele entrou e sentou-se.

Sentia-se calmo desta vez. Ele havia feito sua confissão, apenas a fim de certificar-se de seu próprio espírito, embora pouco ansiando por qualquer  perigo à frente, e sentado agora, com seu terno cinza e chapéu de palha, em nenhuma maneira distinguindo-o como padre ( pois era uma permissão geral era dada pelas autoridades para se vestir desta forma). Já que o caso não era iminente, ele não havia trazido a estola ou âmbula de hóstias—Padre Dolan tinha avisado de que ele deveria pegá-los se os quisesse da Saint Joseph, perto da estação. Ele tinha somente a faixa roxa no seu bolso, que era comum para chamados de pessoas doentes.

Ele estava viajando calmamente, fixando seus olhos no banco vazio do seu lado oposto, e tentando preservar seu aspecto contido, quando o trem parou abruptamente. Ele olhou para fora e estupefato, viu pelos passeios de cor branca esmaltada a uns seis metros da janela, de que eles já estavam no túnel. A parada podia ser por várias causas, e ele não se preocupou, nem pareceu que os outros no carro houvessem ficado também; ele podia ouvir, depois de um momento de silêncio, que a conversa  havia sido retomada.

A seguir, ouvi-se o som ao longe, ecoado pelas paredes, de gritos e sons metálicos.O barulho foi aumentando. A conversa no carro parou. Ele ouviu uma janela sendo aberta  e no instante a seguir um trem cruzou, indo de volta para a estação no contra-fluxo.Percy agora achou que algo estava acontecendo; assim  ele se levantou e caminhou pelo compartimento vazio para uma janela mais à frente. De novo vieram o grito de vozes, os barulhos metálicos, e mais um trem passou, seguido quase imediatamente por outro. Houve uma retomada do movimento--- em um movimento suave. Percy se segurou e voltou ao seu assento, quando o carro onde ele estava começou a retroceder.oHouve


Houve um clamor desta vez no compartimento vizinho, e Percy caminhou até lá, passando pela porta, para ver que havia meia dúzia de homens com suas cabeças nas janelas, que não prestavam absolutamente nenhuma atenção para as perguntas dele. Assim, ele ficou lá, ciente de que eles não sabiam mais do que ele, esperando a explicação de alguém. Era ridículo, ele disse a si mesmo, que qualquer contratempo fosse desorganizar a linha.

Por duas vezes o trem parou; e finalmente foi  volta à plataforma de onde havia saido, embora vários metros longe.

Ah! Não havia dúvida de algo tinha acontecido! No instante em que ele abriu a porta um grande barulho chegou a seus ouvidos e ao pular para a plataforma,olhou para o final da estação e começou a entender.

* * * * *

Da esquerda para a direita do imenso interior, através das plataformas, surgiu um enorme multidão, aumentando a cada instante. Os degraus de mais de vinte metros de largura, usado apenas em casos de emergência, pareciam uma gigantesca catarata negra de quase 60 metros de altura. Cada trem que chegava, descarregava mais e mais gente, que corriam como formigas para se reunirem com seus companheiros. O barulho era indescritível, o grito dos homens e das mulheres, o som estridente das enormes máquinas, e quatro ou cinco vezes o som de uma porta de emergência sendo escancarada acima , e uma pequena leva da multidão saisse por ela em direção às ruas. Mas após olhar novamente, Percy não olhou mais para as pessoas; e sim lá, no alto debaixo do relógio, no painel de informações do Governo, sairam grandes letras vermelhas, dizendo em esperanto e inglês, a mensagem pela qual ela achava que a Inglaterra se mostrava cada vez mais doente. Ele leu-a dezenas de vezes antes de se mover, contemplando, como se uma vista sobrenatural pudesse anunciar o triunfo quer do céu quer do inferno.

“CONVENÇÃO DO ORIENTE FOI DISSOLVIDA.

PAZ, NÃO MAIS A GUERRA.

IRMANDADE UNIVERSAL ESTABELECIDA.

FELSENBERGH  EM LONDRES HOJE À NOITE.”


* * * * *

III

Não antes de duas horas depois é que Percy conseguiu chegar na plataforma.

Ele mal argumentou, discutiu, ameaçou, mas os oficiais estavam como homens possuídos. Metade deles tinha desaparecida na corrida para a Cidade, pois havia vazado a notícia, a despeito das precauções tomadas pelo Governo, de que a Casa de Paul, conhecida como Catedral de Saint Paul, seria a cena da recepção de Felsenburgh. Os outros pareciam dementes; um homem na plataforma tinha caido morto devido a exaustão nervosa, mas ninguém parecia se importar; e o corpo jazia enfiado debaixo de um banco. Novamente, Percy tinha sido levado pela multidão, enquanto ele batalhava de plataforma em plataforma em sua busca por um trem que o levasse a Croydon. Parece que não havia nenhum para lá e outros ainda vinham do interior, trazendo mais pessoas agitadas e em delírio, que sumiam como fumaça das plataformas. Estas viviam continuamente lotadas, e logo esvaziadas.

Bem, ele estava aqui finalmente, desgrenhado, sem chápeu e exausto, olhando para cima em direção às janelas escuras.

Ele ainda não conseguira entender o assunto todo. Guerra, é claro, seria terrível. E uma guerra como essa teria sido muito terrível para que uma imaginação pudesse vizualizar; mas para a mente de um padre, havia coisas ainda piores. Que paz universal – paz, por assim dizer, estabelecida por outros a não ser pelo método de Cristo? Ou estava até Deus atrás disso?

Perguntas sem respostas.

Felsenburgh—era ele então quem tinha feito essa coisa-essa coisa indubitavelmente maior que o evento secular até ali conhecido da civilização. Que tipo de homem era ele? Como era seu caráter, suas intenções, seu método? Como ele usaria este seu sucesso?... Estes pontos corriam diante da sua mente como um feixe de faíscas, cada uma, poderia ser, sem perigo; cada uma, igualmente, capaz de colocar o mundo no fogo. Enquanto isso, havia uma mulher que deseja se reconciliar com Deus antes de morrer…


* * * * *

Apertou o botão de novo, três ou quatro vezes, e aguardou. Daí, uma luz acendeu acima dele, que o fez entender que havia sido ouvido.

“Eu fui chamado,” exclamou ele para a empregada assustada. “Eu deveria estar aqui às vinte e duas: Não pude, devido ao rush.”

Ela balbuciou uma pergunta para ele.

“Sim, é verdade, eu creio,” disse ele. “ É paz, não haverá guerra. Por favor, leve-me para o andar de cima.”

Ele passou pelo hall com um curioso sentimento de culpa.. Era a casa de Brand, então--- aquele brilhante orador, tão amargamente eloquente contra Deus; e aqui estava ele, um padre, se infiltrando debaixo da cobertura da noite. Bem, bem, não tinha sido ele que arranjara o encontro.

À porta de uma sala de cima, a empregada virou-se para ele.

“Um doutor, senhor?” disse ele.

“Isto é assunto meu,” disse Percy rapidamente, abrindo a porta.

* * * * *

Um pequeno lamento veio de um canto, antes que ele tivesse tempo para fechar a porta.

“Oh! Graças a Deus! Achei que Ele tinha esquecido de mim. O senhor é um padre, senhor?”

“Sou um padre. Você se lembra de ter me visto na Catedral?”

“Sim, sim, senhor;  eu o vi rezando, padre. Oh! Graças a Deus, Graças a Deus!”


Percy ficou ali olhando para ela por um momento, vendo seu rosto ruborizar naquela toca de dormir , seus olhos deprimidos e suas mãos trêmulas. Sim; isto era verdadeiro o bastante.


“Agora, minha filha,” disse ele, “fale.”

“Minha confissão, padre.”

Percy sacou de seu manto púrpura, colocou-o sobre seus ombros e sentou-se na beira da cama.


*** * * * *

Mas ela não queria deixá-lo ir logo depois disso.

"Diga-me, Padre. Quando irá me trazer a Sagrada Comunhão?

Ele hesitou.

"Eu entendo que o Sr. Brand e esposa não sabem nada sobre isso?"

"Não, padre."

"Diga-me, a senhora está doente?"

"Eu não sei, padre. Eles não contam para mim. Pensei que eu ia na noite passada."

"Quando a senhora quer que eu lhe traga a Sagrada Comunhão? Farei como quiser."

"Pode me enviar daqui a um ou dois dias? Padre, devo dizer a ele?"

"Não é obrigada."

"Eu irei se for preciso."

"Bem, pense a respeito, e me informe.... Ouviu o que aconteceu?"

Ela assentiu, mas um tanto desinteressada; e Percy sentiu um pouco de remorso no seu coração. Afinal, a reconciliação de uma alma a Deus era muito maior que a reconciliação do Oriente com o Ocidente.

"Pode fazer diferença para o Sr. Brand," ele disse. "Ele vai ser um homem famoso, agora, a senhora sabe."

Ela olhou para ele em silêncio, sorrindo um pouco. Percy estava maravilhado com a jovialidade daquele velho rosto. A seguir, sua face mudou.

"Padre, eu não devo segurá-lo; mas diga-me isso—Quem é esse homem?”

"Felsenburgh?"

"Sim."

"Ninguém sabe. Vamos saber mais amanhã. Ele está na cidade hoje à noite."

Ela olhou tão estranho que Percy, por um momento, achou que ela estava tendo um ataque. Sua face parecia cair um uma espécie de medo e receio.

"Bem, minha filha?"

"Padre, tenho um pouco de medo quando eu penso naquele homem. Ele não pode me trazer mal, pode? Estou segura agora? Eu sou católica---?”

"Minha filha, é claro que você está segura. Qual o problema? Como é que ele pode te fazer mal?"

Contudo, o olhar de terror ainda estava lá, e Percy deu um passo mais próximo.

"Você não deve dar vazão a fantasias, “ ele disse. “Apena cometa a si própria ao nosso Abençoado Deus. Este homem não te pode te fazer mal.”

Ele estava falando agora como se fosse para uma criança; mas não adiantava. Sua boca senil encolhida e seus olhos vagueavam pela escuridão do quarto.

“Minha filha, diga-me o que se passa. O que sabe sobre Felsenburgh? Você devia estar sonhando.”

Ela concordou respentinamente e energicamente, e Percy , pela primeira vez, sentiu seu coração acelerar de apreensão. Será que esta senhora estaria fora de si? Our por que será que o nome parecia sinistro? Depois, ele se lembrou que Padre Blackmore havia uma vez conversado desta maneira. Ele fez um esforço e sentou-se novamente.

“Agora me diga claramente,” disse ele.”Tem sonhado. O que tem sonhado?”

Ela levantou-se um pouco da cama, novamente olhando pelo quarto; depois, esticou sua mão,solicitando a dele e ele a deu, curioso.

“A porta está fechada, padre? Não há ninguém ouvindo?”

“Não, não, minha filha. Por que está tremendo? Não deve ser supersticiosa.”

“Padre, vou lhe dizer. Sonhos são bobos, não? Bem, pelo menos, isto é que eu sonhei.

“Eu estava em uma casa enorme; não sei onde ficava. Era uma casa que jamais tinha visto. Era uma destas casas antigas e estava muito escuro. Eu era uma criança e estava… com medo de alguma coisa. As passagens estavam todas escuras e fui chorar no escuro, procurando por uma luz e não havia nenhuma. Depois, ouvi um voz falando, muito longe. Padre---“

Sua mão apertou a dele com mais firmeza e novamente seus olhos correram  pelo quarto.

Com grande dificuldade, Percy reprimiu um suspiro. Contudo, ele não ousou deixá-la agora. A casa estava silenciosa; somente do lado de fora, de vez em quando, ouvia-se o barulho de carros, ao passarem vindo da cidade congestionada, rumando ao interior, e também o som de muita gritaria. Ele desejava saber que horas eram.

“Não é melhor me dizer agora?” perguntou ele, ainda falando com muita calma. “A que horas ele estarão de volta?”

“Ainda não,” ela sussurrou. “A Mabel disse não antes das duas da manhã.Que horas são agora, padre?”
Ele sacou de seu relógio com a mão livre.

“Ainda não é uma,” disse ele.

“Muito bem, ouça, padre… eu estava nessa casa; e ouvi uma conversa; e eu corri pelas passagens, até que eu vi uma luz debaixo de uma porta; e aí eu parei… Mais perto, padre.”

Percy estava um pouco assustado. A voz dela tinha de repente caido para um sussurro, e seus velhos olhos pareciam retê-lo estranhamente.

“Eu parei, padre; não ousei entrar. Eu podia ouvir a conversa, e podia ver a luz; mas não ousei entrar. Padre, Felsenburgh estava naquela sala.”

Do andar debaixo, repentinamente veio o estalar de uma porta ; depois o som de passos. Percy virou sua cabeça rapidamente e no mesmo momento ouviu uma forte respiração da senhora.

"Silêncio!" ele disse. "Quem é ?"

Duas vozes estavam conversavam no hall lá embaixo agora, e ao ouvir este som, a senhora relaxou o aperto da mão.

"Eu—eu achei que era ele" ela murmurou.

Percy se levantou; ele podia ver que não estava entendendo a situação.

"Sim, minha filha," ele disse calmamente, "mas quem é?"

"Meu filho e sua esposa," ela disse; a seguir seu rosto mudou uma vez mais.
"Bem, padre---"

Sua voz murchou na sua garganta, ao ouvir passos lá fora. Por um momento, houve completo silêncio; depois um sussurro, bem audível, na voz de uma moça.

“Veja, a luz do quarto dela ainda está acesa. Entre Oliver, mas com cuidado.”

A seguir, a alavanca da fechadura da porta se mexeu.

************ Fim do Capítulo 4 ***********