domingo, 18 de dezembro de 2011

Senhor do Mundo - Capítulo 3, Partes 1, 2 e 3

Capítulo 3

Parte 1

A velha Sra. Brand e Mabel estavam sentadas perto de uma janela nos escritórios do Almirantado na Praça Trafalgar para ver Oliver fazer seu discurso do 50º aniversário da passagem da Reforma da Leis dos Pobres.

Não era uma vista inspiradora aquela manhã clara de Junho, para ver as multidões se reunindo ao redor da estátua de Braithwaite. Aquele político , morto há quinze anos, estava representado na sua famosa pose, com os braços estendidos e inclinados para baixo, a cabeça ereta e com um pé ligeiramente para a frente; e hoje estava adornado, como estava ficando cada vez mais comum naquelas ocasiões, com sua insígnia maçônica. Tinha sido ele que havia dado um grande ímpeto para aquele movimento  com sua declaração na Câmara, de que a chave para o progresso e a irmandade das nações estava nas mãos da Ordem. Foi devido a isso apenas que a falsa unidade da Igreja, com sua fantástica fraternidade espiritual, pôde ser contra-atacada. São Paulo tinha razão, declarava ele, em seu desejo de derrubar as divisões entre as nações, e errado apenas em sua exaltação de Jesus Cristo. Assim, ele começava seu discurso sobre a questão da Lei dos Pobres, indicando a caridade verdadeira que existia entre os Maçons, alheia à escolha religiosa, e apelando para as famosas boas ações no Continente, e no entusiasmo pelo sucesso da Lei ,que a Ordem havia recebido uma numeroso acesso de novos membros.

A velha Sra. Brand  estava muito bem naquele dia, e estava bastante emocionada com a considerável agitação da grande massa de pessoas reunidas para ouvir seu filho falar. Uma plataforma fora erigida perto da estátua de bronze com uma tal altura que o estadista parecia ser um dos oradores, e nesta plataforma havia rosas fixadas, com caixas de som e uma cadeira e mesa.

Toda a praça estava repleta de cabeças e ecoando murmúrios de milhares de vozes, de vez em quando suplantados pela barulho dos tambores e metais, enquanto as Sociedades Beneméritas e Conselhos Democráticos, cada um com sua bandeira, vindo do Norte, Sul, Leste e Oeste, se convergiam ao largo da plataforma, onde o espaço estava reservado para eles. As janelas estavam cheias de rostos em todos os lados, altos estandes foram construídos ao longo da frente da Galeria Nacional e da Igreja St. Martin; jardins de várias cores atrás de estátuas brancas que olhavam para praça e para o longe; desde Braithwaite na frente, depois os Vitorianos – John Davidson, John Burns e o resto- e depois a Hampden e de Monffort  em direção ao norte. A velha coluna não existia mais, com seus leões. Nelson não era mais vantajoso para a Entente Cordiale, nem os leões para a nova arte; e no lugar deles havia um grande espaço com degraus que levavam para a Galeria Nacional.

Sobre os telhados, havia amontoados de cabeças de encontro com o céu azul do verão. Não menos que cem mil pessoas , estimavam-se pelos jornais vespertinos, estavam reunidos ali por volta do meio-dia.

Ao passo que os relógios soavam a hora, duas figuras apareceram  detrás da estátua e vieram para a frete e , em um instante, os  murmúrios das conversas se elevaram em saudações.

O velho Lord Pemberton apareceu primeiro, um senhor ereto e de cabelos grisalhos, cujo pai tinha sido ativo em denunciar na Câmara, da qual ele era um membro na ocasião de sua queda há cerca de 70 anos, e seu filho o tinha sucedido dignamente. Este homem era agora membro do Governo, e por Manchester; e era ele quem deveria ser o presidente desta auspiciosa ocasião. Atrás dele, vinha Oliver, sem nada na cabeça, mas com boa aparência, e até mesmo à distância sua mãe e esposa podiam ver seus movimentos rápidos, seu sorriso e aceno ao seu nome ser pronunciado daquele alto som que emergia  da plataforma. Lord Pemberton veio para a frente, levantou sua mão e fez um sinal ; e em um momento e os leves aplausos que havia, cessou ao som dos tambores sob o qual iniciava o Hino Maçônico.

Não havia dúvidas de que esses londrinos sabiam cantar. Era como se um voz enorme cantava a sonora melodia, com a bandas tocando a seguir para o hasteamento da bandeira.O hino fora composto dez anos antes, e toda a Inglaterra já o conhecia bem. A velha Sra. Brand levou o papel impresso mecanicamente até seus olhos e leu as palavras que ela conhecia tão bem:

“_O Senhor que habita na terra e no mar._...

Ela olhou para os versos, do ponto de vista do Humanitarismo, eles tinham sido compostos com habilidade e ardor. Eles tinham um sentido religioso; o cristão inocente poderia cantar sem um remorso; contudo esses versos eram bastante claros – a velha crença humana de que o homem era tudo. Até mesmo palavras de Cristo eram faladas. O reino de Deus, era dito, ficava dentro do coração humano, e a maior das graças era a Caridade.

Ela olhou de relance para Mabel, e viu que a garota estava cantando com todas as suas forças e com seus olhos fixos na figura do seu marido a uns cem metros dela. Assim sua mãe , também, começou a mexer os lábios em coro junto a aquele alto volume de som.

Ao passo que o hino terminava, e antes que os aplausos começassem de novo, o velho Lord Pemberton estava de pé adiante , perto da beira da plataforma, e sua voz metálica pronunciou algumas palavras e depois veio a vez de Oliver.

*******

Estava muito longe para as duas ouvir o que estava sendo dito, mas Mabel jogou uma folha de papel, sorrindo trêmula, nas mãos da velha senhor, e ela própria se debruçou para tentar ouvir.

A velha Sra Brand olhou para o papel, sabendo que era uma análise do discurso do filho, e ciente de que ela não conseguiria ouvir suas palavras.

Primeiro foi um exórdio, congratulando todos que estavam presentes para prestar honras ao grande homem que presidia na ocasião esta grande celebração. Depois, veio um retrospecto, comparando a velha Inglaterra com a atual. Cinquenta anos atrás, o orador disse, a pobreza era ainda uma desgraça, agora não era mais. Residiam na desgraça e no mérito as causas que levavam à pobreza. Quem não honraria um homem que lutou pelo país, ou  dominado finalmente pelas circunstâncias contra as quais seus esforços não conseguiriam prevalecer?... Ele enumerou reformas aprovadas há cinquenta anos daquele mesmo dia, pelas quais a nação de uma vez por todas, declarou a glória da pobreza e simpatia do homem com os desafortunados.

Assim ele disse para eles que devia falar sobre a pobreza paciente e sua recompensa, junto com algumas frases sobre a reforma nas leis de encarceramento, iria compor seu primeira metade do discurso.

A segunda parte deveria ser um elogio a Braithwaite, tratando-o como o Precursor de um movimento que agora havia começado.

A velha Sra Brand  reclinou-se ao seu assento, olhou a seu redor.

A janela, onde ele estavam, tinha sido reservada para elas; duas poltronas preenchiam o espaço, mas imediatamente atrás havia outras pessoas, de pé, em silêncio, assistindo também com os lábios semi-abertos; duas mulheres com um senhor diretamente atrás, e outros rostos atrás destes. Pelo fato de estarem absortos, fez a velha senhor ficar um pouco envergonhada da sua distração, e virou resolutamente em direção à praça.

Ah! Ele estava agora na parte do seu elogio!  De volta a olhar para a pequena figura a um metro da estátua, a mão dele levantou-se e ele deu um giro, apontando,quando alguns aplausos por instante apagaram sua voz ressonante. A seguir , ele se abaixou, quase de cócoras – pois ele era um ator nato- e uma avalanche de risos desencandeou-se pela multidão. Ela ouviu um som detrás da sua cadeira, e no próximo momento uma exclamação de Mabel… O que foi aquilo?

Houve um forte estalo e a pequena figura gesticulante retrocedeu um passo.  O velho senhor na mesa levantou-se por um instante e simultaneamente um grande tumulto começou em certo ponto da multidão logo perto do espaço onde estavam reunidas as bandas, e diretamente oposto à parte frontal da plataforma.

A Sra Brand, perplexa e atordoada, viu-se de pé, segurando no parapeito da janela, enquanto que a moça a segurou, gritando algo que ela não conseguiu entender. Um grande bramido preencheu a praça, cabeças atiradas para lá e para cá, como espiga de milho em uma ventania. Daí, Oliver moveu-se para a frente novamente, apontando e gritando, pois ela poder ver seus gestos; e ela deixou-se cair no assento rapidamente, o sangue se acelerando nas veias, seu coração batendo forte na garganta.

“Minha querida, minha querida, o que houve?” , soluçou ela.

Mas Mabel ainda estava de pé, olhando para seu marido; e um rápido balbucio e exclamações vindo detrás dele foram audíveis, apesar do tumulto na praça.



Parte 2

Oliver contou a elas a explicação dada para todo aquele caso em casa à noite, descansando na sua cadeira, com um braço enfaixado em uma tipoia.

Elas não havia conseguido chegar até ele naquela hora; a agitação na praça tinha sido muito intensa; contudo, um mensageiro tinha vindo até sua esposa com a notícia de que seu marido tinha sido apenas levemente ferido e estava nas mãos dos doutores.

“Ele era um Católico,” explicou a face retraída de Oliver. “ Sua arma foi encontrada carregada. Bem, não havia chance para um padre desta vez.”

Mabel concordou; ela tinha lido o destino do homem nas notícias.

“Ele foi morto – pisado e sufocado instantaneamente,” disse Oliver. “Fiz o que eu pude: você me viu. Mas--- bem, ouso dizer que foi misericordioso.”

Mas você fez o que podia, meu filho?”, disse a senhora, ansiosa, no seu canto.

“Eu os chamei, mãe, mas não me ouviram.”

Mabel inclinou-se---

“Oliver, eu sei que isto parece estupidez minha; mas --- mas eu queria que eles não o tivessem morto.”

Oliver sorriu para ela. Ele sabia do seu bom caráter.

“Teria sido perfeito se eles não tivessem,” disse ela, calando-se e se sentando.

“Por que ele atirou?”, perguntou ela.

Oliver virou seus olhos por um instante para sua mãe, mas ela estava tricotando calmamente.

Daí, ele respondeu com uma singular resolução.

“Eu disse que Braithwaite tinha feito mais para o mundo em um discurso do que Jesus e Seus santos juntos.” Ele percebeu que as agulhas do tricô pararam por um instante; e depois continuaram como antes.

“Mas ele queria mesmo cometê-lo de qualquer modo,” continuou Oliver.

“Como eles sabem que era um Católico?” perguntou ela de novo.

“Havia um terço com ele; e ele ainda teve tempo de chamar o seu Deus.”

“E não se sabe mais nada?”

“Nada mais. Ele estava bem vestido, contudo.”

Oliver recostou-se um pouco cansado, fechando os olhos; seu braço ainda latejava fortemente. Contudo, ele estava muito feliz no coração. Era verdade que ele havia sido ferido por um lunático, mas ele não via problemas em suportar a dor em tal causa, e era óbvio que a simpatia da Inglaterra estava com ele. Sr. Phillips até agora estava ocupado na sala ao lado, respondendo aos telefonemas que chegavam a todo o momento. Caldecott, o Primeiro Ministro, Maxwell, Snowford e uma dezena de outros enviaram os parabéns, e de toda a parte da Inglaterra chegava mensagem após mensagem. Foi uma grande tacada para os Comunistas; seu porta-voz  havia sido atacado durante a dispensa de seus ofícios, falando em defesa de seus princípios; fora um ganho incalculável para eles, e uma perda para os Individualistas, que os confessores não estavam todos de um lado afinal. Os grandes placares eletrônicos em Londres cintilavam os fatos ocorridos em Esperanto, enquanto que Oliver entrava no trem no hora do crepúsculo.

“_Oliver Brand ferido… agressor Católico…. Indignação do país… Bem merecido fim do assassino_.”

Ele estava aliviado, também de que ele sinceramente tinha feito tudo para salvar o homem. Até mesmo em momentos de grande dor, ele pedia um julgamento justo; mas tinha sido tarde demais. Ele tinha visto os olhos esbugalhados no rosto avermelhado, e o sorriso sarcástico enquanto as mãos das pessoas agarravam e apertavam sua garganta. Depois aquela feição no rosto desapareceu e houve um grande pisoteamento. Oh! Havia ainda alguma paixão e lealdade na Inglaterra!

Sua mãe levantou-se e saiu, sem uma palavra; e Mabel voltou-se para ele, colocando a mão no seu joelho.

“Você está cansado de conversar, meu bem?”

Ele abriu seus olhos.

“Claro que não, meu bem. O que foi?”

“O que você acha a que tudo isso vá levar?”

Ele levantou-se um pouco, olhando para fora pelas janelas, vendo o maravilhoso anoitecer. Em todos os lugares  agora, as luzes estavam brilhando e o luar sobre as casas, e lá em cima o misterioso azul escuro de uma noite de verão.

“A consequência?” disse ele. “Vai ser bom. Já era tempo em que algo acontecesse. Meu bem, eu me sinto melancólico às vezes, como você sabe. Bem, eu não acho que ficarei novamente. Eu tenho estado receoso algumas vezes de que nós estivéssemos perdendo toda nossa vontade, e que os velhos Tories estivessem parcialmente certos, quando eles profetizaram o que o Comunismo iria fazer. Mas, depois disso---“

“E?”

“Bem; nós mostramos que podemos derramar nosso sangue também. Na hora certa, também, bem na crise. Não quero exagerar; é só um arranhão—mas foi tão deliberado, e --- tão dramático. O pobre diabo não poderia ter escolhido um pior momento. As pessoas irão esquecer.”

Os olhos de Mabel brilharam com prazer.

“Ah, coitadinho!”, disse ela. “Você está sentido dor?”

“Não muito. Além disso, Cristo! Que me importa? Se este caso no Oriente acabasse!”

Ele sabia que estava febril e irritável, e  fez um grande esforço para se acalmar.

“Ah, minha querida!” continuou ele, com o rosto um  pouco ruborizado. “Se eles não fossem uns grandes idiotas: eles não entendem; eles não entendem.”

“O quê?”, Oliver.

“Eles não entendem que coisa gloriosa é toda a Humanidade, Vida, Verdade afinal e a eliminação da Falta de Bom Senso! Mas nós não dissemos a eles um centena de vezes?”

Ela olhou para ele com  olhos apaixonados. Ela adorava vê-lo assim, o rosto ruborizado, a confiança, o entusiasmo dos olhos azuis; e o conhecimento de sua dor  aumentava sua paixão. Ele inclinou-se para a frente e beijou-o repentinamente.

“Meu bem, estou orgulhosa de você, Oliver!”

Ele não disse nada; mas ela pode perceber o que ela gostava de ver, aquela resposta no seu própria coração; e assim ficaram em silêncio enquanto o céu escurecia lá fora ainda mais, e o barulho da máquina de escrever na sala ao lado dizia a eles que o mundo ainda continuava e que eles tinham coisas a fazer.

Oliver se mexeu.

“Você percebeu uma coisa, minha querida--- quando eu disse aquilo sobre Jesus Cristo?

“Ela parou de tricotar por um instante, “ disse ela.
Ele concordou.

“Você viu também, Mabel, e você acha que ela esteja fraquejando?”

“Ah, ela está ficando velha,” disse ela. “É claro que ela ainda se volta para o passado um pouco.”

“Mas você não acha--- isso seria terrível!”

Ela balançou a cabeça negativamente.

“Não, não, minha querida, você está agitada e cansada. É só um pequeno sentimento… Oliver, não acho que eu diria aquele tipo de coisa diante dela.”

“Mas ela ouve isso em todos os lugares agora.”

“Não, ela não ouve. Lembre-se de que ela quase não sai. Além disso, ela odeia tudo isso. Afinal de contas, ela foi educada como uma Católica.”

Oliver concordou, e recostando-se novamente, olhou pensativo.

“Não é interessante o modo como o poder da sugestão permanece? Ela não consegue tirar isto da cabeça dela, mesmo após 50 anos. Bem, fique de olho nela, está bem? … A propósito…”

“Sim?”

“Há mais algumas notícias do Oriente. Eles dizem que Felsenburgh está administrando a coisa toda agora. O Império o está enviando a todos os lugares—Tobolsk, Benares, Yakutsk—em todos os lugares; e tem estado na Austrália.”

Mabel sentou-se ereta. “Isto não é esperançoso?”

“Eu suponho que sim. Não há dúvida de que os Sufis estão vencendo; mas por quanto tempo é uma outra questão. Além disso, as tropas não se dispersaram.”

“E a Europa?”

“A Europa está se armando o mais rápido possível. Ouvi dizer que as Potências vão se encontrar na semana que vem em Paris. Eu terei que ir.”

“Mas e seu braço, querido?”

“Meu braço deve ficar bom. Ele terá que ir comigo, de qualquer forma.”

“Diga-me mais.”

“Não há mais nada a dizer. Mas é certeza dizer que isto é realmente uma crise. Se o Oriente pode ser persuadido a se refrear, provavelmente não se levantará novamente. Vai significar comércio livre por todo o mundo, eu suponho, e toda essa espécie de coisa. Mas se não---“

“E?”

“Se não, haverá uma catástrofe tal como nunca imaginado. Toda a raça humana estará em guerra , e tanto o Oriente como o Ocidente vão querer se eliminar. Estes novos explosivos Benninschein serão a prova disso.”

“Mas há absoluta certeza de que o Oriente os possui?”

“Com certeza. Benninschein os vendeu tanto para o Ocidente como para o Oriente; depois ele morreu, sorte dele.”

Mabel já tinha ouvido este tipo de conversa antes, mas sua imaginação se recusava a aceitar. Um duelo do Oriente com o Ocidente sob estas condições era uma coisa impensável. Não tinha havido nenhuma guerra europeia ainda na memória, e as guerras orientais do último século havia sido do velho modo. Agora,  se  os rumores fossem verdadeiros, cidades inteiras seriam destruídas com uma simples bomba. As novas condições era inimagináveis. Peritos militares profetizavam com exagero, contradizendo entre si em ponto vitais; o completo procedimento de guerra era uma questão de teoria; não havia precedentes com que compará-la.Era como se arqueiros disputassem quanto aos resultados de cordite (explosivo sem fumaça). Apenas uma coisa era certa—que o Oriente tinha todo o aparato moderno,e, quanto à população de homens, cerca de metade do que todo o restou do mundo tinha junto; e a conclusão a ser tirada dessas premissas não era nada confortante para a Inglaterra.
Mas a imaginação simplesmente se recusava a falar. Os jornais diários tinham breve e cuidadosa notícia de capa todos os dias, fundamentada nos fragmentos de notícias que roubavam das conferências no outro lado do mundo; o nome de Felsenburgh aparecia mais frequentemente do que  nunca; de outra maneira parecia haver um espécie de silêncio. Nada estava muito ruim; o comércio continuava; as ações europeias não estavam com valores menores do que o usual; homens ainda construindo suas casas, casando-se com suas mulheres,  eram pais de filhos e filhos, trabalhavam e iam ao teatro, pela simples razão de não havia mal algum em qualquer outra coisa. Eles não poderiam piorar ou melhorar a situação; era de uma escala muito grande. Ocasionalmente, algumas pessoas se enlouqueciam—pessoas que tinham conseguido levar sua imaginação a uma altura onde um relance de realidade pudesse ser obtido, e onde havia uma atmosfera difusa de tensão. Mas era tudo. Não havia muitos discursos sobre o assunto, havia sido entendido como não aconselhável. Afinal, não havia nada a fazer a não ser esperar.
  

Parte 3

Mabel lembrou-se do conselho do marido para vigiar, e por alguns dias ela fez o possível. Mas não havia nada que a alarmasse. A velha senhora estava quieta, talvez, mas fazia seus afazeres como sempre. Ela pediu para a moça que lesse para ela algumas vezes, e ouvia sem timidez o que ofereciam a ela; ela atendia a cozinha diariamente, organizava as variedades de alimentos, e aparecia interessada em tudo que dizia respeito a seu filho. Ela arrumou sua mala com suas próprias mãos, separou os casacos dele para a rápida viagem a Paris e acenou para ele da janela ao sair em direção da estação. Ele disse que ficaria fora por três dias.

Foi na noite do segundo dia que ela caiu doente; e Mabel, subindo rápido as escadas, depois de ser avisada pelo criado, encontrou-a um tanto ruborizada e agitada na sua cadeira.

“Não é nada, minha querida,” disse a senhora, trêmula, e comentou sobre alguns sintomas.

Mabel levou-a para a cama, chamou o médico e sentou-se à espera.

Ela tinha sincera afeição pela velha senhora, e sempre achava uma espécie de deleite ver a presença dela na casa. O efeito dela no espírito da casa era como o de uma poltrona para o corpo. A velha senhora era tão tranquila e humana, tão absorta em pequenas assuntos externos, tão reminiscente de vez em quando dos dias da sua juventude, sem nenhum ressentimento ou insatisfação. Parecia curiosamente patético para a moça ver aquele velho e calmo espírito aproximar-se de sua extinção, ou melhor, como Mabel acreditava, a perda da personalidade  na reabsorção no Espírito da Vida que imbuia o mundo de sua qualidade. Ela encontrava pouca dificuldade em contemplar o fim de uma alma vigorosa, pois naquele caso, ela imaginava uma espécie de ímpeto de força energética  de volta à origem das coisas; mas nesta pacífica velha senhora havia tão pouca energia; o aspecto central dela, por assim dizer, estava nos delicados traços da sua personalidade, construida de coisas frágeis em um entidade mais mais significante que a soma de suas partes componentes; a morte de uma flor , refletia Mabel, é mais triste que a morte de um leão; o quebrar de uma peça de porcelana mais irreparável que a ruína de um palácio.

“É uma síncope,” disse o doutor quando chegou. “Ela pode morrer a qualquer momento; pode ainda viver dez anos.”

“Não há necessidade de comunicar o Senhor Brand?”

Ele fez um movimento de desaprovação com as mãos.

“Não é certo que ela vai morrer—não é iminente?”, perguntou ela.

“Não, não; ela pode viver dez anos, eu disse.”

Ele deu alguns conselhos para o uso do inalador e foi embora.


********************

A senhora estava deitada quieta na cama e quando a moça apareceu, mostrou uma das mãos enrugada.

“Bem, minha querida?” ela perguntou.

“É só um pouco de fraqueza, mãe. A senhora deve ficar deitada e não fazer nada. Quer que eu leia para você?”

“Não, minha querida, vou pensar um pouco.”

Não era parte da ideia de Mabel dizer a ela que estava em perigo, pois não havia um passado para se corrigir, nenhum Juiz  para ser confrontado. A morte era um fim, não um começo. Era um Evangelho pacífico; pelo menos, ele se tornou pacífico tão logo o fim tinha chegado.

Assim, a moça desceu as escadas mais uma vez, com uma leve dor no coração que se recusava a se tranquilizar.

Que estranha e bonita coisa era a morte, ela disse para si—esta harmonia de notas que fica em suspenso por trinta, cinquenta ou setenta anos—depois voltando calmamente ao imenso Instrumento que era o todo no todo. Estas mesmas notas seriam tocadas de novo, estavam sendo tocadas de novo mesmo agora no mundo, embora com uma delicadeza infinita de diferença no toque; mas aquela emoção particular  havia desaparecido; era tolice pensar que havia algo eterno em algum lugar, pois não havia nada em algum lugar. Ela, também, iria morrer algum dia, e providenciar para que o tom fosse puro e adorável.


*********
O Sr. Phillips chegou na manhã seguinte como sempre, logo que Mabel saiu do quarto da senhora, pedindo notícias dela.

“Ela está um pouco melhor, eu acho,” disse Mabel. “ Ela deve ficar calma o dia inteiro.”

O secretário curvou a cabeça entendendo e saiu em direção à sala de Oliver, onde havia um monte de cartas para serem respondidas.

Algumas horas mais tarde, depois que Mabel subiu as escadas uma vez mais, ela se encontrou com o Sr. Phillips descendo. Ele estava com o rosto avermelhado sob sua pela clara.

“A Sra. Brand me chamou,” ele disse. “Ela quer saber se Sr. Oliver estará de volta hoje à noite.”

“Ele estará, não? Você não ouviu?”

“A Sra. Brand disse que ele estaria aqui para o jantar. Ele vai chegar a Londres às 19h00.”

“E há outras notícias?”

Ele apertou os lábios.

“Há rumores, “ disse ele. “Sr. Brand me telegrafou há uma hora.”

Ele parecia preocupado com algo, e Mabel olhou para ele com estupefação.

“São as notícias do Oriente?” perguntou ela.

As sobrancelhas dele se enrugaram um pouco.

“Você deve me perdoar, Sra. Brand,” disse ele. “ Não tenho liberdade para dizer nada.”

Ela não ficou ofendida, pois ela confiava muito em seu marido; mas seu entrou na sala da enferma com o coração batendo forte.

A velha senhor, também, parecia nervosa. Ela estava na cama com as bochechas um pouco avermelhadas, e quase não sorriu com a saudação da moça.

“Bem, a senhora já viu o Sr. Phillips, então?” disse Mabel.

A velha Sra Brand olhou para ela fixamente por um instante, mas não disse nada.

“Não fique agitada, mãe. Oliver estará de volta hoje à noite.”

A velha senhora fez uma longa inspiração.

“Não se preocupe comigo, minha querida,” disse ela. “Vou ficar muito bem. Ele estará de volta para o jantar, não?”

“Se os volors não se atrasarem. Agora, mãe, pronta para o desjejum?”


Mabel passou uma tarde com considerável ansiedade. Era certo que algo havia acontecido. O secretário, que fez o desjejum com ela na sala com vista para o jardim, estava estranhamente agitado. Ele tinha dito a ela que ele sairia e ficaria fora o resto do dia. Sr. Oliver tinha dado instruções a ele. Ele evitara comentar algo sobre a questão do Oriente, e não havia dado a ela nenhuma notícia sobre a Convenção de Paris; ele apenas repetira que o Sr. Oliver estaria de volta naquela noite. Depois, saiu com pressa uma hora mais tarde.

A velha senhora parecia adormecida quando a moça subiu em seguida, e Mabel não quis perturbá-la. Nem gostaria de sair de casa; assim, ele andou pelo jardim, pensando e aflita, até que a sombra escureceu os telhados com a névoa verde cinzenta do oeste.

Ao entrar, ela pegou o jornal da tarde, mas não havia grandes notícias nele, exceto de que a Convenção iria encerrar naquela tarde.

********

Eram 20h00, mas nenhum sinal de Oliver. O volor de Paris deveria ter chegado há uma hora, mas Mabel, olhava para os céus escuros da noite com suas estrelas como joias uma a uma, mas nenhuma nave passava acima. É claro que ela não deve ter visto, dependendo do seu tráfego; contudo ela tinha visto já uma centena de vezes antes, e estranhava  sem razão por que ela não tinha visto agora. Mas ela não quis jantar e andava para lá e para cá com seu vestido branco, olhando várias vezes pela janela, ouvindo os som suave dos trens e as cordas musicais da estação a mais de um quilometro de distância. As luzes estavam acesas agora, e a imensidão da cidade parecia um terra da fantasia entre a luz terrestre e a escuridão do céu. Por que Oliver ainda não chegou, ou pelo menos que a tivesse avisado do porquê?

Uma vez mais, ela subiu, ela própria muito ansiosa, para tranquilizar a velha senhora e encontrou-a novamente muito sonolenta.

“Ele não chegou,” ela disse. “Acho que ele ficou retido em Paris.”

O velho rosto na travesseiro concordou e murmurou, e Mabel desceu novamente. Era agora uma hora depois da hora de jantar.

Ah! Havia uma centena de coisas que poderia tê retido. Ele frequentemente chegava atrasado mais do que esta vez: ele deve ter pedido o volor que queria pegar; a Convenção poderia ter se prolongado; ele podia estar cansado e achado melhor dormir em Paris afinal, e teria esquecido de telefonar.
Ele pode ter ligado para Sr. Phillips e o secretário ter se esquecido de passar a mensagem.

Ela se dirigiu finalmente, desesperançada, para o telefone e olhou para ele. Lá estava, aquele aparelho redondo e calado, com aqueles vários botões. Ele quase se decidiu tocá-los um a um, e perguntar se havia alguma notícia de seu marido.; havia seu clube, seu escritório em Whitehall, a casa do Sr. Phillips, o Parlamento e o resto. Mas hesitou, dizendo a si para ser paciente. Oliver não gostava de interferências, e ele logo iria se lembrar e aliviar a ansiedade dela.

A seguir, ao se virar, a campainha tocou alta e uma luz branca piscou- WHITEHALL.

Ela apertou o botão correspondente,e, com sua mão toda trêmula que mal podia segurar o aparelho, ouviu.

“Quem é?”

Seu coração pulou ao som da voz do marido, baixa e diminuta pela distância de quilômetros de fios.

“Eu, Mabel,” disse ela. “Estou sozinha aqui.”

“Ah, Mabel. Muito bem. Estou de volta: tudo está bem. Agora escute. Pode ouvir?”

“Sim, sim.”

“Aconteceu o melhor. Está por todo o Oriente. Felsenburgh conseguiu. Agora escute. Não posso voltar hoje à noite. Será anunciado na Casa de Paul daqui a duas horas. Estamos comunicando a Imprensa. Venha até aqui rapidamente. Você deve estar presente…. Está ouvindo?”

“Ah, sim.”

“Venha logo. Será a maior coisa da história. Não diga a ninguém. Venha antes que o rush comece. Em meia hora, o caminho será interditado.”

“Oliver.”

“Sim? Fale rápido.”

“Sua mãe está doente. Devo deixá-la?”

“Como doente?”

“Ah, nada de perigo. O doutor já a viu.”

Houve um silêncio por um momento.

“Sim, venha então. Nós voltaremos hoje à noite de qualquer forma. Diga a ela que não iremos demorar.”

“Muito bem.”

“… Sim, você deve vir. Felsenburgh estará lá.”

*******Fim do Capítulo 3********

domingo, 4 de dezembro de 2011

Senhor do Mundo - Capítulo 2, Partes 1, 2 e 3

Senhor do Mundo
de Robert Hugh Benson
  

CAPÍTULO 2 , PARTE 1

A correspondência de Percy Franklin com o Cardel-Protetor da Inglaterra o deixava ocupado por pelo menos duas horas todos os dias, e por quase oito horas indiretamente.

Nos últimos oito anos, os métodos da Santa Sé haviam sido mais uma vez revisados em vista das dias de hoje, e agora toda a província importante pelo mundo possuia não somente um encarregado administrativo, mas também um representante em Roma, cujo tarefa era manter-se em contato com o Papa por um lado e com as pessoas que ela representava por outro. Em outras palavras, a centralização tinha seguido adiante rapidamente, e com a centralização, liberdade de métodos e expansão de influência. O Cardeal-Protetor da Inglaterra era Abade Martin, um Beneditino, e era tarefa de Percy, assim como de uma dezena de outros bispos, padres e laicos (com que, a propósito, ele era proibido de fazer qualquer consulta formal), escrever um extensa carta diária para ele sobre os assuntos que chegassem a seu conhecimento.

Portanto, era uma vida curiosa a que Percy levava. Ele tinha algumas salas designadas na residência do arcebispo em Westminster, e estava de certa forma ligado ao staff da Catedral, embora com considerável liberdade. Ele se levantou cedo, meditou por uma hora, após a qual celebrou sua missa. Tomou seu café logo depois, fez um pequeno ofício e depois sentou-se para escrever sua carta. Às dez horas, ele estava pronto para receber visitas e até o meio dia, estava geralmente ocupado ora com aqueles que viam vê-lo para assuntos particulares, ora com sua equipe de meia dúzia de assistentes, cuja tarefa era trazer a ele notícias escolhidas e seus próprios comentários. Ele então fazia o desejum com os outros padres da casa, saia logo após para visitar pessoas cujas opiniões eram necessárias, voltando para uma xícara de chá logo após as 16 horas. Após uma visita ao Santo Sacramento e o descanso no seu escritório, sentava-se para escrever sua carta, que embora fosse curta, precisava de muito cuidado e análise minuciosa. Após o jantar, ele fazia algumas anotações para o dia seguinte, recebia visitas novamente e ia dormir logo após as dez da noite. Duas vezes por semana, ele era incumbido de assistir às Vésperas de tarde, e geralmente cantava alto na missa dos sábados.

Era, portanto, uma vida curiosamente ocupada, com peculiares perigos.

Foi em um dia, uma semana ou duas após sua visita a Brighton, no momento em que ele estava terminando sua carta, seu criado o chamou para dizer que Padre Francis estava embaixo.

“Em dez minutos,” disse Percy, sem olhar para cima.

Ele acabou suas últimas frases, destacou a folha e pôs-se a relê-la, traduzindo-a inconscientemente do Latim para o Inglês.

"WESTMINSTER, 14 de Maio.

"EMINÊNCIA: Desde ontem , eu tenho um pouco mais de informações. Parece certo que o projeto de lei estabelecendo o Esperanto para todos os fins públicos será levado à aprovação em Junho. Recebi esta informação de Johnson. Esta, como já salientei antes, é a última pedra  para nossa consolidação com o continente, que, no momento, deve ser lamentada… Espera-se um grande acesso de judeus na Maçonaria; até agora, eles têm se distanciado até certo ponto, mas a ‘abolição da Ideia de Deus’ deve atrair esses judeus, muito mais eles, que repudiam toda a noção de um Messias pessoal. É a ‘Humanidade’ aqui também, que está trabalhando. Hoje, eu ouvi o Rabi Simeon falar sobre este fato na Cidade, e fiquei impressionado pelo aplauso que ele recebeu… Contudo entre outros, há grande expectativa de que um homem aparecerá para liderar o movimento comunista e unificar as forças. Estou incluindo uma recorte extenso do jornal New People para este fim; está se espalhando por todos os lugares. Eles dizem que a causa vai dar luz a outra em breve; que eles tiveram profetas e precursores há centenas de anos e que depois cessaram. É estranho como isto coincinde superficialmente com os ideais Cristãos. Vossa Eminência pode observar que uma comparação da “nona onda” é usada com certa eloquência… ouvi hoje sobre a secessão de uma velha família Católica, os Wargraves de Norfolk, com o seu capelão Miclem, que devia estar pensando nisso há algum tempo. O jornal Epoch anuncia isto com satisfação, devido a circunstâncias peculiares; mas infelizmente tais acontecimentos não são raros agora… Há muita desconfiança entre a classe laica.
Sete padres da diocese de Westminster nos deixaram nos últimos três meses; por outro lado, eu tenho o prazer de informar a Vossa Eminência que sua Graça recebeu esta manhã na Comunhão Católica o ex-bispo anglicano de Carlisle, com meia dúzia de seu clero. Isto tinha sido aguardado há algumas semanas. Eu anexo também recortes do Tribune, do London Trumpet e do Observer, com meus comentários a respeito. Vossa Eminência verá o grande alvoroço com relação ao último.

"_Recomendação._  Essa excomungação formal dos Wargraves e dos oito padres deve se emitida em Norfolk e Westminster respectivamente, sem prévio aviso.”

Percy colocou a folha de papel sobre a mesa, juntou meia dúzia de outros papeis, que continham resumos e o atual comentário, assinou o último e colocou tudo no envelope impresso que estava pronto ao lado.
A seguir, pegou seu barrete e saiu para o elevador.

* * * * *

No momento em que ele entrou na sala envidraçada, viu que Padre Francis estava ali, aparentando estar doente, mas também havia um curiosa dureza nos olhos e na boca. Ele moveu a cabeça negativamente.

"Eu tenho de dizer adeus, padre. Não aguento mais."

Percy cuidou para não mostrar qualquer emoção. Ele fez um pequeno sinal para uma cadeira e sentou-se também. “É o fim de tudo,” disse o outro novamente em uma voz firme. “Eu não acredito em nada. Eu não venho acreditando em nada já faz um ano agora.”

“Você não tem sentindo nada, você quer dizer,” disse Percy.

“Isto não vai adiantar, padre,” continuou o outro. “Eu digo a você que não resta mais nada. Não consigo nem discutir agora. É apenas adeus.”

Percy não tinha nada a dizer. Ele conversara com este homem durante um  período de mais de oito meses, desde que o Padre Francis havia lhe confiado de que sua fé estava minguando. Ele entendeu perfeitamente o estresse que tinha sido; ele sentiu compaixão pela pobre criatura que havia sido de alguma forma pego pelo vertiginoso e triunfante movimento da Nova Humanidade. Os fatos externos era muito preocupantes agora; e a fé, exceto para aquele que tinha aprendido que o Arbitrío e a Graça são tudo e emoção é nada, era como se fosse um criança perambulando no meio de enormes maquinários: ela poderia sobreviver ou não; mas ela teria que ter nervos de aço para se manter firme. Era difícil saber de quem seria a culpa; contudo a fé de Percy dizia a ele que não havia uma culpa devida. Nas épocas de fé, um entendimento muito inadequado da religião teria que ser avaliado; nestes dias de busca , ninguém a não ser o humilde e o puro poderiam passar pelo teste , e a não ser que eles estivessem protegidos por um milagre da ignorância. A aliança da Psicologia e do Materialismo parecia, sob certo ângulo, explicar tudo; ela precisava de uma robusta percepção sobrenatural para entender  sua impropriedade prática. E em relação à responsabilidade pessoal do Padre Francis, ele não poderia deixar de perceber que haviam permitido o cerimonial desempenhar um papel muito grande em sua religião e haver muito poucas orações. Nele, o exterior havia absorvido o interior.

Assim, ele não permitiu que sua simpatia se mostrasse em seus olhos brilhantes.

“Você acha que é minha culpa, é claro,” disse o outro com firmeza.

“Meu querido padre,” disse Percy, imóvel em sua cadeira, “Eu sei que é sua culpa. Ouça-me. Você disse que o Cristianismo é absurdo e impossível. Agora, você viu que não é! Isto pode não ser verdadeiro—não estou falando disso agora, mesmo que eu esteja absolutamente certo que isto é verdadeiro- mas pode não ser absurdo desde que pessoas educadas e virtuosas continuem a apoiá-lo. Para dizer que é absurdo é puro orgulho; é considerar todos que acreditam nele, o tenham feito sem inteligência---“

“Muito bem, então,” interrompeu o outro; “ então suponha que eu retire isso, e simplesmente diga que eu não acredito que seja verdadeiro.”

“Não retire,”  continuou Percy serenamente; “ você ainda realmente crê que seja absurdo; você me disse isto uma dezena de vezes. Bem, eu repito, que é orgulho, e suficiente o bastante para explicar isso tudo. É a atitude moral que importa. Pode haver outras coisas também---“

Padre Francis olhou incisivamente.

“Ah! A velha estória!” disse com desdém.

“Se você me disser sob sua palavra de honra de que não existe mulher no caso, ou nenhuma questão específica de pecado com que você proponha trabalhar, eu vou acreditar em você. Mas é uma velha estória, como você disse.”

“Juro que não há,” clamou o outro.

“Graças a Deus, então!” disse Percy. Há alguns obstáculos para um retorno da fé.”

Houve um silêncio por um instante, após isso. Percy não tinha realmente mais o que dizer. Ele tinha conversado com ele sobre a vida interior novamente, na qual as veracidades são vistas como verdadeiras, e atos de fé são ratificados; ele tinha insistido em  oração e humildade até que estivesse cansado de ouvir os nomes; e ele tinha ficado desesperado em deixar claro para aquele que não visse por si próprio que, enquanto Amor e Fé pudessem ser chamados de auto-hipnotismo por um ângulo, contudo por outro, eles eram tanto realidade como, por exemplo, os talentos artísticos, que precisam de igual aperfeiçoamento. As evidências pareciam significar nada para este homem.

Assim, ele estava quieto agora, sentindo a presença desta crise, olhando a velha sala, sua janela alta, sua faixa de moldura, consciente principalmente da terrível falta de esperança deste seu irmão, que tinha olhos, mas não conseguir ver, ouvidos, mas não conseguia ouvir. Ele queria dizer adeus e sair. Não havia mais nada a fazer.

Padre Francis, que estava sentado de um jeito desajeitado, parecia ler seus pensamentos, ergueu-se de repente.

“Você está cansado de mim,” disse ele. “Vou embora.”

“Não estou cansado de você, meu caro padre,” disse Percy simplesmente. “Estou muito  sentido. Você sabe que eu sei que tudo é verdade.”

O outro olhou para ele com seriedade.

“E eu sei que não é,” disse ele. “ Isto é muito bonito; eu gostaria de acreditar. Não acho que deverei ser feliz novamente—mas—mas aí está.”

Percy suspirou. Ele tinha dito a ele muitas vezes que o coração é uma dádiva tão divina como a mente, e que o negligenciar na busca de Deus é procurar ruína, mas este padre raramente tinha entendido a aplicação para si próprio. Ele tinha respondido com os velhos argumentos psicológicos, que as sugestões da educação explicavam tudo.

“Eu suponho que você vai se livrar de mim,” disse o outro.

“É você que está me deixando,” disse Percy. “Eu não posso segui-lo, se você pensa dessa forma.”

“Mas—mas não podemos ser amigos?”

Um repentino sentimento tocou o coração do velho padre.

“Amigos?” disse ele. “O sentimentalismo é tudo que você quer dizer por amizade? Que espécie de amigos podemos ser?”

O rosto do outro de repente se tornou sério.

“Achei que sim.”

“John!” clamou Percy. “Você está vendo, não? Como podemos aparentar algo quando você não acredita em Deus? Pois eu ouso pensar que você não acredita.”
Francis se levantou.

“Bem---“ disse ele. “Eu poderia não ter acreditado—Estou indo.”

Ele caminhou para a porta.

“John!” disse Percy de novo. “Você vai embora assim? Podemos apertar as mãos?”

O outro virou-se novamente, com ira na sua face.

"Ora, você disse que não poderíamos ser amigos!”

Percy abriu a boca. Então, ele entendeu e sorriu. “Ah! É tudo que você quer dizer por amizade, não é?—Peço seu perdão. Ah! Podemos ser educados um com o outro,se quiser.

Ele ainda mantinha sua mão estendida. Padre Francis olhou para ela um pouco e seus lábios tremeram: daí, uma vez mais ele tornou-se a virar e saiu sem uma palavra.


Capítulo 2, Parte 2

Percy ficou imóvel até que ele ouvi a campainha automática soasse, para informar que o Padre Francis tinha mesmo ido embora. A seguir, ele também saiu e caminhou para a longa passagem em direção à Catedral. Ao passar pela sacristia, ele ouviu o som de um órgão, e entrando na capela usada como igreja paroquial, ele percebeu que ainda não haviam terminado as Vésperas com o grande coro. Desceu a nave lateral, virou à direita, persignou-se e ajoelhou.

Estava começando o por do sol, e aquele enorme lugar escuro era apenas iluminado aqui e ali por luzes sobre o bonito mármore e adornos doados por um convertido de posses. Na frente dele, erguia-se o recinto do coral, com uma faixa de sobrepeliz branca e cânones forrados em cada lado, e o vasto baldaquino no meio, abaixo do qual haviam seis velas queimando dia a dia por mais de um século; e ainda atrás ficava um oratório sobre o qual Cristo reinava com majestade. Ele olhou ao redor por alguns momentos antes de iniciar suas preces, sorvendo da glória do lugar, ouvindo o coro estrondoso, o ressoar do órgão, e a voz macia do padre.
Lá na esquerda havia o brilho das lâmpadas que estavam acesas antes do Sacramento do Senhor, na direita um dezena de velas aqui e ali cintilavam ao pé de imagens sombrias e acima estava pendurada a gigantesca cruz com o magro e débil Homem Pobre que chamou a todos que o olhavam para o abraços de Deus.

A seguir, cobriu seu rosto com as mãos, fez algumas longas inspirações e pôs-se a começar.

Ele iniciou, como era seu costume na oração mental, por um ato deliberado de auto-exclusão do mundo dos sentidos. Sob a imagem de se afundar sob uma superfície, ele forçava para baixo e para cima, até que o repique do órgão, o barulhos dos passos, a rigidez das costas da cadeiras em seus punhos—tudo parecesse à parte e externo, e ele restava como uma pessoa simples com um coração pulsante, um intelecto que sugestionava imagem após imagem, e emoções que eram por demais lânguidas para se atiçarem. Depois,  fez sua segunda descida, renunciava tudo que ele possuía e o que era, e tornava-se consciente de que até mesmo o corpo era deixado para trás, e que sua mente e coração, assombrados pela Presença, agarravam firmes e obedientes ao seu senhor protetor. Inspirou mais uma ou duas vezes ao sentir aquela Presença ao seu redor; ele repetia algumas palavras mecanicamente, e prostrou-se ante aquela paz que segue ao abandono do pensamento.

A seguir, descansou por um momento. Ao longe, soava a música estática, um toque de trompetes e o som agudo das flautas; mas eles eram como barulhos insignificantes da rua para quem estava adormecido. Ele estava agora na profundidade das coisas, além das barreiras do sentido e da reflexão, naquele lugar sagrado para cujo  caminho ele havia aprendido a seguir por grandes esforços, naquela região estranha onde as realidades são evidentes, onde as percepções vão para lá e para cá com a velocidade da luz, onde o desejo oscilante capta este, agora aquele ato, o molda e o acelera; onde todas as coisas se encontram, onde a verdade é conhecida, controlada e experimentada, onde o Deus Imanente é uno com o Deus Transcendente, onde o significado do mundo exterior é evidente através do seu lado interior, e a Igreja e seus mistérios são vistos de uma névoa de glória.

Assim ficou por alguns momentos, absorvendo e descansando.

A seguir, despertou e começou a falar.
“Senhor, estou aqui, e Vós estais aqui. Eu Te conheço. Não há nada além de Vós e eu… Eu deixo tudo em Tuas mãos—Vosso padre apóstata, Vosso povo, o mundo, e eu mesmo. Eu ofereço isto diante de Ti—Eu ofereço isso diante de Ti.”

“Eu mesmo, Senhor—onde mais por Vossa graça devo ir, na escuridão e no pesar. É Vós que me preserva. Mantenha e acabe Vossa obra dentro de minha alma. Não me deixe hesitar por qualquer instante. Se Vós retirais Vossa mão, vou cair no completo abismo.”

Assim sua alma permaneceu por um momento, com suas mãos estendidas e apelativas e confiantes. A vontade o fazia querer voltar para a auto-consciência, e daí ele repetia seus atos de fé, esperança e amor para fortalecê-la. A seguir, inspirou novamente, sentindo a Presença tocá-lo e começou novamente.

“Senhor; olhe para Vosso Povo. Muitos O estão deixando. Ne in aeternum
irascaris nobis. Ne in aeternum irascaris nobis_... Eu me uno com todos os santos e anjos e a Maria Rainha dos Céus; olhe para eles e para mim, e nos ouça. _Emitte lucem tuam et veritatem tuam._ Vossa luz e Vossa verdade! Não nos faça carregar mais que possamos suportar. Senhor, por que Tu não falas!”

Ele contorceu-se para a frente em uma posição de desejo, ouvindo seus ossos estalarem pelo esforço. Uma vez mais ele se relaxava; e começavam o conjunto de atos sem palavras os quais ele sabia que eram o próprio âmago da oração. Os olhos de sua alma voavam de um lado para outro, do Calvário para os Céus e de volta novamente para a terra atormentada. Ele via Cristo morrendo em desolação enquanto a terra tremia e gemia; Cristo reinante como um padre sob Seu Trono em mantos de luz, Cristo paciente e inexoravelmente calado; e para cada um ele dirigia os olhos do Pai Eterno…

A seguir, ele esperou por comunicados, e eles chegaram, tão suaves e delicados, passando pelas sombras, que sua vontade suava sangue e lágrimas no esforço de agarrá-los e fixá-los e corresponder…

Ele viu o Corpo Místico em sua agonia, desfalecido sobre o mundo como em uma cruz, quieto na dor; ele via este ou aquele nervo sendo torcido e puxado, até que a dor apresentava-se a ele sob a imagem de flashes de cores; ele via o sangue pingar gota a gota de Sua Cabeça, pés e mãos. O mundo se reunia com alegria e zombaria. “Ele salvou os outros: A Si mesmo Ele não consegue salvar… Se Cristo sair da Cruz, nós acreditaremos.” Longe atrás das moitas e buracos no chão, os amigos de Jesus olhavam furtivamente e soluçavam; Maria estava calada, lancinada pelas sete espadas; a discípula a quem Ele amou e não tinha palavras de conforto.

Ele via, também, como palavra alguma seria ecoada dos céus; os anjos eram solicitados a colocar as espadas nas bainhas e aguardar pela eterna paciência de Deus, pois a agonia apenas havia começado; havia milhares de horrores ainda, antes que o fim chegasse ao ato final da crucifixação.. Ele deveria esperar e assistir, satisfeito por estar ali e não fazer nada; e a Resurreição deveria parecer para ele nada mais que um esperança sonhada. Havia ainda o Sabbath para vir, enquanto o Corpo Místico deveria deitar na sua sepultura escura, e até mesmo a dignidade da Cruz deveria ser retirada e o conhecimento de que Jesus havia vivido. Aquele mundo interior, para o qual ele havia aprendido muito para chegar até ele, era cheio de agonia; com gosto de água salgada. Era aquela pálida luminosidade que advém da dor, zumbia em seus ouvidos como uma nota que subia até ao som de um grito… pressionava sobre ele, o penetrava, o esticava .. E com isso, sua vontade e se tornava fraca e desanimada. 

“Senhor! Não posso suportar isso!” , queixou-se…

Em um instante, voltou a si novamente, com longos suspiros de pesar. Passou a língua pelos lábios e abriu seus olhos ante a escuridão da abside diante dele. O órgão estava parado, o coro tinha ido embora e as luzes estavam apagadas. A cor do por do sol, também, havia se esvanecido nas paredes e os rostos frios das imagens olhavam para ele. Ele estava de volta para a vida; a visão tinha de dissolvido; ele quase nem sabia o que foi que havia acontecido.

Mas ele deveria continuar com seus assuntos e juntar esforços para absorvê-los. Ele deveria retribuir, também, sua obrigação ao Senhor  pelos sentidos assim como pelo espírito interior. Levantou-se rígido e contido, e caminhou pela Capela do Santo Sacramento.

Ao sair das fileiras dos bancos, ereto e alto, com seu barrete uma vez mais sobre os cabelos brancos, ele viu uma velha senhora olhando para ele muito atentamente. Ele hesitou por um instante, curioso em saber se ela era uma penitente, e neste mesmo instante, ela fez um movimento em direção a ele.

Desculpe-me, senhor,” ela disse.

Ela não era uma católica, então. Ele levantou seu barrete.

“Posso fazer algo pela senhora?”, perguntou ele.

“Desculpe-me, senhor, mas o senhor não esteve em Brighton, no acidente de dois meses atrás?”

“Estive.”

“Ah! Achei mesmo: minha nora viu o senhor então.”

Percy teve um espasmo de impaciência: ele já estava um pouco cansado de ser identificado pelos cabelos brancos e o rosto jovial.
“A senhora estava lá?”

Ela olhou para ele com curiosidade e com ar incerto, movendo seus olhos idosos para cima e para baixo da sua figura. A seguir, ela se recolheu.

“Não, senhor; foi apenas minha nora-Desculpe-me, senhor, mas---“

“E então?” perguntou Percy, tentando não mostrar impaciência na sua voz.

“O senhor é o Arcebispo?”

O padre sorriu, mostrando os dentes brancos.

“Não, senhora; sou apenas um pobre padre. Dr. Cholmondeley é o Arcebispo. Sou o Padre Percy Franklin.”

Ela não disse nada, mas ainda olhando para ele, fez um gesto antigo de reverência; e Percy seguiu para a esplêndida capela para prestar suas devoções.



Capítulo 2, Parte III


Houve uma grande discussão naquela noite ao jantar entre os padres a respeito do extraordinário avanço da Maçonaria. Já estava acontecendo há vários anos e os Católicos reconheciam perfeitamente seus perigos, pois a profissão da Maçonaria havia sido por muitos séculos como imcompatível com a religião, de acordo com a direta condenação por parte da Igreja. Um homem devia escolher entre ela e a sua fé. As coisas haviam se desenvolvido extraordinariamente pelo último século.  Primeiro, houve o ataque organizado sobre a Igreja na França; e o que os Católicos tinham sempre suspeitado então, tornara-se uma certeza pelas revelações de 1918, quando P. Gerome, o Dominicano e ex-maçon, tinha mostrado informações com respeito aos Marco-Maçons. Havia se tornado evidente então, que os Católicos estavam certos e aquela Maçonaria, em seus maiores graus, tinha sido responsável no mundo todo pela movimento singular contra a religião. Mas ele morreu em seu leito, e o público ficara impressionado por este fato. A seguir, vieram as enormes doações na França e Itália--- para hospitais, orfanatos e afins; e uma vez mais a suspeita começou a se desvanecer. Afinal, parecia-- e continuava a parecer—que por setenta anos ou mais a Maçonaria não era mais que uma grande sociedade de fins filantrópicos. Agora, uma vez mais os homens tinha suas dúvidas.

“Eu ouvi dizer que Felsenburgh é Maçon,” observou Monsenhor Macintosh, o administrador da Catedral. “Um Grão-Mestre ou algo assim.”

“Mas quem é Felsenburgh?” colocou um jovem padre.

Monsenhor  franziu os lábios e balançou a cabeça negativamente. Ele era uma daqueles humildes pessoas tão orgulhosas da ignorância, como outras do conhecimento. Ele se jactava de que nunca lia os jornais nem outros livros, que não fossem aqueles que ele tinha recebido o _imprimatur_;  era assunto do padre, ele sempre observava, o de preservar a fé, não adquiri-la do conhecimento mundano. Percy vez ou outra invejava este ponto de vista dele.
“Ele é um mistério,” disse um outro padre, Padre Blackmore; “ mas ele parece estar causando grande agitação. Eles estão vendendo seu “Vida” na Embankment (Estação de Metrô em Londres).

“Eu me encontrei com um senador americano,” disse Percy, “três dias atrás, que disse que até mesmo lá, não sabem nada dele, exceto sua extraordinária eloquência. Ele apenas apareceu no ano passado, e parece estar carregando tudo atrás dele por métodos pouco usuais. Ele é um grande linguista, também. Por isso, que eles o levaram par Irkutsk (Rússia).”

“Ora, os maçons---“ continuou o Monsenhor. “Isto é muito sério. No mês passado, quatro de meus penitentes me deixaram devido a eles.”

“A permissão de entrada de mulheres foi um golpe de mestre,” resmungou  Padre Blackmore, se servindo de vinho tinto.

“É extraordinário que eles tenham hesitado por tanto tempo sobre isso, “ observou Percy.

Alguns dos outros complementaram com suas evidências. Parecia que eles também tinha perdido penitentes recentemente, devido à expansão da Maçonaria. Havia rumores de que uma Pastoral estava sendo preparada para o assunto.

Monsenhor  meneou a cabeça preocupadamente.

“É preciso mais do que isso,” disse ele.

Percy salientou que a Igreja tinha dado seu último aviso há vários séculos. Ele tinha dado a excomungação para todos os membros de sociedades secretas, e não havia mais o que ela poderia fazer.

“Exceto trazê-la diante de seus filhos repetidas vezes,” colocou o Monsenhor.

“Vou pregar sobre isso no próximo Domingo.”

* * * * *

Percy fez uma nota quando chegou à sua sala, determinando falar uma ou outra palavra sobre o assunto para o Cardeal-Protetor. Ele já tinha mencionado várias vezes a Maçonaria, mas era hora de fazer nova observação. A seguir, abriu suas cartas, primeiro olhando para uma que ele reconhecia ser do Cardeal.

Parecia ser um grande coincidência, ao ler um série de perguntas que estavam na carta do Cardeal Martin, que uma delas deveria ser sobre aquele assunto. Lia da seguinte forma:

“E sobre a Maçonaria? Dizem que Felsenburgh é um deles. Reuna tudo o que se fala dele. Envie biografias inglesas ou americanas sobre ele. Vocês ainda está perdendo Católicos para a Maçonaria?”

Ele correu os olhos para o resto das perguntas. Elas se referiam às observações que ele havia feito antes, mas por duas vezes o nome de Felsenburgh aparecia.

Ele colocou o papel na mesa e pensou  um pouco.

Era muito curioso, ele pensava, como o nome desse homem estava na boca de todo o mundo, a despeito do fato de que pouco se sabia dele. Ele havia comprado nas ruas, por curiosidade, três fotos que diziam representar esta estranha figura e embora uma delas pudesse ser genuína, todas as três não podiam ser. Tirou-as de dentro da sua escrivaninha e espalhou-as diante dele.

Uma representava um criatura feroz e barbada como um cossaco, com  grandes olhos arregalados. Não; evidência intrínseca eliminava esta; era exatamente como uma imagem  tosca teria representado um homem que parecia ter um grande influência no Oriente.

A segunda mostrava um rosto gordo com pequenos olhos e de barba no queixo. Essa poderia ser genuína: ele a virou e viu o nome de uma empresa de Nova York no verso. Depois, viu  a terceira foto. Este apresentava um rosto longo, barbeado com pince-nez, indiscutivelmente inteligente, mas não tão forte: e Felsenburgh era obviamente um homem forte.

Percy inclinou-se para pensar que a segunda era a mais provável; mas eram todas não convincentes;  reuniu-as com desleixo e guardou.

A seguir, pousou os ombros na mesa e começou a pensar.

Ele tentou se lembrar o que o Sr. Varhaus, o senador americano, tinha dito a ele sobre Felsenburgh; contudo não era suficiente para explicar os fatos. Felsenburgh, ao que parecia, não havia empregado os métodos comuns da moderna política. Ele não controlava jornais, não injuriava ninguém, não desafiava ninguém: não escolhera subordinados; não usava de propinas; não se conheciam grandes crimes alegados contra ele. Parecia que sua originalidade se apoiava nas suas mãos limpas e seu passado sem mácula— e no seu carisma. Ele era um espécie de figura que pertencia a uma era de nobreza: uma personalidade pura, limpa e atraente, como uma criança radiante. Ele tinha pego as pessoas de surpresa, emergindo das águas turvas do socialismo americano como uma visão--- daquelas águas tão fortemente contidas diante de uma grande tempestade, desde a extraordinária revolução social sob o domínio dos discípulos do Sr. Hearst, há um século. Isso havia sido o fim da plutocracia; as velhas e famosas  leis de 1914 tinham explodido as antigas ilusões da época; e as aprovações das leis de 1916 e 1917 tinha evitado que elas se formassem de novo na mesma força anterior. Tinha sido a salvação da América, indiscutivelmente, mesmo se esta salvação fosse de uma descrição sombria e sem inspiração; e agora desse nível socialista tinha se erguido uma figura completamente diferente de tudo que o havia precedido.. Assim havia indicado o senador… era muito complicado agora para Percy  e ele desistiu.

Era um mundo fatigado, ele dizia para si, voltando seus olhos para casa. Tudo parecia sem esperança e sem jeito. Ele tentava não transparecer para seus padres colegas, mas pela 50ª vez ele não poderia deixar de compreender que eles não eram os homens certos para a situação presente. Não era que ele preferia a si; ele sabia perfeitamente bem que ele, também, era incompetente: ele já não tinha provado isso com o pobre Padre Francis, e outros tantos que vieram até ele em agonia durante os últimos dez anos? Até mesmo o Arcebispo, homem sagrado como era ele, com toda sua fé inocente—era aquele homem que lideraria os Católicos Ingleses  e derrotar seus inimigos? Não parecia haver grandes homens  na terra nestes dias. O que deveria ser feito? Ele cobriu sua face com as mãos…

Sim: o que era necessário era uma nova Ordem na Igreja; as velhas foram superadas, apesar de não terem falhas em si próprias. Uma Ordem era necessária sem hábitos ou tonsura, sem tradições ou costumes, uma Ordem com nada a não ser completa e sincera devoção, sem orgulho até mesmo nos mais sagrados privilégios, sem um história passada na qual possa tomar um refúgio complacente. Devem ser os franco-atiradores do Exército de Cristo; como os jesuítas, mas sem suas reputações fatais, as quais, também, não tinham falhas em si próprias… Mas deve haver um Fundador—Quem, em nome de Deus?—um Fundador _nudus sequens Christum nudum _... Sim—Franco-atiradores—padres, bispos, laicos e mulheres--- com os três votos da pobreza, castidade e obediência, e uma cláusula especial de proibir completamente e para sempre a propriedade de riqueza financeira.—Todo presente recebido deve ser entregue ao bispo da diocese na qual foi dado, que deve prover para as necessidades de viver e de viajar.
Ah!—o que eles não poderiam fazer?... imaginou ele.

Depois, ele se recuperou dos pensamentos, chamando a si de tolo. Não era esquema tão velho como as eternas montanhas e tão inútil para fins práticos? Ora, tinha sido um sonho de todo homem zeloso desde o Primeiro Ano da Salvação que tal Ordem deveria ser fundada!... Ele era um tolo…

Mais uma vez, começou a pensar sobre tudo de novo.

Certamente era isso que era necessário contra os Maçons; e as mulheres, também.—Não tinha sido que todos os planos haviam dado errado, porque os homens esqueciam o poder das mulheres? Foi esta falta que arruinou Napoleão: ele tinha confiado em Josefina, e ela falhou com ele; assim ele deixou de confiar em todas as outras mulheres. Na Igreja Católica, também, não há espaço ativo de trabalho para as mulheres a não ser trabalho servil ou ligado à educação; e não havia espaço para outras atividades fora essas? Bem, era inútil pensar nisso. Não era de sua conta. Se _Papa Angelicus_ que agora reinava em Roma não tinha pensado nisso, por que um padre tolo e presunçoso de Westminster iria se importar com isso?

A seguir, bateu no peito uma vez mais e pegou seu livro.

Ele terminou em meia hora, e de novo ficou pensando; mas desta vez, foi sobre o pobre Padre Francis. Ele queria saber o que ele estaria fazendo agora; se ele havia retirado o colarinho Romano? O pobre diabo! E quanto ele, Percy Franklin, seria responsável?

Quando ouviu um batida na porta e Padre Blackmore olhou para dentro para ter um bate-papo antes de ir para cama, Percy disse a ele o que havia acontecido.

Padre Blackmore tirou seu cachimbo e suspirou deliberadamente.

“Eu sabia que estava acontecendo, “ disse ele, “Ora,ora.”

“Ele tinha sido bastante honesto,” explicou Percy. “Ele me disse há oito meses que estava com problemas.

Padre Blackmore aspirou seu cachimbo pensativo.

“Padre Franklin,” ele disse, “as coisas estão realmente muito sérias. Sempre a mesma história em todo o lugar. O que está acontecendo afinal?”

Percy pausou antes de responder.

“Eu acho que estas coisas chegam em ondas,” ele disse.

“Em ondas, você acha?” disse o outro.

“O que mais?”

Padre Blackmore o fitou com interesse.

“Esta  mais como uma calmaria, parece-me,” ele disse. “ Você já esteve em um tufão?”

Percy balançou a cabeça negativamente.

“Bem,” continuou o outro, “ a coisa mais sinistra é a calmaria. O mar é como o óleo; você se sente meio morto; você não pode fazer nada. E depois chega a tempestade.”

Percy fitou, interessado. Ele não tinha visto esta disposição de espírito no padre antes.

“Antes de todo grande desastre, tem esta calmaria. É sempre assim na história. Foi assim na Guerra Oriental; foi assim antes da Revolução Francesa. Foi assim antes da Reforma. Há uma espécie de languidez. A mesma coisa tem sido na América, também, por mais de 80 anos… Padre Franklin, eu acho que algo vai acontecer.”

“Diga me,” disse Percy, inclinando-se para a frente.

“Bem, eu vi Templeton uma semana antes de morrer, e ele colocou a ideia na minha cabeça…. Olhe aqui, Padre. Pode ser este caso do Oriente que esteja vindo sobre nós; mas de alguma forma, eu não acho que seja. É na religião que algo vai acontecer. Pelo menos, assim eu acho… Padre, quem em nome de Deus é Felsenburgh?”

Percy se assustou à repentina introdução deste nome de novo, que ele olhou por um momento sem falar.

Do lado de fora, a noite de verão estava serena. Havia ainda uma leve vibração de vez em quando da pista subterrânea que corria a quase vinte metros da casa onde eles estavam; mas as ruas estavam bastante calmas ao redor da Catedral. Às vezes um pio se ouvia ao longe, como se uma série de pássaros agourentos estivesse cruzando por Londres e o grito agudo de uma mulher chegava vindo da direção do rio. De resto, não havia mais que o som solene e suave que nunca parava agora, de dia e de noite.

“Sim; Felsenburgh,” disse Padre Blackmore uma vez mais. “Não posso tirar este homem da minha cabeça. E o que você sabe sobre ele? O que alguém sabe sobre ele?”

Percy lambeu os lábios para responder, e inspirou para controlar a batida de seu coração. Ele não podia entender por que ele estava com ansiedade. Afinal, quem era o velho Blackmore para assustá-lo? Mas o velho Blackmore começou a falar antes dele.

“Veja como as pessoas estão deixando a Igreja! Os Wargraves, os Hendersons, Sir James Bartlet, Lady Magnier e depois todos os padres. Agora eles não são todos valetes—Eu queria que fossem; seria muito mais fácil falar disso. Mas Sir James Bartlet, no mês passado! Veja, este é um  homem que gastou metade de sua fortuna na Igreja, e ele não se arrepende disso até hoje. Ele diz que qualquer religião é melhor que nenhuma,  mas isto, por ele mesmo, ele não conseguia acreditar mais. E o que tudo isso significa?... Eu digo que algo vai acontecer. Deus sabe o quê! E eu não consigo tirar Felsenburgh da minha cabeça… Padre Franklin--- ”

“Sim?”

“Você já percebeu quantos poucos homens importantes nós temos? Não é como há 50 anos, ou mesmo 30 anos atrás. Então, havia  Mason, Selborne, Sherbrook e meia dúzia de outros. Havia o Brightman, também, como Arcebispo: e agora!  Depois os Comunistas, também. O Braithwaite está morto há quinze anos. Certamente ele era importante;  mas ele estava sempre falando do futuro, não do presente; e me diga qual homem importante tem aparecido desde então!  E agora vem este homem, quem ninguém sabe, que apareceu na América há alguns meses e cujo nome está na boca de todo mundo. Ora, essa!”

Percy franziu a testa.

“Não tenho certeza que eu entendi,” disse ele.

Padre Blackmore bateu seu cachimbo antes de responder.

“Bem, isto”, disse ele, ficando de pé. “ Eu não consigo deixar de pensar que Felsenburgh vai fazer algo. Não sei o quê; pode ser a nosso favor ou contra. Mas ele é Maçon, lembre-se disso… Ora, ora; ouso dizer que sou um tolo. Boa noite.”

“Um momento, padre,” disse Percy lentamente. “Você quer dizer-- Meu Deus! O que você quer dizer?” Ele parou, olhando para o outro.

O velho padre olhou de volta sob suas fartas sobrancelhas; parecia para Percy que ele estivesse com medo de algo, apesar de terem tido uma conversa ligeira; mas ele não fez sinal algum.

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Percy ficou imóvel por um momento quando a porta foi fechada. A seguir, ele caminhou até seu _prie-dieu_.

Fim do Capítulo 2