Livro
2- O ENCONTRO
CAPÍTULO
1
PARTE
1
Oliver
Brand estava sentado à sua escrivaninha na noite do dia seguinte, lendo a
notícia principal da edição vespertina do Novo
Povo.
*
* * * *
"Tivemos
tempo," lia ele, "para nos recuperarmos da euforia da noite passada. Antes
de entrar em profecias, será bom relembrar os fatos. Até ontem à noite, nossa
ansiedade com relação à crise oriental persistia; e quando soaram as 21 horas,
não havia mais que quarenta pessoas em Londres—os delegados ingleses, por assim
dizer—que sabiam positivamente que o perigo tinha acabado.
Entre
aquele momento e meia hora depois, o Governo tomou algumas medidas discretas:
um seleto número de pessoas fora informado; a polícia fora chamada, com meia
dúzia de regimentos, para preservar a ordem; o Palácio de Paul fora liberado;
as ferrovias foram avisadas; e no momento certo, o anúncio fora feito através
de painéis elétricos em todos os cantos de Londres, assim como em todas as
maiores cidades do interior. Não temos espaço aqui para descrever todos os
procedimentos perfeitos com que as autoridades públicas fizeram seu trabalho; é
suficiente dizer que não mais que setenta fatalidades ocorreram em toda a
Londres; nem devemos criticar a ação do Governo, em escolher este modo de fazer
o anúncio.
"Pelas
22 horas, o Palácio de Paul estava lotado por todos os cantos, a ala do Coro
reservada para os membros do Parlamento e os funcionários públicos, as galerias
da cúpula estavam cheias das senhoras, e o público foi liberado para o resto do
piso. A polícia dos volors também nos
informou que, por cerca de 1,6 km em todas as direções ao redor do centro,
todas as ruas estavam lotadas de pedestres, e duas horas depois, como todos
sabemos, praticamente todas as ruas principais de Londres estavam na mesma
condição.
“Foi
uma excelente escolha terem escolhido o Sr. Oliver Brand como primeiro orador.
Seu braço ainda estava com ataduras; e o apelo da sua figura, assim como suas
palavras apaixonadas deram a primeira nota da noite. Um relato das suas palavras
pode ser encontrado em outra coluna. Nas
suas vezes, o Primeiro Ministro, Sr. Snowford, o Primeiro Ministro do
Almirantado, o secretário dos Assuntos do Oriente, e o Lord Pemberton, todos
falaram algumas palavras, corroborando as últimas notícias. Faltando quinze
para as 11, o barulho do público do lado de fora, anunciava a chegada dos
delegados americanos de Paris, e, um a um, estes subiram à plataforma pelos
portas da ala do Coro. Cada um falou na sua vez. Era impossível apreciar as
palavras faladas naquele momento; mas talvez não seja parcial dizer que Mr.
Markham nos disse explicitamente que o sucesso dos esforços americanos foi
inteiramente devido ao Sr. Julian Felsenburgh. Como ainda Felsenburgh não havia
chegado; mas em resposta a um grande
apelo, Sr, Markham anunciou que esse cavalheiro estaria entre eles em alguns
minutos. Ele, então, começou a descrever, tanto quanto possível resumidamente,
os métodos pelos quais o Sr. Felsenburgh havia conseguido, no que seria a missão mais surpreendente da história. Parecia,
pelas suas palavras, que Sr. Felsenburgh (cuja biografia, até o quanto se sabe,
nós fornecemos em outra coluna) é provavelmente o maior orador que o mundo já conheceu—nós estamos
usando estas palavras deliberadamente. Todas as línguas parecem a mesma para
ele; ele fez discursos durante os oito meses pelo tempo que durou a Convenção
do Oriente, em nada menos que em quinze idiomas. Do seu modo de discursar,
temos algumas observações a fazer. Ele mostrou também, o Sr. Markham nos disse,
um conhecimento muito surpreendente, não apenas da natureza humana, mas em
todos os aspectos pelos quais o divino se manifesta. Ele parece familiar com a
história, os preconceitos, os medos, as esperanças e expectativas de todas as
inúmeras seitas e castas do Oriente, com quem ele teve oportunidade de falar.
De fato, como o Sr. Markham disse, ele é provavelmente o primeiro produto
perfeito da nova criação cosmopolita que o mundo tem criado em sua história. Em
vários locais, tais como Damasco, Irkutsk (Sibéria), Constaninopla, Calcutá,
Benares (Índia), Nanking (China), entre outras—ele foi saudado como o Messias
por um turba maometana. Finalmente, na América, de onde sua extraordinária
figura surgiu, todos falam bem dele. Ele não é culpado de nenhum crime—não há
nenhum que o condene por pecado—esses crimes da Imprensa Marrom, de corrupção,
intimidação política e negociatas, que tanto manchou o passado de todos os
velhos políticos que fizeram, deste continente irmão, o que ele é hoje. O Sr.
Felsenburgh nem ao menos formou um partido. Ele venceu sozinho e não pelos seus
subordinados. Aqueles que estavam presentes no Palácio de Paul
nessa ocasião irá entender quando dissermos que o efeito destas palavras
foi indescritível.
"Quando
Sr. Markham se sentou, houve silêncio; depois, a fim de aquietar a crescente
agitação, o organista tocou os primeiros acordes do Hino Maçônico; as vozes se
elevaram, e não somente todo o interior acompanhou, como também do lado de
fora, as pessoas responderam, e toda a cidade de Londres, por alguns momentos,
tornou-se mesmo um templo do Senhor.
"Agora
realmente, chegamos à parte mais difícil de nossa tarefa, e é melhor confessar
de uma vez que qualquer coisa que relembre descrição jornalística, deve ser
colocada de lado resolutamente. As maiores coisas são melhores descritas em
palavras simples.
"Perto
do final do quarto verso do hino, uma figura de
terno escuro simples foi observada, subindo os degraus da plataforma.
Por um momento, isto não atraiu atenção, mas quando foi vista melhor, um súbito
movimento rompeu por entre os delegados, a cantoria começou a claudicar; e
cessou por completo, quando a figura, após uma leve inclinação para esquerda e
direita, subiu os últimos degraus em direção à tribuna. Aí ocorreu um curioso
acidente. O organista , distraído, não pareceu entender e continuou a tocar,
mas uma reclamação da multidão o fez cessar. Contudo, não houve aplausos. Na verdade,
um profundo silêncio dominou a todos; algum estranho magnetismo ocorreu até com
que estava lá fora prédio, pois quando o Sr. Felsenburgh disse suas primeiras
palavras, houve uma grande silêncio. Deixamos a explicação deste fenômeno para
os experts em psicologia.
"Sobre
suas palavras ditas, não temos nada a pronunciar. Até onde sabemos, nenhum
repórter fez anotações do momento; mas o discurso, dito em esperanto, foi muito
simples e curto. Consistiu de uma breve comunicação sobre o fato da Irmandade
Universal, congratulações para todos aqueles que ainda estavam vivos para
testemunhar a consumação desta história; e, ao final, um ato de louvor ao
Espírito do Mundo, cuja encarnação agora estava realizada.
“Podemos
dizer muito, mas nada quanto à impressão daquela personalidade que esteve lá. O
homem parecia ter quase trinta e três anos de idade, barbeado, ereto, com
cabelos brancos, sobrancelhas e olhos escuros; ele permanecia imóvel , apenas
com as mãos no suporte da tribuna e, qualquer gesto que fazia , tirava um
suspiro da multidão. Falava lentamente, distintamente e com a voz clara e
depois pausava.”
“Não
havia resposta, como se todos estivessem prendido a respiração e de novo aquele
silêncio de onde só se podia ouvir as batidas do coração.
Muitos
choravam em silêncio, lábios de milhares mexiam sem ecoar uma palavra, e todos
os rostos estavam virados para aquela figura, como se a esperança de todas as
almas estivessem ali centralizada. Assim, poderíamos comparar que, séculos
atrás, muitos estava virados para uma outra figura conhecida na história, como
JESUS DE NAZARÉ.
"O
Sr.FELSENBURGH permaneceu por mais um momento e depois desceu pelas escadas da
plataforma e desapareceu.
"Do
que aconteceu do lado de fora, nós recebemos o relato de uma testemunha ocular.
O volor branco, tão bem conhecido
agora por todos que estavam em Londres naquela noite, tinha ficado estacionário
do lado de fora da porta sul da passagem da ala do Coral, colocado a cerca de
seis metros do chão. Gradualmente, ele se tornou conhecido pelo público,
naqueles minutos, por onde ele havia chegado, e ante a reaparição de
Felsenburgh, aconteceu aquele mesmo murmúrio, seguido de silêncio em toda a
extensão do jardim do Palácio de Paul. O volor
desceu um pouco mais; o mestre subiu a bordo, e uma vez mais, a aeronave se elevou.
Pensaram que haveria outro discurso, mas nada mais era necessário; e pausando
por um momento, o volor começou a
fazer um desfile maravilhoso do qual Londres jamais esquecerá. Por quatro vezes
naquela noite, o Sr. Felsenburgh circulou a enorme metrópole, boquiaberta,
enquanto o silêncio acompanhava sua passagem. Duas horas após o nascer do sol,
a nave branca elevou-se por Hampstead e
desapareceu pelo Norte; e desde então, ele, a quem devemos chamar, na verdade,
de o Salvador do Mundo, não foi mais visto.
“E
agora o que falta ser dito?
“Comentar
é inútil. É suficiente dizer em uma frase curta que uma nova era começou, para
a qual os profetas e reis, e os sofredores, os moribundos, todos que trabalham
e carregam fardos pesados, têm esperado em vão. Não somente a rivalidade
intercontinental acabou, como também as rusgas internas. Sobre ele, que tem
sido o emblema deste novo tempo, não temos nada a dizer. Só o tempo poderá
mostrar o que ainda resta para ele fazer.
“Mas
o que tem sido feito é o seguinte. O perigo oriental foi dissipado para sempre.
Está claro agora, desde os bárbaros fanáticos até as nações civilizadas, que o
reino da Guerra acabou. ‘Não uma espada, mais a paz,’ disse Cristo; e
amargamente verdadeiro estas palavras provaram ser. ‘Não uma espada, mas a
paz’, é a resposta articulada afinal, daqueles que tem renunciado às
solicitações de Cristo ou jamais a aceitaram. O princípio do amor e união
fracamente aceito no Ocidente durante o último século, tem sido aceito pelo
Oriente também. Não haverá mais apelo às armas, mas à justiça; não mais chorar
ante um Deus que se esconde, mas para o Homem que aprendeu sua própria
Divindade. O sobrenatural está morto; ou melhor, sabemos agora que nunca esteve
vivo. O que resta é trabalhar esta nova lição, trazer toda a ação, palavra e
pensamento para o amparo do Amor e Justiça; e isto será, sem dúvida, uma tarefa
para anos. Todos os códigos devem ser revertidos; toda barreira derrubada;
partido deve se unir com partido, país com país, e continente com continente.
Não há mais o medo do medo, o receio do amanhã. O homem já se lamentou muito na
luta desde seu nascimento; seu sangue tem sido derramado com o água por sua
própria insensatez; mas finalmente ele entende a si próprio e está em paz.
“Deixe-se
ver que finalmente a Inglaterra não está atrás das nações nesta obra de
reforma; não vamos deixar que um isolamento nacional, orgulho racial, ou
extrema riqueza faça com que se cruzem os braços ante este enorme trabalho. A
responsabilidade é incalculável, mas a vitória é certa. Vamos seguir com calma,
humildes diante do conhecimento de nossos crimes do passado, confiantes na
esperança de nossas realizações no futuro, rumo àquela recompensa que está
próxima finalmente—a recompensa oculta por tanto tempo pelo egoísmo dos homens,
o manto de escuridão da igreja, e a rivalidade entre as línguas—a recompensa
prometida por um que não sabia o que dizia e negava o que afirmava—Abençoado
sejam os mansos, os pacificadores, os misericordiosos, pois eles herdarão a
terra, e serão chamados de filhos de Deus, e terão misericórida.”
*
* * * *
Oliver,
com os lábios brancos, e sua esposa de joelhos ao seu lado, virou a página e
leu mais um parágrafo curto, identificado como o das últimas notícias.
"Está
certo que o Governo está mantendo contato com o Sr.
Felsenburgh."
II
"Ah!
Isso é jornalês," disse Oliver, afinal, encostando na cadeira. "
Coisa barata! "
Mabel
levantou-se, andou em direção ao batente da janela e sentou-se. Seus lábios
abriram algumas vezes, mas ela não disse nada.
"Meu
bem," disse o homem, "você não tem nada a dizer?"
Ela
olhou para ele trêmula por um momento.
"Diga!"
ela disse. "Como você disse, de que adianta palavras?"
"Diga-me
de novo," disse Oliver. "Como sei que isso não é um sonho?"
"Um
sonho" ela disse. "Houve alguma vez um sonho como esse?"
De
novo ela se levantou inquieta, atravessou a sala e ajoelhou-se ao seu marido,
pegando suas mãos.
"Meu
bem," disse ela, "Eu te digo que não é um sonho. É uma realidade
finalmente. Eu estava lá também--não se lembra? Você esperou por mim, quando
tudo estava terminado—quando ele foi embora—nós O vimos juntos, você e eu. Nos
O ouvimos—você na plataforma e eu na galeria. Nós O vimos de novo passar pelo
dique, quando estávamos na multidão. Depois, nós voltamos para casa e
encontramos o padre.”
O
rosto dela estava transfigurado ao falar. Era como se tivesse visto uma Visão
Divina. Ela falava calmamente, sem nervosismo. Oliver a fitou por um momento;
depois, se reclinou para a frente e a beijou gentilmente.
“Sim,
minha querida; é verdade. Mas eu quero ouvir de novo e de novo. Diga-me o que
você viu.”
“Eu
vi o Filho do Homem, “ ela disse. “Oh! Não há nenhuma outra frase melhor. O
Salvador do mundo, como fala aquele jornal. Eu O conheci dentro do meu coração,
assim que O vi—como todos nós vimos—quando Ele ficou lá segurando no pedestal.
Foi como uma glória ao redor da sua cabeça. Eu entendo tudo agora. É Ele a quem
estávamos esperando por tanto tempo; e Ele chegou, trazendo a Paz e a Boa
Vontade em Suas mãos. Quando Ele falava, eu entendi novamente. Sua voz era
como—o som do mar—simples assim—tão forte como ele.—Você não ouviu assim?”
Oliver
acenou com a cabeça.
“Eu
posso confiar Nele até o fim,” continuou a garota calmamente. “Eu não sei onde
Ele está agora, nem quando Ele voltará, nem o que Ele fará. Eu suponho que há
muito ainda para Ele fazer, antes que Ele seja plenamente conhecido—leis,
reformas—é com isso que ele vai lidar, meu bem. E o resto de nós deve esperar,
e amar, e ficar satisfeitos.”
Oliver
novamente levantou sua face e olhou para ela.
“Mabel,
minha querida—“
“Oh!
Eu entendi isso mesmo na noite passada,” ela disse, “mas eu não sabia que sabia
até que acordei hoje e relembrei. Eu sonhei com Ele a noite toda..Oliver, onde
Ele está?”
Ele
balançou a cabeça negativamente.
“Sim,
eu sei onde Ele está, mas estou sob juramento---“
Ela
concordou rapidamente e se levantou.
“Sim.
Eu não devia ter perguntado isso. Bem, estamos satisfeitos em esperar.”
Houve
silêncio por alguns momentos. Oliver interrompeu.
"Meu
bem, o que você quer dizer quando você diz que Ele ainda não é conhecido?"
"Eu
quis dizer isso mesmo," ela disse. "A maioria só conhece o que Ele
tem feito—não o que Ele é; mas isso, também, virá com o tempo."
"E
enquanto isso---"
"Enquanto
isso, você deve trabalhar; o resto virá. Oh! Oliver, seja forte e fiel."
Ela
o beijou rapidamente e saiu.
*
* * * *
Oliver
continuou sentado imóvel, fitando, como de hábito, janela afora. A esta hora
ontem, ele estava deixando Paris, sabendo do acontecimento—pois os delegados
haviam chegado uma hora antes—mas ainda não conhecia o Homem. Agora, ele
conhecia o Homem também—pelo menos ele O tinha visto, ouvido e ficado encantado
com o brilho da Sua personalidade. Ele conseguia explicar isso para si não mais
do que poderia qualquer outra pessoa—talvez menos se fosse a Mabel. Os outros
tinham ficado como os demais: assombrados e conquistados e, ao mesmo
tempo,instigados no íntimo das suas almas. Eles tinham se encaminhado-- Snowford,
Cartwright, Pemberton, e os demais para os degraus do Palácio de Paul, seguindo
aquele estranha figura. Ele tiveram a intenção de dizer algo, mas ficaram
emudecidos ao verem todos aqueles rostos do público, os gritos e o silêncio, e
sentiram aquela onda de magnetismo que apareceu como se fosse algo físico,
quando o volor levantou e fez aquele
voo indescritível.
Uma
vez mais ele O tinha visto, enquanto ele e Mabel estavam juntos no convés do
barco elétrico que os levaria para o Sul. A nave branca havia passado por cima,
suave e firme, das cabeças de toda aquela multidão, que O considerava, se
alguém tivesse o direito a aquele título, o Salvador do Mundo. Depois, eles
retornaram para casa e encontraram o padre.
Isso,
também, tinha sido um choque para ele; à primeira vista, parecia que aquele
padre era o próprio homem que tinha ascendido ao púlpito duas horas atrás. Era
uma semelhança extraordinária—o mesmo rosto jovem e os cabelos brancos. Mabel,
é claro, não havia percebido isso; pois ela havia visto Felsenburgh apenas de
uma longa distância. E quanto a sua mãe—foi muito terrível; se não fosse por
Mabel teria ocorrência violência naquela noite. Como ela havia sido serena e
razoável! E, quanto a sua mãe—ele deve deixá-la sozinha por enquanto. Eventualmente,
talvez, algo deve ser feito. O futuro!
Era o que o preocupava—o futuro, e o poder avassalador da personalidade sob cujo
domínio ele havia caído naquela noite. Tudo o mais parecia insignificante
agora—até mesmo a deserção de sua mãe, sua doença—tudo uma pálida sombra ante o
novo alvorecer de um sol desconhecido. E em uma hora, ele iria saber mais; ele
fora convocado para Westminster para um encontro de toda a Câmara; as propostas
para Felsenburgh deveriam ser formuladas; a intenção era oferecer a ele uma
posição importante.
Sim,
como Mabel havia dito; era isto agora o trabalho deles—levar a efeito o novo
princípio que havia se encarnado neste jovem americano de cabelos grisalhos—o
princípio da Irmandade Universal. Haveria muito trabalho; todas as relações
exteriores teriam que ser reajustadas—comércio, política, sistemas de
governo—tudo precisava de renovação.
A
Europa já se encontrava organizada internamente sob uma base de proteção mútua:
esta base agora desaparecera. Não havia mais qualquer proteção, porque não
havia mais ameaças. Muito trabalho, também, esperava ter o Governo em outras direções. Deveria ser
preparado um documento, contendo um relatório completo dos fatos ocorridos no
Oriente, junto com o texto do Tratado que havia sido posto diante deles em
Paris, assinado pelo Imperador do Oriente, os reis feudais, a República Turca e
também assinado pelos plenipotenciários americanos…
Finalmente,
mesmo a política interna precisava de reformas; os atritos entre centristas e
extremistas deveriam cessar imediatamente—deveria haver apenas um partido, e à
disposição do Profeta… Ele começou a ficar desconcertado ao encarar estas
perspectivas e percebia como havia um outro plano no mundo, como todo o status-quo do mundo ocidental requeria
mudanças. Era mesmo uma revolução, um cataclisma mais forte que até mesmo uma
própria invasão; mas era a conversão da escuridão para a luz, do caos para a
ordem.
Ele
inspirou profundamente e continuou a ponderar.
*
* * * *
Mabel
veio até ele meia hora depois, pois ele jantava mais cedo para poder ir a
Whitehall.
"Mamãe
está mais tranquila," ela disse. "Devemos ter paciência, Oliver. Você
já se decidiu se o padre poderá vir de novo?"
Ele
balançou sua cabeça negativamente.
"Não
consigo pensar em nada," ele disse, "a não ser o que eu tenho que
fazer. Você decide, meu bem; deixo isso em suas mãos.”
Ela
concordou.
"Vou
conversar com ela depois. Neste momento, ela vai entender muito pouco do que
aconteceu...A que horas você estará de volta?"
"Não
esta noite, provavelmente. Nós vamos discutir a noite toda."
"Está
bem, querido. E o que eu devo dizer ao Sr. Phillips?"
"Vou
telefonar pela manhã.... Mabel, você se lembra do que eu lhe disse sobre o
padre?"
"Sua
semelhança com o outro?"
"Sim.
O que você acha disso?"
Ela
sorriu.
"Não
acho nada. Por que eles devam ser parecidos?"
Ele
pegou um figo do prato, o comeu e levantou-se.
"Achei
apenas muito curioso," ele disse. "Bem, boa noite, querida."
III
"Ah,
mãe," disse Mabel, ajoelhando-se ao lado da cama; "não consegue
entender o que tem acontecido?"
Ela
tinha tentado desesperadamente contar para a velha senhora sobre a mudanças
extraordinárias que ocorriam no mundo— mas sem sucesso. Parecia que algo mais
era necessário; e seria uma pena se a senhora permanecesse na escuridão,
inconsciente do que tinha acontecido. Era como se uma cristã estivesse
ajoelhada no leito de morte de um judeu na segunda-feira de Páscoa. Mas a velha
senhora continuava na cama, assustada, mas irresoluta.
“Mãe,”
disse a moça, “ deixe-me te dizer novamente. A senhora entende que tudo que
Jesus prometeu tem se realizado, embora de uma outra forma? O reino de Deus
está começando; mas nós sabemos agora quem é Deus. A senhora disse agora pouco
que queria o Perdão dos Pecados; bem, você o tem; todos nós o temos, porque não
há tal coisa como o pecado. Há somente o Crime. E depois a Comunhão. A senhora
costumava acreditar que isto a fazia
parte de Deus; bem, todos somos partes de Deus, porque todos somos seres
humanos. Não vê que o Cristianismo é apenas um modo de dizer tudo isso? Eu ouso
dizer que era o único caminho, por um tempo; mas isto está tudo acabado agora.
Oh! E como está muito melhor! É verdadeiro—verdadeiro. A senhora pode ver que é
verdadeiro!”
Ela
pausou por um momento, forçando seu olhar para aquele rosto piedoso, as
bochechas rosadas enrugadas, as mãos entrelaçadas sobre a coberta.
“Veja
como o Cristianismo falhou—como ele dividiu as pessoas; pense em todas as
crueldades— a Inquisição, as Guerras Religiosas; as separações de marido e
mulher, pais e crianças—a desobediência ao Estado, as traições. Oh! Não pode
acreditar que isto estava certo. Que espécie de Deus era isso! E depois o
Inferno; como a senhora poderia ter acreditado nisso?...Oh! mãe, não acredite
nestas coisas medonhas…
Não
entende que Deus desapareceu—que Ele nunca existiu na verdade—que tudo foi um
terrível pesadelo; e que agora finalmente todos sabemos a verdade.. Mãe! Pense
em tudo que aconteceu na noite passada—como Ele chegou—o Homem com que a
senhora estava tão assustada. Eu lhe disse como Ele se parecia—tão sereno e
forte—como todos estavam em silêncio—da—extraordinária atmosfera, e como seis
milhões de pessoas O viram.E pense no que Ele tem feito—como ele reparou todas
as feridas—como o mundo todo está em paz finalmente—e sobre o que irá
acontecer.Oh! Mãe, deixe de lado estas mentiras velhas e horríveis;desista
delas; tenha coragem.”
"O
padre, o padre!" gemeu a velha
senhora afinal.
"Oh!
não, não, não—o padre não; ele não pode fazer nada. Ele sabe que é tudo
mentira, também!”
"O
padre, o padre!" gemeu ela
novamente. "Ele pode lhe dizer; ele sabe a resposta."
O
rosto contorceu-se com o esforço e seus velhos dedos mexiam desajeitadamente o
terço. Mabel ficou assustada de repente, erguendo-se.
"Oh!
mãe!" Ela inclinou-se e a beijou. "Acalme-se! Não vou dizer mais nada
por enquanto. Mas pense sobre isso com calma. Não fique preocupada com nada;
está tudo perfeitamente bem."
Permaneceu
ali por um instante, ainda olhando para o leito com simpatia e sentimento. Não!
Agora não adiantava; ela devia esperar até o dia seguinte.
"Eu
venho te ver depois,” ela disse, “depois que tiver jantado. Mãe! Não me olhe
assim! Me dê um beijo!"
Era
impressionante, ela disse para si naquela noite, como alguém podia ser tão
cego. E que confissão de fraqueza, também, chamar pelo padre! Era ridículo,
absurdo! Ela própria estava repleta de uma paz extraordinária. Até mesmo a
morte agora não parecia mais terrível, por não era a morte engolida na vitória?
Ele contrastava o individualismo egoísta do Cristão, que tinha medo e se
encolhia diante da morte, ou, no máximo, pensava que era somente uma porta para
a vida eterna, com o livre altruísmo do Novo Crente que pedia não mais que
aquele Homem devesse viver e prosperar, que o Espirito do Mundo devesse
triunfar e revelá-Lo, enquanto ele, o indivíduo, estaria satisfeito em se
regozijar daquela força de que ele usava para sua vida. Neste momento, ela
poderia ter sofrido qualquer coisa, encarada a morte com alegria—ela até mesmo
contemplava a velha senhora andar acima com piedade—pois não era piedoso que a
morte não trouxesse ela para a realidade?
Ela
estava quieta em um ataque de deslumbramento; era como se um grande manto se
desenrolasse, mostrando uma doce e eterna paisagem—um terra de paz não mais
sombria, onde o leão se deitava ao lado do carneiro e o leopardo com a criança. Não haveria mais guerras: aquele
espectro sangrento estava morto, e com ele, o ninho do mal que vivia em sua
sombra—superstição, conflito, terror e irrealidade. Os ídolos foram esmagados,
os ratos fugiram; Jeová caiu; o sonhador da Galileia estava em seu túmulo; o
domínio dos padres acabara. E no lugar deles, havia um figura estranha e serena
de grande poder e ternura.. Ele a quem ela tinha visto—o Filho do Homem, o
Salvador do Mundo, como ela O tinha chamado—Ele, que tinha estes títulos, não
era mais uma figura monstruosa, meio Deus e meio homem, reinvindicando ambas as
naturezas e possuindo nenhuma; aquele que foi tentado sem uma tentação, e
aquele que conquistou sem mérito, como seus seguidores diziam. Aqui, em vez
disso, havia um a quem ela poderia seguir, um deus mesmo e um homem também—um
deus porque humano e um homem porque tão divino.
Ela
não disse mais nada naquela noite. Ela olhou para dentro do quarto por alguns
minutos e viu que a velha senhora estava adormecida. Sua mão ainda repousava
sobre a coberta, e ainda por entre os dedos estava enrolado aquele tola
corrente de contas. Mabel passou devagar pelo quebra-luz, tentou tirar o terço
das mãos dela, mas elas estavam por demais presas a ele e um murmúrio saiu de
seus lábio semi abertos.Ah, que pena tudo aquilo, pensou a moça, o quão sem
esperança esta alma deve cair na escuridão, não querendo se render e desapegar
da vida porque a própria vida pedia isso!
A
seguir, ela foi para seu próprio quarto.
*
* * * *
Os
relógio tocavam as três horas, e a madrugada começava a aparecer, quando ela
acordou e viu à sua cama a mulher que estava cuidando da velha senhora.
"Venha
rápido, senhora; a Sra. Brand está morrendo."
IV
Oliver
estava com elas pelas seis da manhã; ele veio direto para o quarto de sua mãe,
para ver que tudo estava acabado.
O
quarto já estava com a luz da manhã e o ar fresco, com o barulho dos pássaros
no jardim. Sua esposa se ajoelhava ao lado da cama, ainda segurando as mãos
enrugadas da velha senhora, seu rosto enterrado nos braços. A face da sua mãe
estava mais serena do que ela já tinha visto antes, as linhas do rosto
mostravam as pequenas sombras de uma
máscara de alabastro; seus lábios postos com um sorriso. Ele fitou por um
momento, esperando até que a forte pressão na sua garganta terminasse. A
seguir, colocou sua mão no ombro da sua esposa.
"Quando?"
ele disse.
Mabel
elevou seu rosto.
"Oh!
Oliver," ela murmurou. "Foi há uma hora ... Olhe para isso."
Ela
abriu as mãos da falecida, mostrando o rosário ainda ali torcido; tinha sido
apertado em sua última luta, e uma conta marrom jazia entre os dedos.
"Eu
fiz o que podia," soluçou Mabel. "Não fui dura com ela. Mas ela não
queria ouvir. Ela continuava a clamar pelo padre enquanto podia falar."
"Meu
bem ... " disse ele. A seguir, ele, também, se ajoelhou ao lado da esposa,
se inclinou e beijou o terço, enquanto lágrimas corriam dos seus olhos
"Sim,
sim," ele disse. "Deixe ela em paz. Eu não o tiraria dela por nada
neste mundo: era o brinquedo dela, não era?"
A
moça o fitou, assombrada.
"Podemos
ser generosos, também," continuou ele. "Nós temos o mundo agora
finalmente. E ela—ela não perdeu nada; foi tarde demais."
"Eu
fiz o que pude."
"Sim,
meu bem, e você estava certa. Mas ela era muito velha; ela não conseguia
entender."
Ele
pausou.
"Eutanásia?"
suspirou ele, com um pouco de delicadeza.
Ela
concordou.
"Sim,"
ela disse; "logo que a última agonia começou. Ela resistiu, mas eu sabia
que ela desejava.."
Eles
conversaram juntos por uma hora no jardim, antes de Oliver ir para sua sala; e
daí começou a contar para ela o que havia acontecido.
"Ele
recusou," ele disse. "Nós oferecemos
criar um cargo para Ele; Ele seria chamado de Consultor, mas Ele recusou
duas horas atrás. Mas prometeu que estará à nossa disposição…Não, não devo de
dizer onde Ele está…Ele vai voltar para a América em breve, nós achamos; mas
Ele não vai nos deixar. Traçamos um programa, e será enviado a Ele mais
tarde…Sim, foi unanimidade.
"E
o programa?"
"Ele
diz respeito à Franquia, a Lei dos Pobres e o Comércio. Não posso dizer mais do
que isso. Foi Ele quem sugeriu estes pontos. Mas, nós não temos certeza de que
O entendemos ainda.
"Mas,
meu bem---"
"Sim;
é muito extraordinário. Nunca vi tais coisas. Não houve praticamente nenhuma
discordância."
"As
pessoas entenderam?"
"Acho
que sim. Nós temos que nos precaver contra uma reação. Eles dizem que os
Católicos estarão em perigo. Teve um artigo nesta manhã do jornal Era. As
provas foram enviadas para nós para aprovação. Ele sugere que temos que prover
meios para proteger os Católicos."
Mabel
sorriu.
"Que
estranha ironia," ele disse. "Contudo, eles têm o direito de existir.
Se eles têm o direito de participar do governo é outra estória. Isto será
passado para nós, eu acho, dentro de uma semana ou duas."
"Diga-me
mais sobre Ele."
"Não
há nada a dizer realmente; não sabemos de nada, exceto que Ele é a força
suprema no mundo. A França está alvoroçada e ofereceu a Ele uma Ditadura
comandada por Ele.Isto Ele também recusou. A Alemanha fez a mesma proposta que
nós; a Itália , o mesmo que a França, com o título de Tribuno Perpétuo. A
América não fez nada ainda e a Espanha está dividida.”
"E
o Oriente?"
"O
Imperador O agradeceu; não mais que isso."
Mabel
inspirou profundamente, de pé olhando para a neblina que se levantava da
cidade.Eram assuntos tão vastos que ela não conseguia absorver tudo de uma vez.
Mas, para sua imaginação , a Europa continuava com sua agitação do dia a dia no
começo da manhã. Ela via, à distância, a França, as cidades da Alemanha, os
Alpes, e além deles, os Pirineus, a Espanha banhada pelo sol; e todos estavam
ocupados com seus negócios, tentando entender aquele formidável figura, que
havia aparecido no mundo. A sóbria Inglaterra, também, estava cheia de zelo.
Todos os países desejavam nada mais de que este homem os governassem; e Ele
tinha recusado a todos.
“Ele
recusou a todos!”, ela repetia ofegante.
"Sim,
todos. Achamos que Ele possa estar esperando ter notícias da América. Ele ainda
tem escritório por lá, você sabe.”
"Qual
a idade dele?"
"Não
deve ter mais que trinta e dois, trinta e três. Ele está no comando há alguns
meses. Antes, Ele vivia só em Vermont. Depois, se candidatou para o Senado;
depois Ele fez alguns discursos, a seguir, Ele foi nomeado delegado, embora
ninguém parece ter percebido o Seu poder. E o resto nós já sabemos.”
Ela
concordou, medidativamente.
"Nós
não sabemos de nada," ela disse. "Nada,nada! Onde Ele aprendeu os
idiomas?"
"Supõe-se
que ele viajou por muitos anos. Mas, ninguém sabe. Ele não disse nada a este
respeito."
Ela
virou-se rapidamente para o marido.
"Mas
o que tudo isso significa? Qual é o Seu poder? Diga-me, Oliver?"
Ele
sorriu, balançando a cabeça negativamente.
"Bem,
Markham disse que é devido à sua não corrupção e à sua oratória; mas isto não
explica nada.
"É
apenas sua personalidade," continuou Oliver, "pelo menos, esse é o rótulo
a ser usado. Mas isso, também, é apenas um rótulo."
"Sim,
apenas um rótulo. Apenas isso. Todos sentiram o mesmo na Palácio, e nas ruas
depois. Você sentiu isso?"
"Claro
que senti!" disse ele em voz alta, com os olhos brilhantes. "Ora, eu
morreria por Ele!"
*
* * * *
Eles voltaram para a casa depois, e não foi até que chegaram à porta que falaram
algo sobre a velha senhora morta no andar de cima.
"Eles
estão com ela agora," disse Mabel calmamente. "Eu vou conversar com
as pessoas."
Ele
concordou seriamente.
"Seria
melhor que fosse essa tarde," ele disse. "Eu tenho um hora disponível
às 14h00. Oh! A propósito, Mabel, você sabe quem levou a mensagem ao padre?"
"Acho
que sim."
"Sim,
foi o Phillips. Eu o vi na noite passada. Ele não voltará aqui de novo.”
"Ele
confessou?"
"Sim,
confessou. Ele estava muito agressivo."
Contudo,
o rosto de Oliver se acalmou novamente ao acenar com a cabeça positivamente e
subir novamente para o quarto da sua mãe.
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Fim do Capítulo 1 do Livro 2
Traduzido por Valdemir Fernandes – Março de 2012
Publicado em : estudioaberto.blogspot.com.br