Capítulo 3
Parte 1
A velha Sra. Brand e Mabel estavam sentadas perto de uma janela nos escritórios do Almirantado na Praça Trafalgar para ver Oliver fazer seu discurso do 50º aniversário da passagem da Reforma da Leis dos Pobres.
Não era uma vista inspiradora aquela manhã clara de Junho, para ver as multidões se reunindo ao redor da estátua de Braithwaite. Aquele político , morto há quinze anos, estava representado na sua famosa pose, com os braços estendidos e inclinados para baixo, a cabeça ereta e com um pé ligeiramente para a frente; e hoje estava adornado, como estava ficando cada vez mais comum naquelas ocasiões, com sua insígnia maçônica. Tinha sido ele que havia dado um grande ímpeto para aquele movimento com sua declaração na Câmara, de que a chave para o progresso e a irmandade das nações estava nas mãos da Ordem. Foi devido a isso apenas que a falsa unidade da Igreja, com sua fantástica fraternidade espiritual, pôde ser contra-atacada. São Paulo tinha razão, declarava ele, em seu desejo de derrubar as divisões entre as nações, e errado apenas em sua exaltação de Jesus Cristo. Assim, ele começava seu discurso sobre a questão da Lei dos Pobres, indicando a caridade verdadeira que existia entre os Maçons, alheia à escolha religiosa, e apelando para as famosas boas ações no Continente, e no entusiasmo pelo sucesso da Lei ,que a Ordem havia recebido uma numeroso acesso de novos membros.
A velha Sra. Brand estava muito bem naquele dia, e estava bastante emocionada com a considerável agitação da grande massa de pessoas reunidas para ouvir seu filho falar. Uma plataforma fora erigida perto da estátua de bronze com uma tal altura que o estadista parecia ser um dos oradores, e nesta plataforma havia rosas fixadas, com caixas de som e uma cadeira e mesa.
Toda a praça estava repleta de cabeças e ecoando murmúrios de milhares de vozes, de vez em quando suplantados pela barulho dos tambores e metais, enquanto as Sociedades Beneméritas e Conselhos Democráticos, cada um com sua bandeira, vindo do Norte, Sul, Leste e Oeste, se convergiam ao largo da plataforma, onde o espaço estava reservado para eles. As janelas estavam cheias de rostos em todos os lados, altos estandes foram construídos ao longo da frente da Galeria Nacional e da Igreja St. Martin; jardins de várias cores atrás de estátuas brancas que olhavam para praça e para o longe; desde Braithwaite na frente, depois os Vitorianos – John Davidson, John Burns e o resto- e depois a Hampden e de Monffort em direção ao norte. A velha coluna não existia mais, com seus leões. Nelson não era mais vantajoso para a Entente Cordiale, nem os leões para a nova arte; e no lugar deles havia um grande espaço com degraus que levavam para a Galeria Nacional.
Sobre os telhados, havia amontoados de cabeças de encontro com o céu azul do verão. Não menos que cem mil pessoas , estimavam-se pelos jornais vespertinos, estavam reunidos ali por volta do meio-dia.
Ao passo que os relógios soavam a hora, duas figuras apareceram detrás da estátua e vieram para a frete e , em um instante, os murmúrios das conversas se elevaram em saudações.
O velho Lord Pemberton apareceu primeiro, um senhor ereto e de cabelos grisalhos, cujo pai tinha sido ativo em denunciar na Câmara, da qual ele era um membro na ocasião de sua queda há cerca de 70 anos, e seu filho o tinha sucedido dignamente. Este homem era agora membro do Governo, e por Manchester; e era ele quem deveria ser o presidente desta auspiciosa ocasião. Atrás dele, vinha Oliver, sem nada na cabeça, mas com boa aparência, e até mesmo à distância sua mãe e esposa podiam ver seus movimentos rápidos, seu sorriso e aceno ao seu nome ser pronunciado daquele alto som que emergia da plataforma. Lord Pemberton veio para a frente, levantou sua mão e fez um sinal ; e em um momento e os leves aplausos que havia, cessou ao som dos tambores sob o qual iniciava o Hino Maçônico.
Não havia dúvidas de que esses londrinos sabiam cantar. Era como se um voz enorme cantava a sonora melodia, com a bandas tocando a seguir para o hasteamento da bandeira.O hino fora composto dez anos antes, e toda a Inglaterra já o conhecia bem. A velha Sra. Brand levou o papel impresso mecanicamente até seus olhos e leu as palavras que ela conhecia tão bem:
“_O Senhor que habita na terra e no mar._...
Ela olhou para os versos, do ponto de vista do Humanitarismo, eles tinham sido compostos com habilidade e ardor. Eles tinham um sentido religioso; o cristão inocente poderia cantar sem um remorso; contudo esses versos eram bastante claros – a velha crença humana de que o homem era tudo. Até mesmo palavras de Cristo eram faladas. O reino de Deus, era dito, ficava dentro do coração humano, e a maior das graças era a Caridade.
Ela olhou de relance para Mabel, e viu que a garota estava cantando com todas as suas forças e com seus olhos fixos na figura do seu marido a uns cem metros dela. Assim sua mãe , também, começou a mexer os lábios em coro junto a aquele alto volume de som.
Ao passo que o hino terminava, e antes que os aplausos começassem de novo, o velho Lord Pemberton estava de pé adiante , perto da beira da plataforma, e sua voz metálica pronunciou algumas palavras e depois veio a vez de Oliver.
*******
Estava muito longe para as duas ouvir o que estava sendo dito, mas Mabel jogou uma folha de papel, sorrindo trêmula, nas mãos da velha senhor, e ela própria se debruçou para tentar ouvir.
A velha Sra Brand olhou para o papel, sabendo que era uma análise do discurso do filho, e ciente de que ela não conseguiria ouvir suas palavras.
Primeiro foi um exórdio, congratulando todos que estavam presentes para prestar honras ao grande homem que presidia na ocasião esta grande celebração. Depois, veio um retrospecto, comparando a velha Inglaterra com a atual. Cinquenta anos atrás, o orador disse, a pobreza era ainda uma desgraça, agora não era mais. Residiam na desgraça e no mérito as causas que levavam à pobreza. Quem não honraria um homem que lutou pelo país, ou dominado finalmente pelas circunstâncias contra as quais seus esforços não conseguiriam prevalecer?... Ele enumerou reformas aprovadas há cinquenta anos daquele mesmo dia, pelas quais a nação de uma vez por todas, declarou a glória da pobreza e simpatia do homem com os desafortunados.
Assim ele disse para eles que devia falar sobre a pobreza paciente e sua recompensa, junto com algumas frases sobre a reforma nas leis de encarceramento, iria compor seu primeira metade do discurso.
A segunda parte deveria ser um elogio a Braithwaite, tratando-o como o Precursor de um movimento que agora havia começado.
A velha Sra Brand reclinou-se ao seu assento, olhou a seu redor.
A janela, onde ele estavam, tinha sido reservada para elas; duas poltronas preenchiam o espaço, mas imediatamente atrás havia outras pessoas, de pé, em silêncio, assistindo também com os lábios semi-abertos; duas mulheres com um senhor diretamente atrás, e outros rostos atrás destes. Pelo fato de estarem absortos, fez a velha senhor ficar um pouco envergonhada da sua distração, e virou resolutamente em direção à praça.
Ah! Ele estava agora na parte do seu elogio! De volta a olhar para a pequena figura a um metro da estátua, a mão dele levantou-se e ele deu um giro, apontando,quando alguns aplausos por instante apagaram sua voz ressonante. A seguir , ele se abaixou, quase de cócoras – pois ele era um ator nato- e uma avalanche de risos desencandeou-se pela multidão. Ela ouviu um som detrás da sua cadeira, e no próximo momento uma exclamação de Mabel… O que foi aquilo?
Houve um forte estalo e a pequena figura gesticulante retrocedeu um passo. O velho senhor na mesa levantou-se por um instante e simultaneamente um grande tumulto começou em certo ponto da multidão logo perto do espaço onde estavam reunidas as bandas, e diretamente oposto à parte frontal da plataforma.
A Sra Brand, perplexa e atordoada, viu-se de pé, segurando no parapeito da janela, enquanto que a moça a segurou, gritando algo que ela não conseguiu entender. Um grande bramido preencheu a praça, cabeças atiradas para lá e para cá, como espiga de milho em uma ventania. Daí, Oliver moveu-se para a frente novamente, apontando e gritando, pois ela poder ver seus gestos; e ela deixou-se cair no assento rapidamente, o sangue se acelerando nas veias, seu coração batendo forte na garganta.
“Minha querida, minha querida, o que houve?” , soluçou ela.
Mas Mabel ainda estava de pé, olhando para seu marido; e um rápido balbucio e exclamações vindo detrás dele foram audíveis, apesar do tumulto na praça.
Parte 2
Oliver contou a elas a explicação dada para todo aquele caso em casa à noite, descansando na sua cadeira, com um braço enfaixado em uma tipoia.
Elas não havia conseguido chegar até ele naquela hora; a agitação na praça tinha sido muito intensa; contudo, um mensageiro tinha vindo até sua esposa com a notícia de que seu marido tinha sido apenas levemente ferido e estava nas mãos dos doutores.
“Ele era um Católico,” explicou a face retraída de Oliver. “ Sua arma foi encontrada carregada. Bem, não havia chance para um padre desta vez.”
Mabel concordou; ela tinha lido o destino do homem nas notícias.
“Ele foi morto – pisado e sufocado instantaneamente,” disse Oliver. “Fiz o que eu pude: você me viu. Mas--- bem, ouso dizer que foi misericordioso.”
Mas você fez o que podia, meu filho?”, disse a senhora, ansiosa, no seu canto.
“Eu os chamei, mãe, mas não me ouviram.”
Mabel inclinou-se---
“Oliver, eu sei que isto parece estupidez minha; mas --- mas eu queria que eles não o tivessem morto.”
Oliver sorriu para ela. Ele sabia do seu bom caráter.
“Teria sido perfeito se eles não tivessem,” disse ela, calando-se e se sentando.
“Por que ele atirou?”, perguntou ela.
Oliver virou seus olhos por um instante para sua mãe, mas ela estava tricotando calmamente.
Daí, ele respondeu com uma singular resolução.
“Eu disse que Braithwaite tinha feito mais para o mundo em um discurso do que Jesus e Seus santos juntos.” Ele percebeu que as agulhas do tricô pararam por um instante; e depois continuaram como antes.
“Mas ele queria mesmo cometê-lo de qualquer modo,” continuou Oliver.
“Como eles sabem que era um Católico?” perguntou ela de novo.
“Havia um terço com ele; e ele ainda teve tempo de chamar o seu Deus.”
“E não se sabe mais nada?”
“Nada mais. Ele estava bem vestido, contudo.”
Oliver recostou-se um pouco cansado, fechando os olhos; seu braço ainda latejava fortemente. Contudo, ele estava muito feliz no coração. Era verdade que ele havia sido ferido por um lunático, mas ele não via problemas em suportar a dor em tal causa, e era óbvio que a simpatia da Inglaterra estava com ele. Sr. Phillips até agora estava ocupado na sala ao lado, respondendo aos telefonemas que chegavam a todo o momento. Caldecott, o Primeiro Ministro, Maxwell, Snowford e uma dezena de outros enviaram os parabéns, e de toda a parte da Inglaterra chegava mensagem após mensagem. Foi uma grande tacada para os Comunistas; seu porta-voz havia sido atacado durante a dispensa de seus ofícios, falando em defesa de seus princípios; fora um ganho incalculável para eles, e uma perda para os Individualistas, que os confessores não estavam todos de um lado afinal. Os grandes placares eletrônicos em Londres cintilavam os fatos ocorridos em Esperanto, enquanto que Oliver entrava no trem no hora do crepúsculo.
“_Oliver Brand ferido… agressor Católico…. Indignação do país… Bem merecido fim do assassino_.”
Ele estava aliviado, também de que ele sinceramente tinha feito tudo para salvar o homem. Até mesmo em momentos de grande dor, ele pedia um julgamento justo; mas tinha sido tarde demais. Ele tinha visto os olhos esbugalhados no rosto avermelhado, e o sorriso sarcástico enquanto as mãos das pessoas agarravam e apertavam sua garganta. Depois aquela feição no rosto desapareceu e houve um grande pisoteamento. Oh! Havia ainda alguma paixão e lealdade na Inglaterra!
Sua mãe levantou-se e saiu, sem uma palavra; e Mabel voltou-se para ele, colocando a mão no seu joelho.
“Você está cansado de conversar, meu bem?”
Ele abriu seus olhos.
“Claro que não, meu bem. O que foi?”
“O que você acha a que tudo isso vá levar?”
Ele levantou-se um pouco, olhando para fora pelas janelas, vendo o maravilhoso anoitecer. Em todos os lugares agora, as luzes estavam brilhando e o luar sobre as casas, e lá em cima o misterioso azul escuro de uma noite de verão.
“A consequência?” disse ele. “Vai ser bom. Já era tempo em que algo acontecesse. Meu bem, eu me sinto melancólico às vezes, como você sabe. Bem, eu não acho que ficarei novamente. Eu tenho estado receoso algumas vezes de que nós estivéssemos perdendo toda nossa vontade, e que os velhos Tories estivessem parcialmente certos, quando eles profetizaram o que o Comunismo iria fazer. Mas, depois disso---“
“E?”
“Bem; nós mostramos que podemos derramar nosso sangue também. Na hora certa, também, bem na crise. Não quero exagerar; é só um arranhão—mas foi tão deliberado, e --- tão dramático. O pobre diabo não poderia ter escolhido um pior momento. As pessoas irão esquecer.”
Os olhos de Mabel brilharam com prazer.
“Ah, coitadinho!”, disse ela. “Você está sentido dor?”
“Não muito. Além disso, Cristo! Que me importa? Se este caso no Oriente acabasse!”
Ele sabia que estava febril e irritável, e fez um grande esforço para se acalmar.
“Ah, minha querida!” continuou ele, com o rosto um pouco ruborizado. “Se eles não fossem uns grandes idiotas: eles não entendem; eles não entendem.”
“O quê?”, Oliver.
“Eles não entendem que coisa gloriosa é toda a Humanidade, Vida, Verdade afinal e a eliminação da Falta de Bom Senso! Mas nós não dissemos a eles um centena de vezes?”
Ela olhou para ele com olhos apaixonados. Ela adorava vê-lo assim, o rosto ruborizado, a confiança, o entusiasmo dos olhos azuis; e o conhecimento de sua dor aumentava sua paixão. Ele inclinou-se para a frente e beijou-o repentinamente.
“Meu bem, estou orgulhosa de você, Oliver!”
Ele não disse nada; mas ela pode perceber o que ela gostava de ver, aquela resposta no seu própria coração; e assim ficaram em silêncio enquanto o céu escurecia lá fora ainda mais, e o barulho da máquina de escrever na sala ao lado dizia a eles que o mundo ainda continuava e que eles tinham coisas a fazer.
Oliver se mexeu.
“Você percebeu uma coisa, minha querida--- quando eu disse aquilo sobre Jesus Cristo?
“Ela parou de tricotar por um instante, “ disse ela.
Ele concordou.
“Você viu também, Mabel, e você acha que ela esteja fraquejando?”
“Ah, ela está ficando velha,” disse ela. “É claro que ela ainda se volta para o passado um pouco.”
“Mas você não acha--- isso seria terrível!”
Ela balançou a cabeça negativamente.
“Não, não, minha querida, você está agitada e cansada. É só um pequeno sentimento… Oliver, não acho que eu diria aquele tipo de coisa diante dela.”
“Mas ela ouve isso em todos os lugares agora.”
“Não, ela não ouve. Lembre-se de que ela quase não sai. Além disso, ela odeia tudo isso. Afinal de contas, ela foi educada como uma Católica.”
Oliver concordou, e recostando-se novamente, olhou pensativo.
“Não é interessante o modo como o poder da sugestão permanece? Ela não consegue tirar isto da cabeça dela, mesmo após 50 anos. Bem, fique de olho nela, está bem? … A propósito…”
“Sim?”
“Há mais algumas notícias do Oriente. Eles dizem que Felsenburgh está administrando a coisa toda agora. O Império o está enviando a todos os lugares—Tobolsk, Benares, Yakutsk—em todos os lugares; e tem estado na Austrália.”
Mabel sentou-se ereta. “Isto não é esperançoso?”
“Eu suponho que sim. Não há dúvida de que os Sufis estão vencendo; mas por quanto tempo é uma outra questão. Além disso, as tropas não se dispersaram.”
“E a Europa?”
“A Europa está se armando o mais rápido possível. Ouvi dizer que as Potências vão se encontrar na semana que vem em Paris. Eu terei que ir.”
“Mas e seu braço, querido?”
“Meu braço deve ficar bom. Ele terá que ir comigo, de qualquer forma.”
“Diga-me mais.”
“Não há mais nada a dizer. Mas é certeza dizer que isto é realmente uma crise. Se o Oriente pode ser persuadido a se refrear, provavelmente não se levantará novamente. Vai significar comércio livre por todo o mundo, eu suponho, e toda essa espécie de coisa. Mas se não---“
“E?”
“Se não, haverá uma catástrofe tal como nunca imaginado. Toda a raça humana estará em guerra , e tanto o Oriente como o Ocidente vão querer se eliminar. Estes novos explosivos Benninschein serão a prova disso.”
“Mas há absoluta certeza de que o Oriente os possui?”
“Com certeza. Benninschein os vendeu tanto para o Ocidente como para o Oriente; depois ele morreu, sorte dele.”
Mabel já tinha ouvido este tipo de conversa antes, mas sua imaginação se recusava a aceitar. Um duelo do Oriente com o Ocidente sob estas condições era uma coisa impensável. Não tinha havido nenhuma guerra europeia ainda na memória, e as guerras orientais do último século havia sido do velho modo. Agora, se os rumores fossem verdadeiros, cidades inteiras seriam destruídas com uma simples bomba. As novas condições era inimagináveis. Peritos militares profetizavam com exagero, contradizendo entre si em ponto vitais; o completo procedimento de guerra era uma questão de teoria; não havia precedentes com que compará-la.Era como se arqueiros disputassem quanto aos resultados de cordite (explosivo sem fumaça). Apenas uma coisa era certa—que o Oriente tinha todo o aparato moderno,e, quanto à população de homens, cerca de metade do que todo o restou do mundo tinha junto; e a conclusão a ser tirada dessas premissas não era nada confortante para a Inglaterra.
Mas a imaginação simplesmente se recusava a falar. Os jornais diários tinham breve e cuidadosa notícia de capa todos os dias, fundamentada nos fragmentos de notícias que roubavam das conferências no outro lado do mundo; o nome de Felsenburgh aparecia mais frequentemente do que nunca; de outra maneira parecia haver um espécie de silêncio. Nada estava muito ruim; o comércio continuava; as ações europeias não estavam com valores menores do que o usual; homens ainda construindo suas casas, casando-se com suas mulheres, eram pais de filhos e filhos, trabalhavam e iam ao teatro, pela simples razão de não havia mal algum em qualquer outra coisa. Eles não poderiam piorar ou melhorar a situação; era de uma escala muito grande. Ocasionalmente, algumas pessoas se enlouqueciam—pessoas que tinham conseguido levar sua imaginação a uma altura onde um relance de realidade pudesse ser obtido, e onde havia uma atmosfera difusa de tensão. Mas era tudo. Não havia muitos discursos sobre o assunto, havia sido entendido como não aconselhável. Afinal, não havia nada a fazer a não ser esperar.
Parte 3
Mabel lembrou-se do conselho do marido para vigiar, e por alguns dias ela fez o possível. Mas não havia nada que a alarmasse. A velha senhora estava quieta, talvez, mas fazia seus afazeres como sempre. Ela pediu para a moça que lesse para ela algumas vezes, e ouvia sem timidez o que ofereciam a ela; ela atendia a cozinha diariamente, organizava as variedades de alimentos, e aparecia interessada em tudo que dizia respeito a seu filho. Ela arrumou sua mala com suas próprias mãos, separou os casacos dele para a rápida viagem a Paris e acenou para ele da janela ao sair em direção da estação. Ele disse que ficaria fora por três dias.
Foi na noite do segundo dia que ela caiu doente; e Mabel, subindo rápido as escadas, depois de ser avisada pelo criado, encontrou-a um tanto ruborizada e agitada na sua cadeira.
“Não é nada, minha querida,” disse a senhora, trêmula, e comentou sobre alguns sintomas.
Mabel levou-a para a cama, chamou o médico e sentou-se à espera.
Ela tinha sincera afeição pela velha senhora, e sempre achava uma espécie de deleite ver a presença dela na casa. O efeito dela no espírito da casa era como o de uma poltrona para o corpo. A velha senhora era tão tranquila e humana, tão absorta em pequenas assuntos externos, tão reminiscente de vez em quando dos dias da sua juventude, sem nenhum ressentimento ou insatisfação. Parecia curiosamente patético para a moça ver aquele velho e calmo espírito aproximar-se de sua extinção, ou melhor, como Mabel acreditava, a perda da personalidade na reabsorção no Espírito da Vida que imbuia o mundo de sua qualidade. Ela encontrava pouca dificuldade em contemplar o fim de uma alma vigorosa, pois naquele caso, ela imaginava uma espécie de ímpeto de força energética de volta à origem das coisas; mas nesta pacífica velha senhora havia tão pouca energia; o aspecto central dela, por assim dizer, estava nos delicados traços da sua personalidade, construida de coisas frágeis em um entidade mais mais significante que a soma de suas partes componentes; a morte de uma flor , refletia Mabel, é mais triste que a morte de um leão; o quebrar de uma peça de porcelana mais irreparável que a ruína de um palácio.
“É uma síncope,” disse o doutor quando chegou. “Ela pode morrer a qualquer momento; pode ainda viver dez anos.”
“Não há necessidade de comunicar o Senhor Brand?”
Ele fez um movimento de desaprovação com as mãos.
“Não é certo que ela vai morrer—não é iminente?”, perguntou ela.
“Não, não; ela pode viver dez anos, eu disse.”
Ele deu alguns conselhos para o uso do inalador e foi embora.
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A senhora estava deitada quieta na cama e quando a moça apareceu, mostrou uma das mãos enrugada.
“Bem, minha querida?” ela perguntou.
“É só um pouco de fraqueza, mãe. A senhora deve ficar deitada e não fazer nada. Quer que eu leia para você?”
“Não, minha querida, vou pensar um pouco.”
Não era parte da ideia de Mabel dizer a ela que estava em perigo, pois não havia um passado para se corrigir, nenhum Juiz para ser confrontado. A morte era um fim, não um começo. Era um Evangelho pacífico; pelo menos, ele se tornou pacífico tão logo o fim tinha chegado.
Assim, a moça desceu as escadas mais uma vez, com uma leve dor no coração que se recusava a se tranquilizar.
Que estranha e bonita coisa era a morte, ela disse para si—esta harmonia de notas que fica em suspenso por trinta, cinquenta ou setenta anos—depois voltando calmamente ao imenso Instrumento que era o todo no todo. Estas mesmas notas seriam tocadas de novo, estavam sendo tocadas de novo mesmo agora no mundo, embora com uma delicadeza infinita de diferença no toque; mas aquela emoção particular havia desaparecido; era tolice pensar que havia algo eterno em algum lugar, pois não havia nada em algum lugar. Ela, também, iria morrer algum dia, e providenciar para que o tom fosse puro e adorável.
*********
O Sr. Phillips chegou na manhã seguinte como sempre, logo que Mabel saiu do quarto da senhora, pedindo notícias dela.
“Ela está um pouco melhor, eu acho,” disse Mabel. “ Ela deve ficar calma o dia inteiro.”
O secretário curvou a cabeça entendendo e saiu em direção à sala de Oliver, onde havia um monte de cartas para serem respondidas.
Algumas horas mais tarde, depois que Mabel subiu as escadas uma vez mais, ela se encontrou com o Sr. Phillips descendo. Ele estava com o rosto avermelhado sob sua pela clara.
“A Sra. Brand me chamou,” ele disse. “Ela quer saber se Sr. Oliver estará de volta hoje à noite.”
“Ele estará, não? Você não ouviu?”
“A Sra. Brand disse que ele estaria aqui para o jantar. Ele vai chegar a Londres às 19h00.”
“E há outras notícias?”
Ele apertou os lábios.
“Há rumores, “ disse ele. “Sr. Brand me telegrafou há uma hora.”
Ele parecia preocupado com algo, e Mabel olhou para ele com estupefação.
“São as notícias do Oriente?” perguntou ela.
As sobrancelhas dele se enrugaram um pouco.
“Você deve me perdoar, Sra. Brand,” disse ele. “ Não tenho liberdade para dizer nada.”
Ela não ficou ofendida, pois ela confiava muito em seu marido; mas seu entrou na sala da enferma com o coração batendo forte.
A velha senhor, também, parecia nervosa. Ela estava na cama com as bochechas um pouco avermelhadas, e quase não sorriu com a saudação da moça.
“Bem, a senhora já viu o Sr. Phillips, então?” disse Mabel.
A velha Sra Brand olhou para ela fixamente por um instante, mas não disse nada.
“Não fique agitada, mãe. Oliver estará de volta hoje à noite.”
A velha senhora fez uma longa inspiração.
“Não se preocupe comigo, minha querida,” disse ela. “Vou ficar muito bem. Ele estará de volta para o jantar, não?”
“Se os volors não se atrasarem. Agora, mãe, pronta para o desjejum?”
Mabel passou uma tarde com considerável ansiedade. Era certo que algo havia acontecido. O secretário, que fez o desjejum com ela na sala com vista para o jardim, estava estranhamente agitado. Ele tinha dito a ela que ele sairia e ficaria fora o resto do dia. Sr. Oliver tinha dado instruções a ele. Ele evitara comentar algo sobre a questão do Oriente, e não havia dado a ela nenhuma notícia sobre a Convenção de Paris; ele apenas repetira que o Sr. Oliver estaria de volta naquela noite. Depois, saiu com pressa uma hora mais tarde.
A velha senhora parecia adormecida quando a moça subiu em seguida, e Mabel não quis perturbá-la. Nem gostaria de sair de casa; assim, ele andou pelo jardim, pensando e aflita, até que a sombra escureceu os telhados com a névoa verde cinzenta do oeste.
Ao entrar, ela pegou o jornal da tarde, mas não havia grandes notícias nele, exceto de que a Convenção iria encerrar naquela tarde.
********
Eram 20h00, mas nenhum sinal de Oliver. O volor de Paris deveria ter chegado há uma hora, mas Mabel, olhava para os céus escuros da noite com suas estrelas como joias uma a uma, mas nenhuma nave passava acima. É claro que ela não deve ter visto, dependendo do seu tráfego; contudo ela tinha visto já uma centena de vezes antes, e estranhava sem razão por que ela não tinha visto agora. Mas ela não quis jantar e andava para lá e para cá com seu vestido branco, olhando várias vezes pela janela, ouvindo os som suave dos trens e as cordas musicais da estação a mais de um quilometro de distância. As luzes estavam acesas agora, e a imensidão da cidade parecia um terra da fantasia entre a luz terrestre e a escuridão do céu. Por que Oliver ainda não chegou, ou pelo menos que a tivesse avisado do porquê?
Uma vez mais, ela subiu, ela própria muito ansiosa, para tranquilizar a velha senhora e encontrou-a novamente muito sonolenta.
“Ele não chegou,” ela disse. “Acho que ele ficou retido em Paris.”
O velho rosto na travesseiro concordou e murmurou, e Mabel desceu novamente. Era agora uma hora depois da hora de jantar.
Ah! Havia uma centena de coisas que poderia tê retido. Ele frequentemente chegava atrasado mais do que esta vez: ele deve ter pedido o volor que queria pegar; a Convenção poderia ter se prolongado; ele podia estar cansado e achado melhor dormir em Paris afinal, e teria esquecido de telefonar.
Ele pode ter ligado para Sr. Phillips e o secretário ter se esquecido de passar a mensagem.
Ela se dirigiu finalmente, desesperançada, para o telefone e olhou para ele. Lá estava, aquele aparelho redondo e calado, com aqueles vários botões. Ele quase se decidiu tocá-los um a um, e perguntar se havia alguma notícia de seu marido.; havia seu clube, seu escritório em Whitehall, a casa do Sr. Phillips, o Parlamento e o resto. Mas hesitou, dizendo a si para ser paciente. Oliver não gostava de interferências, e ele logo iria se lembrar e aliviar a ansiedade dela.
A seguir, ao se virar, a campainha tocou alta e uma luz branca piscou- WHITEHALL.
Ela apertou o botão correspondente,e, com sua mão toda trêmula que mal podia segurar o aparelho, ouviu.
“Quem é?”
Seu coração pulou ao som da voz do marido, baixa e diminuta pela distância de quilômetros de fios.
“Eu, Mabel,” disse ela. “Estou sozinha aqui.”
“Ah, Mabel. Muito bem. Estou de volta: tudo está bem. Agora escute. Pode ouvir?”
“Sim, sim.”
“Aconteceu o melhor. Está por todo o Oriente. Felsenburgh conseguiu. Agora escute. Não posso voltar hoje à noite. Será anunciado na Casa de Paul daqui a duas horas. Estamos comunicando a Imprensa. Venha até aqui rapidamente. Você deve estar presente…. Está ouvindo?”
“Ah, sim.”
“Venha logo. Será a maior coisa da história. Não diga a ninguém. Venha antes que o rush comece. Em meia hora, o caminho será interditado.”
“Oliver.”
“Sim? Fale rápido.”
“Sua mãe está doente. Devo deixá-la?”
“Como doente?”
“Ah, nada de perigo. O doutor já a viu.”
Houve um silêncio por um momento.
“Sim, venha então. Nós voltaremos hoje à noite de qualquer forma. Diga a ela que não iremos demorar.”
“Muito bem.”
“… Sim, você deve vir. Felsenburgh estará lá.”
*******Fim do Capítulo 3********
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