quarta-feira, 23 de maio de 2012

Senhor do Mundo - Cap. 2 Livro 2


Parte 1

Parecia para Percy Franklin ao se aproximar de Roma, a cerca de 150 metros de altura na madrugada de verão, que ele estava se aproximando dos próprios portões dos céus ou, melhor ainda, que ele se sentia uma criança chegando em casa. Pelo o que ele havia deixado atrás dez horas antes em Londres não era uma coisa ruim, ele pensava, das mansões maiores do inferno. Era um mundo onde Deus , como se houvesse se retirado dali, deixando mesmo em um estado de profunda complacência—um estado sem esperança ou fé, mas uma condição na qual, embora a vida continuava, estava ausente o bem estar essencial. Não que não houvesse expectativa—pois Londres estava muito agitada. Havia rumores de todos os tipos: Felsenburgh estaria voltando; ele estava de volta; ele nunca havia ido embora. Ele deveria ser o Presidente do Conselho, Primeiro Ministro, com todas as prerrogativas de governo democrático e alçado ao pedestal de Rei—se não Imperador do Ocidente. A constituição inteira deveria ser remodelada, um completo rearranjo de suas partes; o crime deveria ser abolido por aquele misterioso poder que tinha acabado com a guerra; haveria comida grátis—o segredo da vida havia sido descoberto, não haveria mais mortes — assim corriam os rumores. Contudo, estava faltando, para a mente do padre, o que fazia a vida valer a pena...

Em Paris, enquanto o volor esperava na grande estação de Montmartre, uma vez conhecida como a Igreja do Sagrado Coração, ele tinha ouvido o alvoroço da população apaixonada pela vida finalmente, e visto as bandeiras passarem. Ao subir pelos  subúrbios , ele tinha visto as longas filas de trens trafegando, visíveis como serpentes brilhantes, trazendo as pessoas para o Conselho da Nação, no qual os legisladores, preocupados, havia se reunido para decidir sobre a grande questão. Em Lyons, tinha sido o mesmo. A noite estava clara como a luz do dia, e com muito barulho. A metade da França esta chegando para registrar seus votos.

Ele havia adormecido quando o ar frio dos Alpes começara a envolver o veículo, e conseguira ver apenas relances dos picos iluminados pela Lua abaixo dele, as negras profundezas dos golfos, o brilho prateado dos lagos, Interlandense (cantão da Suíça) e o vale de Rhone. Em um instante, ele sentiu alguns tremores, quando um dos grandes volors alemães passou, com luzes brilhantes, lembrando um enorme traça com antena de luzes elétricas, e as duas naves se saudaram uma a outra de uma distância de meia légua no ar silencioso, como o grito patético de dois estranhos pássaros noturnos que não tem tempo ocioso para parar. Milão e Turim estavam quietas, pois a Itália estava organizada em princípios diferentes da França, e Florença ainda não estava acordada. E agora Campagna (Salerno) estava passando como um tapete verde acinzentado, enrugado e acidentado, mais de 150 metros abaixo e Roma ainda não estava à vista. O indicador sobre o seu assento indicava de 160 a 150 quilômetros.

Ele despertou finalmente e abriu seu livro de anotações; mas ao pronunciar as palavras, sua atenção estava em outro lugar e, quando informaram o horário das 6 horas da manhã, ele fechou o livro novamente, inclinou-se mais confortavelmente, cobrindo-se com os cobertores e esticando os pés em direção ao banco da frente que estava vago. Ele estava sozinho em seu compartimento; os três homens que haviam entrado em Paris, tinham descido em Turim.

* * * * *

Ele havia ficado muito aliviado quando a mensagem chegara do Cardeal Protetor, solicitando a ele que tomasse providências para uma ausência longa da Inglaterra e, logo que pudesse, para vir à Roma.
Ele compreendia que finalmente as autoridades eclesiásticas estavam preocupadas. Ele, nos últimos dias, reviu o relatório que ele iria apresentar. Desde sua última carta, há três dias, sete notáveis apostasias aconteceram na diocese de Westminster apenas, dois padres e cinco importantes leigos. Houve sinais de revoltas de todos os lados; ele tinha visto um documento ameaçador, chamado de a “petição”, requisitando o direito de dispensas das vestes eclesiásticas, assinada por cento e vinte padres da Inglaterra e País de Gales. Os “peticionadores” afirmavam que a perseguição chegaria rapidamente pelas mãos da população; que o Governo não era sincero nas promessas de proteção; eles ainda afirmavam que a lealdade religiosa já estava estremecida até no caso dos mais fiéis e que nos demais já estava rompida.
 E Percy estava claro em seus comentários. Ele iria dizer às autoridades, como já havia feito cinquenta vezes, que não era a perseguição que importava; era o crescente entusiasmo pelo Humanismo—um entusiasmo que havia florescido enormemente desde a chegada de Felsenburgh e a publicação das notícias do Oriente—que estava derretendo o coração de todos. O homem de repente tinha se apaixonado pelo homem. As pessoas comuns estavam esfregando os olhos, e se perguntando no que elas haviam acreditado, ou mesmo sonhado, que haveria um Deus para amar, qual o segredo do encanto que havia prendido elas por tanto tempo. O Cristianismo e o Deísmo estavam passando pelo seu momento na mentalidade do Mundo, como a névoa da manhã desaparece quando o Sol surge. As suas recomendações--? Sim, ele as tinha bem claras, e as repassava em sua cabeça com um sentimento de desespero.

Para si , ele pouco sabia acreditava no que ele professava. Suas emoções pareciam ter sido finalmente extintas na visão da nave branca de Felsemburgh e no silêncio da multidão naquela tarde das últimas três semanas.
Havia sido terrivelmente real e positivo; as delicadas aspirações e esperanças da alma pareciam nebulosas quando comparadas com aquela emotiva paixão da população. Ele nunca tinha visto algo como aquilo; nenhuma congregação sob o maior encanto proporcionado pelo mais carismático pregador tinha conseguido um décimo do fervor daquela multidão que havia na manhã fria das ruas de Londres tinha saudado aquele salvador deles.

E quanto ao próprio homem—Percy não conseguia analisar o que foi que havia possuído ele na sua contemplação, murmurando o nome de Jesus, sobre daquela figura de preto com a aparência e os cabelos semelhantes aos seus.

Ele apenas sabia que uma mão havia apertado seu coração—uma mão quente, não fria—e  que havia apagado todo sentimento de convicção religiosa.

Tinha sido apenas com um esforço, que não gostava de relembrar, que ele tinha evitado aquele ato interior de capitulação, que  é tão familiar a todos que tenham cultivado uma vida interior e entendem o que fracasso significa.

Havia apenas uma cidadela que não havia escancarado seus portões—tudo o mais havia cedido. Suas emoções estavam alvoroçadas, seu intelecto silenciado, sua memória da graça obscurecida, sua alma acometida de uma náusea espiritual, contudo a fortaleza secreta da vontade tinha, em agonia, sustentado firme as portas e recusaram gritar  e chamar Felsenburgh de rei.

Ah! Como ele tinha orado durante aquelas três semanas! Parecia para ele que não havia feito nada além disso; não havia paz. Dúvidas eram lançadas pelas portas e janelas; toneladas de discussões vinham de cima abaixo; ele estava alerta dia e noite, repelindo isso, cegamente, negando aquilo, esforçando-se para se manter firme no plano escorregadio do sobrenatural, enviando pedidos após pedidos para o Senhor que se ocultava.
Ele dormia com o crucifixo nas mãos, ele acordava beijando-o; enquanto escrevia, conversava, comia, andava e sentava-se nos veículos, o seu interior andava ocupado fazendo atos de fé em uma religião que seu intelecto negava e da qual suas emoções se tolhiam. Houvera momentos de êxtase—agora em uma rua movimentada, quando ele reconhecia que Deus era tudo, que o Criador era a chave para vida do homem, que um humilde ato de adoração era transcendentalmente maior que um ato natural mais nobre, que o Sobrenatural era a origem e o fim da existência. Estes momentos vinham a ele à noite, no silêncio da catedral, quando as luzes  bruxuleavam e um golpe de ar vinha da porta de ferro do tabernáculo. A seguir, a paixão refluía e o deixava desamparado na angústia, mas ainda determinado (que poderia ser igualmente de orgulho ou fé) de que nenhum poder na Terra ou do Inferno iria impedi-lo de professar o Cristianismo, mesmo que ele não conseguisse entendê-lo. Era apenas o Cristianismo que tornava a vida tolerável.

Percy respirou profunda e ruidosamente, mudando sua posição no assento; pois ao longe seus olhos semifechados avistavam um domo, como uma bolha azul colocada sobre um carpete verde; e seu cérebro interrompia-se para dizer a ele que era Roma. Daí, se levantou, saiu de seu compartimento e se dirigiu à área central, olhando através das janelas de vidro à direita e esquerda dos outros passageiros, alguns ainda adormecidos, alguns olhando para a vista e outros lendo.

Ele fixou os olhos no vidro quadrado da porta e por uns alguns instantes, olhava fascinado à figura firme do piloto em seu posto. Lá estava ele imóvel, suas mãos no volante de aço que comandava as vastas asas, seus olhos nos medidores indicativos da força e direção dos ventos, de vez em quando suas mãos moviam-se lentamente, e os grandes motores respondiam, fazendo subir e descer. Debaixo dele e em frente, fixos em um painel circular, havia vários indicadores—Percy não entendia quase nada—um parecia ser uma espécie de barômetro, que ele achava que informava a altura na qual eles estavam viajando, e um outro era um tipo de bússola. E além, pelas janelas via-se um enorme céu. Bem, era tudo maravilhoso, pensava o padre, era com a força de tudo isso  com que o sobrenatural deveria competir.

Ele suspirou, virou-se e voltou para seu compartimento.

Era uma visão fantástica que começava a se apresentar a ele—bonita, estranha e tão irreal como um mapa na parede. Mais à sua direita, conforme ele podia ver pelas portas de vidro, havia uma faixa cinzenta contra um céu claro que subia e descia levemente conforme a nave, aparentemente imóvel, se inclinava imperceptivelmente contra a brisa do oeste; o único outro movimento que se sentia era a pulsação do enorme motor na traseira. Para a esquerda, se deparava com enorme porção de terras com algumas vilas, achatadas e desconhecidas, ou alguma porção de água e  limitada ao fundo com as colinas úmbrias; e agora pela frente, podia se ver a imagem confusa de Roma e seus novos e grandes subúrbios, coroados com os grandes domos que apareciam a todo o instante.

Por  todos os lugares, seus olhos viam amplos espaços que se estendiam de cor lápis-lazúli aos horizontes de turquesa pálida. O único som, do qual ele tinha há bastante tempo deixado de ouvir, era do forte movimento do ar, menos agudo agora, pois a velocidade tinha baixado para 30 quilômetros por hora. Houve um barulho de um sino e imediatamente ele sentiu uma náusea quando a nave fez uma grande descida, que o fez ele agarrar suas cobertas. Quando ele olhou novamente, o movimento parecia ter cessado; ele podia ver torres à frente, uma linha de telhados de casas e mais abaixo ele viu uma estrada e mais tetos dentre tapetes verdes. Um sino tocou novamente, e um longo e doce apito se seguiu. Em todos os lados, ele podia ouvir movimento de pés; um guarda em uniforme passou rapidamente pelo corredor; novamente veio aquela náusea; e quando ele olhou para cima mais uma vez, ele viu o domo, cinza agora e praticamente ao nível de seus olhos, enorme contra aquele céu claro. Houve um giro por um momento; ele fechou os olhos e quando olhou de novo, os muros pareciam passar por ele e pararem. Houve um último sinal, uma leve vibração ao veículo aterrissar na doca de aço armado; uma série de rostos balançando e depois imóveis do lado de fora das janelas e Percy saiu em direção às portas, carregando suas malas.
  
Parte 2

Ele ainda se sentia um pouco fraco em sua movimentação, quando se sentou sozinho para um café um hora depois em uma das remotas salas do Vaticano; mas havia um sentimento de alegria também, pela sua mente sentir onde estava. Havia sido estranho andar em pequeno táxi mirrado pelas ruas, fazendo ele lembrar há dez anos quando deixou Roma, depois de ser ordenado. Enquanto o mundo havia seguido em frente, Roma havia parado; não havia outros assuntos outros do que cuidar de apenas melhorias físicas, agora que o peso espiritual da Terra estava inteiramente sobre os seus ombros. Tudo parecia não haver mudado—ou melhor,  ela tinha voltado para a condição dela de quase 150 anos atrás. Histórias eram contadas de como as melhorias no governo italiano haviam caído gradualmente fora de uso, enquanto que a cidade, 80 anos antes, tinha ganho sua independência; os trens paravam de andar; os volors não foram permitidos passar pelas muralhas; os novos edifícios haviam sido convertidos para uso eclesiástico; o palácio do Quirinal se tornara o escritório do “Papa Vermelho”, as embaixadas, enormes seminários; até mesmo o próprio Vaticano, com a exceção do piso superior, tinha se tornado a residência do Colégio Sagrado, que cercava o Sumo Pontífice como as estrelas o seu Sol.

Era uma extraordinária cidade, diziam os antiquários—o único exemplo vivo daqueles velhos tempos. Aqui deveriam ser vistas as antigas inconveniências, os sujos horrores , a encarnação de um mundo dado a sonhar. A velha pompa da Igreja estava de volta, também; os cardeais andavam em carruagens adornadas a ouro; o Papa cavalgava em sua mula branca; o Sagrado Sacramento percorria as ruas mal cheirosas com o badalo de sinos e as lamparinas. Uma brilhante descrição disso tinha interessado o mundo civilizado imensamente por aproximadamente 48 horas; o enorme declínio ainda era usado ocasionalmente como assunto para violentas denúncias pelos pobremente educados; os bem educados tinham cessado de fazer alguma coisa a não ser considerar certo que a superstição e o progresso eram inimigos irreconciliáveis.

Contudo, Percy, mesmo nos relances que tinha visto nas ruas, quando se dirigiu da estação do volor , para fora do Portão do Povo, pode ver as vestimentas velhas dos camponeses, as carroças de vinho, as valetas cheias de repolhos espalhados, as roupas molhadas voando nos varais, as mulas e cavalos—estranho que podiam parecer, eram um alívio para ele. Parecia relembrar que o homem era humano e não divino como o resto do mundo estava proclamando – humano e, portanto, descuidado e individualista; humano e portanto ocupado com interesses outros que velocidade, limpeza e precisão.

A sala, onde ele estava sentado perto da janela com persianas, devido ao sol quente, parecia que era de uma época anterior a um século e meio. O velho damasco e dourado que ele esperava, já não existiam mais, e sua ausência  dava a impressão de grande severidade. Havia uma grande mesa no centro da sala, com poltronas de madeira; o chão com pisos vermelhos, com faixas para passeio dos pés, as paredes brancas mal pintadas tinham somente  alguns quadros velhos pendurados, e um grande crucifixo flanqueado por velas estavam sobre um pequeno altar ao lado da porta. Não havia mais móveis que estes, com a exceção de uma escrivaninha entre as janelas, sobre a qual jazia uma máquina de escrever. Isto, de alguma forma, perturbava seu senso de organização, e ele estava surpreso com isso.

Terminou seu último gole de café na xícara branca de asa grossa e recostou-se na cadeira.

* * * * *

Agora o fardo estava mais leve, e estava assombrado com a rapidez com qual isso havia ocorrido. A vida parecia bem mais simples aqui; o mundo interior era coisa certa; não era nem uma questão de discussão. A própria sombra de Deus parecia descansar ali; não era mais impossível perceber que os santos assistiam e intercediam, que Maria sentava em seu trono, e que no altar estava Jesus Cristo. Percy não estava totalmente em paz ainda; ele estava há apenas uma hora em Roma; e o ambiente, carregado com tanta graça, poderia fazer pouco mais que já tinha feito. Mas ele sentia mais à vontade, menos desesperadamente ansioso, mais como uma criança, mais satisfeito em descansar sob a autoridade que reivindicava e assegurava que o mundo, como fato e prova por evidências, era feito dessa maneira e não daquela, para este propósito e não para o outro. Contudo, ele tinha usado as conveniências que  odiava; ele tinha deixado Londres há 12 horas e agora estava sentado naquele lugar, que era um corpo de água estagnado, ou talvez a uma pequena corrente deste corpo; ele não estava certo ainda.

* * * * *

Ouviram-se passos do lado de fora, a maçaneta abriu; e adentrou-se o Cardeal Protetor.

Percy não o tinha visto há 4 anos e por um momento quase não o reconheceu.

Era um homem velho que ele via agora, dobrado e frágil, seu rosto coberto de rugas, com cabelos brancos e finos, e o chapéu vermelho na cabeça; ele estava de hábito beneditino negro, com um simples crucifixo abacial no peito. Ele andava com hesitação, com a ajuda de uma bengala negra. O único sinal de vigor era o branco brilhante dos olhos com suas pálpebras caídas. Ele esticou sua mão, sorrindo, e Percy, relembrando-se do tempo em que estava no Vaticano, fez uma reverência ao beijar a ametista.

Bem-vindo a Roma, Padre,” disse o velho senhor, falando com uma vivacidade inesperada.
“Ele me disseram que já está aqui há meia hora; eu pensei que deveria te deixar se lavar e tomar café.” 
Percy murmurou algo. 
Sim; você está cansado, sem dúvida, “ disse o Cardeal, puxando uma cadeira. 
Certamente que não, sua Eminência. Eu dormi muito bem.” 
O Cardeal gesticulou-se para uma cadeira. 
"Mas eu tenho que ter uma palavra com você. O Santo Padre quer vê-lo às 11 horas.” 
Percy sobressaltou-se um pouco. Estamos agindo rápido nesses dias, Padre,  não há tempo a perder. Você entende que deve ficar em Roma por ora?” 
Eu já providenciei tudo, sua Eminência.” 
Está muito bem… Nós estamos contentes por estar aqui, Padre Franklin. O Santo Padre ficou impressionado pelos seus comentários. Você tem previsto coisas de uma maneira notável.”

Percy ficou contente pelo comentário. O primeiro sinal de encorajamento que ele havia conseguido. Cardeal Martin continuou.

Posso dizer que você é nosso mais valioso correspondente---certamente na Inglaterra. É a razão pela qual foi chamado. Você deve nos ajudar aqui no futuro—uma espécie de consultor: qualquer um pode relatar os fatos; nem todos consegue entendê-los... Você parece muito jovem, Padre. Qual sua idade?”

Tenho trinta e três, sua Eminência.”

Ah! Seus cabelos te ajudam... Agora, Padre, pode vir comigo até minha sala? São 8 horas. Vou ficar contigo até as 9—talvez um pouco mais. Depois, você vai descansar o e às 11, vou levá-lo à nossa Santidade.”

Percy levantou-se com um leve sentimento de euforia, e adiantou-se para abrir a porta para o Cardeal passar.


Parte 3

Alguns minutos antes das 11 horas, Percy saiu do seu pequeno aposento pintado a cal com seus trajes e sapato de fivela, e bateu na porta do aposento do Cardeal. Ele se sentia agora muito mais confiante. Ele havia conversado com o Cardeal de maneira franca e desinibida. Descreveu a ele o efeito que Felsenburgh tinha criado em Londres, e também a paralisia que se apossara dele próprio. Ele afirmara que sua crença estava à beira de um movimento nunca acontecido na história: ele relatou algumas cenas que testemunhara—um grupo de joelhos ante uma imagem de Felsenburgh, um homem moribundo clamando pelo seu nome, o aspecto da  multidão que havia esperado em Westminster para ouvir o resultado da oferta feita ao estranho  homem. Ele mostrou uma meia dúzia de recortes de jornais, que indicava o entusiasmo histérico das pessoas; ele foi até mais longe em profetizar que a perseguição estava razoavelmente chegando.

O mundo aparenta estar muito estranho,” ele disse; “é como se todas as coisas estivessem agitadas e inflamadas.”

O Cardeal assentiu.

Nós, também,” ele disse, “até eu sinto isso.”

Quanto ao restante, o Cardinal sentara olhando-o pelos seus olhos estreitos, concordando de momento em momento, colocando alguma pergunta ocasional, mas ouvindo tudo com muita atenção.

E suas recomendações, Padre---“ ele tinha dito, e depois interrompeu. “Não, isto é pedir muito. O Santo Padre vai falar disso.”

Ele o havia parabenizado pelo seu Latim—pois ele havia falado nesta língua na segunda entrevista; e Percy tinha explicado como a leal Inglaterra Católica estava seguindo  a ordem, dada dez anos antes, de que o Latim deveria ser para a Igreja o que o Esperanto estava se tornando para o mundo agora.

Está muito bem,” disse o velho senhor. “Sua Santidade vai gostar disso.”

Na sua segunda batida, a porta se abriu e o Cardeal saiu, levando-o com ele pelo braço sem uma palavra; e juntos se encaminharam para a entrada do elevador.

Percy se aventurou a fazer uma observação ao seguirem silenciosamente em direção ao apartamento papal.

Estou surpreso com o elevador, sua Eminência, e a máquina de escrever na sala de audiências.”

Por quê, Padre?”

Porque todo o resto de Roma está de volta aos velhos tempos.”

O Cardeal olhou para ele perplexo.

Está? Eu suponho que esteja. Nunca pensei nisso.”

Um guarda suíço abriu a porta do elevador, saudou-os e seguiu na frente deles pela passagem embandeirada para onde estava seu companheiro. A seguir, ele saudou novamente e voltou. Um camarista pontifical  em toda a seriedade e pompa da púrpura e do negro, olhou do buraco da porta e apressou-se em abrir. Parecia realmente incrível que tais coisas ainda existissem.

Em um instante, sua Eminência,” ele disse em Latim. “Sua Eminência vai aguardar aqui?”

Era uma pequena sala quadrada, com meia dúzia de portas, simplesmente planejada de um dos grandes e velhos salões, pois era imensamente alta, e a cornija dourada descoloria em dois lugares nas paredes brancas. As divisórias, também, pareciam finas; pois enquanto os dois homens estavam sentados, ouvia-se o murmúrio de vozes levemente audível, passos e o barulho eterno da máquina de escrever, do qual Percy esperava ter se livrado. Eles estavam sozinhos na sala, que era mobiliada com a mesma simplicidade que a do Cardeal- dando a impressão de uma curiosa mistura de pobreza ascética e dignidade pelo piso de cor vermelha, as paredes brancas, o altar e dois candelabros de bronzes grandes de valor incalculável. As persianas aqui, também, estavam abertas; e não havia nada para distrair Percy da emoção que agora estava ainda maior no seu coração e na mente.

Era Papa Angelicus quem ele deveria ver; o fantástico velho senhor que tinha sido apontado Secretário de Estado  cinquenta anos atrás com a idade de 30, e Papa nove anos antes. Tinha sido ele quem executou a extraordinária medida de ceder as igrejas por toda a Itália para o Governo, em troca da posição de autoridade em Roma, e que havia desde então posto a ideia de fazer uma cidade dos santos. Parecia que ele não tinha se importado com a opinião mundial, sua política, até onde podia se chamar de uma, consistia de uma coisa muito simples: ele tinha declarado em Epístola após Epístola que o objetivo da Igreja era glorificar a Deus com a produção de virtudes sobrenaturais no homem, e que nada mesmo era de importância ou significância, exceto até onde ela conseguia este objetivo. Ele tinha depois afirmado que desde que Pedro era a Pedra, a Cidade de Pedro era a capital do mundo, e deveria ser um exemplo para sua dependência: isto não poderia ser feito a menos que Pedro reinasse nesta Cidade; e, portanto, ele havia sacrificado todas as igrejas e edifícios eclesiásticos no país para este fim. Depois, ele pôs-se a governar a sua cidade: ele tinha dito que, no geral, as recentes descobertas do homem tendiam a distrair as almas imortais de uma contemplação das verdades eternas — não que estas descobertas não pudessem ser boas em si próprias, pois elas davam o discernimento das maravilhosas leis de Deus — mas, no momento, elas eram emocionantes demais para a imaginação. Assim, ele removeu os bondes, os volors, os laboratórios, as manufaturas—dizendo que havia muito mais espaço fora de Roma—e havia permitido que se instalassem nos subúrbios: em seus lugares, ele levantou santuários, casas religiosas e Calvários. Como Roma esta dotada de área limitada, ainda mais porque do mundo corrompido, ele não permitia que homens abaixo de cinquenta anos morassem dentro de seus muros por mais que um mês em cada ano, exceto para que aqueles que recebessem sua permissão. Eles poderiam morar, é claro, fora dos limites da cidade  (e eles moravam, dezenas de milhares), mas ele deviam entender que fazendo isso, eles pecavam contra o espírito, embora não contra os desejos do Padre. Depois, ele havia dividido a cidade em lotes nacionais, dizendo que cada nação tinha suas virtudes peculiares, cada uma deveria brilhar sua luz em seu lugar específico.
Os aluguéis logo aumentaram, assim ele teve que legislar contra isso ao reservar em cada lote um número de ruas com preços fixos e emitiu uma excomungação ipso facto contra todos que faltarem neste respeito.
O restante ficava largado aos milionários. Ele tinha retido a Cidade Leonina inteiramente  para sua disposição. Depois, ele restaurara a Punição Capital, com tanta seriedade quanto o que ele afirmou sobre o ridículo mundo civilizado a respeito de outros assuntos, dizendo que embora a vida humana era sagrada, a virtude humana era ainda mais sagrada; e ele havia adicionado o crime de assassinato, os crimes de adultério, idolatria e apostasia, para os quais a punição era teoricamente sancionada. Não havia, contudo, mais que duas de tais execuções nos oito anos de seu reino, já que criminosos, é claro, com a exceção de devotados crentes, logo rumaram para os subúrbios, onde eles não estavam mais sob sua jurisdição.
 Mas ele ficou nisso. Ele enviou uma vez mais embaixadores para todos os países do mundo. Não foi dada nenhuma atenção para isso, além de gracejos; mas ele continuou, sem se perturbar, para reivindicar seus direitos, e, enquanto isso, usou seus legados para o importante trabalho de disseminar sua visão. Epístolas apareciam de tempos em tempos em todas as cidades, declarando os princípios das reivindicações papais com tanta tranquilidade como se fossem reconhecidas em todo o mundo. A Maçonaria era firmemente denunciada, assim como ideias democráticas de toda a espécie; os homens eram relembrados de suas almas imortais e da Majestade de Deus, e para refletirem sobre o fato de que em alguns anos todos teriam que prestar contas para com Ele Que era o Criador e Governante do mundo, Cujo Vigário era João XXIV, P.P. 
Essa era a linha de ação que deixou o mundo surpreendido. As pessoas esperavam histeria, discussões e apaixonada exortação; emissários disfarçados, intrigas e protestos. Não houve nada disso. Era como se o progresso não havia ainda começado, e os volors não tivessem sido inventados, como se o universo inteiro não tivesse chegado a desacreditar de Deus; Aqui estava um tolo senhor, falando em seu sono, balbuciando sobre a Cruz, sobre a vida interior e o perdão dos pecados, exatamente como seus predecessores tinham falado há dois mil anos. Bem, era apenas um sinal que Roma tinha perdido não somente seu poder, mas seu bom senso também. Era realmente o tempo que algo deveria ser feito.

* * * * *
E este era o homem, pensava Percy, _Papa Angelicus_, a quem ele deveria ver em seguida.
O Cardeal colocou sua mão sobre o joelho do padre quando a porta se abriu e um prelado vestido de púrpura apareceu, curvando-se.
 "Apenas isso," disse ele. "Seja absolutamente sincero."
 Percy se levantou, tremendo. Depois, seguiu com seu companheiro pela porta adentro.
  
Parte 4

Uma figura de branco estava sentada dentro do ambiente iluminado em verde, diante de uma  grande escrivaninha a uns quatros metros, com a cadeira colocada de frente para a porta pela qual os dois entraram. Tão logo Percy o viu, já fez a primeira genuflexão. Depois, abaixou os olhos, continuou, fez nova genuflexão junto com o acompanhante, avançou um pouco mais e pela terceira vez, fez nova genuflexão, levantando a fina mão branca e esticando-a para seus lábios. Ele ouviu a porta se fechar ao se levantar.
 "Padre Franklin, Santidade," disse o Cardeal ao seu ouvido.
 Um braço de mangas brancas indicou duas cadeiras à distância de um metro e os dois sentaram.

* * * * *

Enquanto o Cardeal, falando lentamente em latim, proferia algumas sentenças, explicando  que este era o padre inglês cujas correspondências tinham sido muito úteis, Percy começava a olhar com todos os seus olhos.
 Ele já conhecia bem o rosto do Papa, de centenas de fotografias e filmes; até os gestos deles lhe eram familiares, a leve inclinação da cabeça em assentimento, o pequeno e eloquente movimento das mãos; mas Percy, sem originalidade, dizia a si mesmo que a presença pessoal era muito diferente.
 Era um velho senhor bastante ereto que ele via na cadeira diante dele, de média estatura e cintura, com as mãos agarrando os braços da sua cadeira, com sua aparência de grande e deliberada dignidade. Mas era para a face que ele principalmente olhava, abaixando sua contemplação três ou quatro vezes quando os olhos azuis do Papa viravam sobre ele. Eram olhos extraordinários, relembrando o que os historiadores diziam de Pio X; os cílios formavam linhas retas entre eles, dando a aparência de um falcão, mas o resto do rosto dizia o contrário. Não havia agudeza. Não era  magro ou gordo, mas belamente modelado em um formato ovalado: os lábios eram bem definidos, com um olhar apaixonado em suas curvas; o nariz descia em uma forma aquilina, terminando em narinas cinzeladas; o queixo era firme e dividido, e a pose de toda a cabeça era estranhamente jovial. Era um rosto de grande generosidade e docilidade, colocada em um ângulo de desafio e humildade, mas eclesiástico de orelha a orelha e de testa a queixo; a testa era levemente comprimida nas têmporas, e debaixo do gorro havia cabelos brancos.
 Percy estava tentando resumir tudo aquilo, mas nada veio à sua cabeça, exceto a palavra “padre”. Era isso e ponto. _Ecce sacerdos magnus!_ Ele estava maravilhado pela sua jovialidade, pois o Papa tinha oitenta e oito anos; contudo sua figura era a de um homem ereto de cinquenta, ombros não desleixados, sua cabeça firme como a de um atleta, e suas rugas eram quase que imperceptíveis à meia luz._Papa Angelicus!_ refletia Percy.

O Cardeal cessara com suas explanações, e fez um pequeno gesto. Percy reuniu suas faculdades mentais para se preparar para as perguntas que sabia que viriam.
 "Seja bem-vindo, meu filho," disse uma voz suave e sonora.
Percy se inclinou, desesperadamente, desde a cintura.

O Papa abaixou seus olhos novamente, pegou um peso de papel com sua mão esquerda e começou a brincar com ele calmamente enquanto conversava.
"Agora, meu filho, faça um pequeno relatório. Eu sugiro em três partes—o que aconteceu, o que está acontecendo e o que vai acontecer, com uma conclusão do que deveria acontecer.”
 Percy inspirou profundamente, se acomodou na cadeira, prendeu os dedos da mão esquerda com os da direita, fixou seus olhos firmemente no sapato vermelho adornado com uma cruz  e começou. (Não tinha ele ensaiado isso uma centena de vezes!)

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 Ele começou com seu tema; para o efeito de que todas as forças do mundo civilizado estavam concentradas em dois campos—o mundo e Deus. Até o presente momento, as forças do mundo haviam sido incoerentes e espasmódicas, desenvolvendo-se em vários modos—revoluções e guerras haviam sido como movimentos de uma populaça, indisciplinada, sem habilidades e sem controle. Para enfrentar isso, a Igreja, também, tinha agido através do seu Catolicismo—dispersão em vez de concentração: _franc-tireurs_ tinham se oposto a _franc-tireurs_. Mas, durante os últimos cem anos, havia indicações de que a metodologia de guerra deveria mudar. A Europa, de qualquer modo, tinha ficada cansada de lutas internas; os sindicatos, primeiro do Trabalho, depois do Capital, e a seguir do Trabalho e Capital combinados, ilustravam isto na esfera econômica; a divisão pacífica da África na esfera política; a expansão da religião Humanitária na esfera espiritual. Contra isso, deve ser colocada a crescente centralização da Igreja. Pela sabedoria dos pontífices, sob o domínio supremo de Deus Todo Poderoso, as linhas tinham sido traçadas mais próximas a cada ano. Ele deu como exemplo a abolição de todos os usos locais, incluindo aqueles há tanto tempo cultivados pelo Oriente, o estabelecimento dos Cardeais Protetorados em Roma, a imposição da unificação de todos os freires em uma única Ordem, embora retendo os seus nomes familiares, sob a autoridade do supremo General; todos os monges, com a exceção dos Cartusianos, os Carmelitas e os Trapistas em uma outra ordem; e  em uma só a unificação destas três exceções. Também, a classificação de noviças sob este mesmo plano. Além disso, ele observou os mais recentes decretos, estabelecendo o sentido da decisão do Vaticano sobre a infalibilidade, a nova versão da Lei Canônica, a imensa simplificação que havia ocorrido na administração eclesiástica, a hierarquia, rubricas e os assuntos de países missionários, com os novos e extraordinários privilégios garantidos aos padres missionários. Neste ponto, ele se tornou ciente de que sua autoconsciência o tinha deixado e passou a, mesmo com pequenos gestos e a voz um pouco mais alta, a ampliar a significância dos acontecimentos do mês passado.
 Tudo que tinha acontecido antes, ele disse, apontava para o que tinha agora acontecido na verdade—ou seja, a reconciliação do mundo em uma base que não fosse a Divina Verdade. Era intenção de Deus e seus Vigários reconciliarem todos os homens em Cristo Jesus; mas a pedra fundamental tinha sido uma vez rejeitada, e em vez do caos que os piedosos haviam profetizado, estava acontecendo uma unidade diferente de qualquer coisa conhecida na História. Era mais mortal pelo fato de que continha tantos elementos de bondade indubitável. A Guerra, aparentemente, estava extinta agora, e não fora o Cristianismo que o fez; união era agora melhor que a desunião, e a lição havia sido aprendida ao largo da Igreja. De fato, as virtudes naturais se tornaram ricas e abundantes e as virtudes sobrenaturais eram desprezadas. A amizade tomou o lugar da caridade, satisfação o lugar da esperança e o conhecimento o lugar da fé.

Percy parou, pois ele tinha consciência de que estava fazendo uma espécie de sermão.
Sim, meu filho,” disse a voz agradável. “O que mais?”
O que mais?... Muito bem, continuou Percy, movimentos como estes criaram homens e o homem deste movimento era Julian Felsenburgh. Ele tinha realizado um trabalho que—à parte de Deus--- parecia milagroso. Ele havia quebrado a eterna divisão entre o Oriente e Ocidente, vindo ele próprio do continente que sozinho poderia produzir esses poderes; ele tinha prevalecido pela pura força de sua personalidade sobre os dois supremos tiranos de fanatismo religioso e governo partidário. Sua influência sobre os passivos ingleses fora um outro milagre, e ainda tinha incendiado França, Alemanha e Espanha. Percy aqui descrevia algumas das cenas, dizendo que era como uma visão de um deus: e ele citou alguns dos títulos dados a esse homem por jornais sérios. Felsenburgh era chamado de Filho do Homem, porque ele tinha aniquilado a guerra e sobrevivido—mesmo—mesmo – aqui a voz de Percy falhou—encarnado Deus, porque ele era o representante perfeito do homem divino.
 A quieta face do padre ouvindo jamais franzira o cenho ou se movera; e ele continuou.
 A perseguição, ele disse, estava chegando. Já tinham acontecido alguns distúrbios. Mas a perseguição não deveria ser temida. Sem dúvida, causaria apostasias, como sempre ocorria, mas estas eram deploráveis apenas devido a apóstatas individuais. Por outro lado, iria reassegurar o fiel; e limpar os fracos. Uma vez, nos tempos passados, o ataque de Satã tinha sido feito no lado físico, com chicotes, fogo e bestas; no século dezesseis fora no lado intelectual; no século vinte nas nascentes da vida espiritual e moral. Agora, parecia que o ataque era nos três planos de uma vez. Mas, o que deveria ser principalmente temido era a influência positiva do Humanitarismo: estava chegando, como o reino de Deus, com poder; estava esmagando o imaginativo e o romântico,  assumindo em vez de afirmar sua própria verdade; estava sufocando com almofadas em vez de ferir e estimular com a controvérsia. Parecia estar forçando seu caminho, quase objetivamente, dentro do mundo interior. As pessoas que pouco  ouviram desse nome, estavam professando seus dogmas; padres o absorveram, como eles absorvessem Deus na Comunhão—ele mencionou nomes dos recentes apóstatas—crianças aceitavam ele como o próprio Cristianismo. A alma naturalmente cristã parecia estar se tornando “a alma naturalmente infiel.” A perseguição, disse o padre, deveria ser bem-vinda como uma salvação, orada e obtida; mas ele temia que as autoridades fossem muito espertas, e diferenciavam o antídoto do veneno. Poderia haver martírios —de fato haveria  muitos —mas seriam devidos ao governo secular, não por causa dele. Finalmente, ele esperava que o Humanitarismo iria, a seguir, vestir as vestes da liturgia e do sacrifício, e quando isto fosse feito, a causa da Igreja, a menos que Deus intervisse, estaria acabada.
 Percy recostou-se, trêmulo. 
Sim, meu filho. E o que você acha que deve ser feito?”
 Percy abriu suas mãos.
 “Santo Padre — a missa, orações e o terço. Estes os primeiros e os últimos. O mundo nega o poder destes: é nesse poder que os cristãos devem colocar todas as suas forças. Todas as coisas em Jesus Cristo—em Jesus Cristo, primeiro e último. Nada mais pode ajudar. Ele pode fazer tudo, pois nós não podemos fazer nada.”
 A cabeça branca concordou e ele se levantou.
 “Sim, meu filho… Mas é condescendente em nos usar e devemos ser usados. Ele é o Profeta e Rei, assim como o Padre. Nós, então, devemos ser profetas e reis, assim como padres. E sobre a Profecia e a Realeza?”

A voz soou a Percy como a de um trompete.
Sim, Santidade… Para a profecia, então, vamos pregar a caridade; para a Realeza, vamos reinar sobre cruzes. Devemos amar e sofrer…” (ele ofegou) “Sua Santidade tem pregado caridade sempre. Vamos deixar a caridade então fazer boas ações. Vamos ser os primeiros nelas;  vamos nos engajar em negociação honestamente, na vida familiar, pura e decentemente, nos assuntos de governo firmes e direitos. E quanto ao sofrimento—ah! Santidade!”
 Seu velho plano saltou de volta a sua mente e permaneceu lá convincente e imperioso.
 "Sim, meu filho, fale claramente."
 "Sua Santidade —é antigo— antigo como Roma — todo tolo a desejou: uma nova Ordem, Santidade—uma nova Ordem”, ele gaguejou.
A mão branca deixou cair o peso de papel; o Papa se inclinou para a frente, olhando fixamente para o padre.
 "Como, meu filho?"
 Percy ficou de joelhos.
 "Uma nova Ordem, Santidade—sem hábitos ou emblemas—subordinada à sua Santidade somente—mais livre que a dos Jesuítas, mais pobre que a dos Franciscanos, mais mortificada que a dos Cartusianos: tanto homens como mulheres—os três votos com a intenção do martírio; o Panteão para sua Igreja; cada bispo responsável pelo seu sustento; um responsável por cada país.. (Santidade, é a ideia de um tolo.)… E Cristo Crucificado  como seu padroeiro.”
 O Papa se levantou abruptamente—tão abruptamente que o Cardeal Martin se levantou também, apreensivo e atemorizado. Parecia que aquele jovem homem tinha ido longe demais.
 A seguir, o Papa sentou-se novamente, estendendo sua mão.
 "Deus o abençoe, meu filho. Você tem a permissão para ir. Sua Eminência pode ficar por alguns minutos?"

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Fim do Capítulo 2 do Livro 2