Parte 1
Parecia para Percy Franklin ao se aproximar de Roma, a cerca de 150
metros de altura na madrugada de verão, que ele estava se aproximando dos
próprios portões dos céus ou, melhor ainda, que ele se sentia uma criança
chegando em casa. Pelo o que ele havia deixado atrás dez horas antes em Londres
não era uma coisa ruim, ele pensava, das mansões maiores do inferno. Era um
mundo onde Deus , como se houvesse se retirado dali, deixando mesmo em um
estado de profunda complacência—um estado sem esperança ou fé, mas uma condição
na qual, embora a vida continuava, estava ausente o bem estar essencial. Não
que não houvesse expectativa—pois Londres estava muito agitada. Havia rumores
de todos os tipos: Felsenburgh estaria voltando; ele estava de volta; ele nunca
havia ido embora. Ele deveria ser o Presidente do Conselho, Primeiro Ministro,
com todas as prerrogativas de governo democrático e alçado ao pedestal de
Rei—se não Imperador do Ocidente. A constituição inteira deveria ser
remodelada, um completo rearranjo de suas partes; o crime deveria ser abolido
por aquele misterioso poder que tinha acabado com a guerra; haveria comida
grátis—o segredo da vida havia sido descoberto, não haveria mais mortes — assim
corriam os rumores. Contudo, estava faltando, para a mente do padre, o que
fazia a vida valer a pena...
Em Paris, enquanto o volor esperava na grande estação de Montmartre,
uma vez conhecida como a Igreja do Sagrado Coração, ele tinha ouvido o alvoroço
da população apaixonada pela vida finalmente, e visto as bandeiras passarem. Ao
subir pelos subúrbios , ele tinha visto
as longas filas de trens trafegando, visíveis como serpentes brilhantes,
trazendo as pessoas para o Conselho da Nação, no qual os legisladores,
preocupados, havia se reunido para decidir sobre a grande questão. Em Lyons,
tinha sido o mesmo. A noite estava clara como a luz do dia, e com muito
barulho. A metade da França esta chegando para registrar seus votos.
Ele havia adormecido quando o ar frio dos Alpes começara a envolver o
veículo, e conseguira ver apenas relances dos picos iluminados pela Lua abaixo
dele, as negras profundezas dos golfos, o brilho prateado dos lagos,
Interlandense (cantão da Suíça) e o vale de Rhone. Em um instante, ele sentiu alguns
tremores, quando um dos grandes volors alemães passou, com luzes brilhantes,
lembrando um enorme traça com antena de luzes elétricas, e as duas naves se
saudaram uma a outra de uma distância de meia légua no ar silencioso, como o grito
patético de dois estranhos pássaros noturnos que não tem tempo ocioso para
parar. Milão e Turim estavam quietas, pois a Itália estava organizada em
princípios diferentes da França, e Florença ainda não estava acordada. E agora
Campagna (Salerno) estava passando como um tapete verde acinzentado, enrugado e
acidentado, mais de 150 metros abaixo e Roma ainda não estava à vista. O
indicador sobre o seu assento indicava de 160 a 150 quilômetros.
Ele despertou finalmente e abriu seu livro de anotações; mas ao
pronunciar as palavras, sua atenção estava em outro lugar e, quando informaram o
horário das 6 horas da manhã, ele fechou o livro novamente, inclinou-se mais
confortavelmente, cobrindo-se com os cobertores e esticando os pés em direção
ao banco da frente que estava vago. Ele estava sozinho em seu compartimento; os
três homens que haviam entrado em Paris, tinham descido em Turim.
* * * * *
Ele havia ficado muito aliviado quando a mensagem chegara do Cardeal
Protetor, solicitando a ele que tomasse providências para uma ausência longa da
Inglaterra e, logo que pudesse, para vir à Roma.
Ele compreendia que finalmente as autoridades eclesiásticas estavam
preocupadas. Ele, nos últimos dias, reviu o relatório que ele
iria apresentar. Desde sua última carta, há três dias, sete notáveis apostasias
aconteceram na diocese de Westminster apenas, dois padres e cinco importantes
leigos. Houve sinais de revoltas de todos os lados; ele tinha visto um
documento ameaçador, chamado de a “petição”, requisitando o direito de
dispensas das vestes eclesiásticas, assinada por cento e vinte padres da
Inglaterra e País de Gales. Os “peticionadores” afirmavam que a perseguição
chegaria rapidamente pelas mãos da população; que o Governo não era sincero nas
promessas de proteção; eles ainda afirmavam que a lealdade religiosa já estava
estremecida até no caso dos mais fiéis e que nos demais já estava rompida.
E Percy estava claro em seus comentários. Ele iria
dizer às autoridades, como já havia feito cinquenta vezes, que não era a perseguição
que importava; era o crescente entusiasmo pelo Humanismo—um entusiasmo que
havia florescido enormemente desde a chegada de Felsenburgh e a publicação das
notícias do Oriente—que estava derretendo o coração de todos. O homem de
repente tinha se apaixonado pelo homem. As pessoas comuns estavam esfregando os
olhos, e se perguntando no que elas haviam acreditado, ou mesmo sonhado, que
haveria um Deus para amar, qual o segredo do encanto que havia prendido elas
por tanto tempo. O Cristianismo e o Deísmo estavam passando pelo seu momento na
mentalidade do Mundo, como a névoa da manhã desaparece quando o Sol surge. As
suas recomendações--? Sim, ele as tinha bem claras, e as repassava em sua
cabeça com um sentimento de desespero.
Para si , ele pouco sabia acreditava no que ele professava. Suas
emoções pareciam ter sido finalmente extintas na visão da nave branca de
Felsemburgh e no silêncio da multidão naquela tarde das últimas três semanas.
Havia sido terrivelmente real e positivo; as delicadas aspirações e
esperanças da alma pareciam nebulosas quando comparadas com aquela emotiva
paixão da população. Ele nunca tinha visto algo como aquilo; nenhuma
congregação sob o maior encanto proporcionado pelo mais carismático pregador
tinha conseguido um décimo do fervor daquela multidão que havia na manhã fria
das ruas de Londres tinha saudado aquele salvador deles.
E quanto ao próprio homem—Percy não conseguia analisar o que foi que
havia possuído ele na sua contemplação, murmurando o nome de Jesus, sobre daquela
figura de preto com a aparência e os cabelos semelhantes aos seus.
Ele apenas sabia que uma mão havia apertado seu coração—uma mão quente,
não fria—e que havia apagado todo sentimento de convicção religiosa.
Tinha sido apenas com um esforço, que não gostava de relembrar, que ele
tinha evitado aquele ato interior de capitulação, que é tão familiar a
todos que tenham cultivado uma vida interior e entendem o que fracasso
significa.
Havia apenas uma cidadela que não havia escancarado seus portões—tudo o
mais havia cedido. Suas emoções estavam alvoroçadas, seu intelecto silenciado,
sua memória da graça obscurecida, sua alma acometida de uma náusea espiritual,
contudo a fortaleza secreta da vontade tinha, em agonia, sustentado firme as
portas e recusaram gritar e chamar Felsenburgh de rei.
Ah! Como ele tinha orado durante aquelas três semanas! Parecia para ele
que não havia feito nada além disso; não havia paz. Dúvidas eram lançadas pelas
portas e janelas; toneladas de discussões vinham de cima abaixo; ele estava
alerta dia e noite, repelindo isso, cegamente, negando aquilo, esforçando-se
para se manter firme no plano escorregadio do sobrenatural, enviando pedidos
após pedidos para o Senhor que se ocultava.
Ele dormia com o crucifixo nas mãos, ele acordava beijando-o; enquanto
escrevia, conversava, comia, andava e sentava-se nos veículos, o seu interior
andava ocupado fazendo atos de fé em uma religião que seu intelecto negava e da
qual suas emoções se tolhiam. Houvera momentos de êxtase—agora em uma rua
movimentada, quando ele reconhecia que Deus era tudo, que o Criador era a chave
para vida do homem, que um humilde ato de adoração era transcendentalmente
maior que um ato natural mais nobre, que o Sobrenatural era a origem e o fim da
existência. Estes momentos vinham a ele à noite, no silêncio da catedral,
quando as luzes bruxuleavam e um golpe de ar vinha da porta de ferro do
tabernáculo. A seguir, a paixão refluía e o deixava desamparado na angústia,
mas ainda determinado (que poderia ser igualmente de orgulho ou fé) de que
nenhum poder na Terra ou do Inferno iria impedi-lo de professar o Cristianismo,
mesmo que ele não conseguisse entendê-lo. Era apenas o Cristianismo que tornava
a vida tolerável.
Percy respirou profunda e ruidosamente, mudando sua posição no assento;
pois ao longe seus olhos semifechados avistavam um domo, como uma bolha azul
colocada sobre um carpete verde; e seu cérebro interrompia-se para dizer a ele
que era Roma. Daí, se levantou, saiu de seu compartimento e se dirigiu à área
central, olhando através das janelas de vidro à direita e esquerda dos outros
passageiros, alguns ainda adormecidos, alguns olhando para a vista e outros
lendo.
Ele fixou os olhos no vidro quadrado da porta e por uns alguns
instantes, olhava fascinado à figura firme do piloto em seu posto. Lá estava
ele imóvel, suas mãos no volante de aço que comandava as vastas asas, seus
olhos nos medidores indicativos da força e direção dos ventos, de vez em quando
suas mãos moviam-se lentamente, e os grandes motores respondiam, fazendo subir
e descer. Debaixo dele e em frente, fixos em um painel circular, havia vários
indicadores—Percy não entendia quase nada—um parecia ser uma espécie de
barômetro, que ele achava que informava a altura na qual eles estavam viajando,
e um outro era um tipo de bússola. E além, pelas janelas via-se um enorme céu.
Bem, era tudo maravilhoso, pensava o padre, era com a força de tudo isso com que o sobrenatural deveria competir.
Ele suspirou, virou-se e voltou para seu compartimento.
Era uma visão fantástica que começava a se apresentar a ele—bonita, estranha
e tão irreal como um mapa na parede. Mais à sua direita, conforme ele podia ver
pelas portas de vidro, havia uma faixa cinzenta contra um céu claro que subia e
descia levemente conforme a nave, aparentemente imóvel, se inclinava
imperceptivelmente contra a brisa do oeste; o único outro movimento que se
sentia era a pulsação do enorme motor na traseira. Para a esquerda, se deparava
com enorme porção de terras com algumas vilas, achatadas e desconhecidas, ou
alguma porção de água e limitada ao fundo com as colinas úmbrias; e agora
pela frente, podia se ver a imagem confusa de Roma e seus novos e grandes
subúrbios, coroados com os grandes domos que apareciam a todo o instante.
Por todos os lugares, seus olhos viam amplos espaços que se
estendiam de cor lápis-lazúli aos horizontes de turquesa pálida. O único som,
do qual ele tinha há bastante tempo deixado de ouvir, era do forte movimento do
ar, menos agudo agora, pois a velocidade tinha baixado para 30 quilômetros por
hora. Houve um barulho de um sino e imediatamente ele sentiu uma náusea quando
a nave fez uma grande descida, que o fez ele agarrar suas cobertas. Quando ele
olhou novamente, o movimento parecia ter cessado; ele podia ver torres à
frente, uma linha de telhados de casas e mais abaixo ele viu uma estrada e mais
tetos dentre tapetes verdes. Um sino tocou novamente, e um longo e doce apito
se seguiu. Em todos os lados, ele podia ouvir movimento de pés; um guarda em
uniforme passou rapidamente pelo corredor; novamente veio aquela náusea; e
quando ele olhou para cima mais uma vez, ele viu o domo, cinza agora e
praticamente ao nível de seus olhos, enorme contra aquele céu claro. Houve um
giro por um momento; ele fechou os olhos e quando olhou de novo, os muros
pareciam passar por ele e pararem. Houve um último sinal, uma leve vibração ao
veículo aterrissar na doca de aço armado; uma série de rostos balançando e
depois imóveis do lado de fora das janelas e Percy saiu em direção às portas,
carregando suas malas.
Parte 2
Ele ainda se sentia um pouco fraco em sua movimentação, quando se
sentou sozinho para um café um hora depois em uma das remotas salas do
Vaticano; mas havia um sentimento de alegria também, pela sua mente sentir onde
estava. Havia sido estranho andar em pequeno táxi mirrado pelas ruas, fazendo ele
lembrar há dez anos quando deixou Roma, depois de ser ordenado. Enquanto o
mundo havia seguido em frente, Roma havia parado; não havia outros assuntos
outros do que cuidar de apenas melhorias físicas, agora que o peso espiritual
da Terra estava inteiramente sobre os seus ombros. Tudo parecia não haver
mudado—ou melhor, ela tinha voltado para
a condição dela de quase 150 anos atrás. Histórias eram contadas de como as
melhorias no governo italiano haviam caído gradualmente fora de uso, enquanto
que a cidade, 80 anos antes, tinha ganho sua independência; os trens paravam de
andar; os volors não foram permitidos passar pelas muralhas; os novos edifícios
haviam sido convertidos para uso eclesiástico; o palácio do Quirinal se tornara
o escritório do “Papa Vermelho”, as embaixadas, enormes seminários; até mesmo o
próprio Vaticano, com a exceção do piso superior, tinha se tornado a residência
do Colégio Sagrado, que cercava o Sumo Pontífice como as estrelas o seu Sol.
Era uma extraordinária cidade, diziam os antiquários—o único exemplo
vivo daqueles velhos tempos. Aqui deveriam ser vistas as antigas
inconveniências, os sujos horrores , a encarnação de um mundo dado a sonhar. A
velha pompa da Igreja estava de volta, também; os cardeais andavam em
carruagens adornadas a ouro; o Papa cavalgava em sua mula branca; o Sagrado
Sacramento percorria as ruas mal cheirosas com o badalo de sinos e as
lamparinas. Uma brilhante descrição disso tinha interessado o mundo civilizado
imensamente por aproximadamente 48 horas; o enorme declínio ainda era usado
ocasionalmente como assunto para violentas denúncias pelos pobremente educados;
os bem educados tinham cessado de fazer alguma coisa a não ser considerar certo
que a superstição e o progresso eram inimigos irreconciliáveis.
Contudo, Percy, mesmo nos relances que tinha visto nas ruas, quando se
dirigiu da estação do volor , para fora do Portão do Povo, pode ver as
vestimentas velhas dos camponeses, as carroças de vinho, as valetas cheias de
repolhos espalhados, as roupas molhadas voando nos varais, as mulas e
cavalos—estranho que podiam parecer, eram um alívio para ele. Parecia relembrar
que o homem era humano e não divino como o resto do mundo estava proclamando –
humano e, portanto, descuidado e individualista; humano e portanto ocupado com
interesses outros que velocidade, limpeza e precisão.
A sala, onde ele estava sentado perto da janela com persianas, devido
ao sol quente, parecia que era de uma época anterior a um século e meio. O
velho damasco e dourado que ele esperava, já não existiam mais, e sua
ausência dava a impressão de grande severidade. Havia uma grande mesa no
centro da sala, com poltronas de madeira; o chão com pisos vermelhos, com
faixas para passeio dos pés, as paredes brancas mal pintadas tinham
somente alguns quadros velhos pendurados, e um grande crucifixo
flanqueado por velas estavam sobre um pequeno altar ao lado da porta. Não havia
mais móveis que estes, com a exceção de uma escrivaninha entre as janelas,
sobre a qual jazia uma máquina de escrever. Isto, de alguma forma, perturbava
seu senso de organização, e ele estava surpreso com isso.
Terminou seu último gole de café na xícara branca de asa grossa e
recostou-se na cadeira.
* * * * *
Agora o fardo estava mais leve, e estava assombrado com a rapidez com
qual isso havia ocorrido. A vida parecia bem mais simples aqui; o mundo
interior era coisa certa; não era nem uma questão de discussão. A própria
sombra de Deus parecia descansar ali; não era mais impossível perceber que os
santos assistiam e intercediam, que Maria sentava em seu trono, e que no altar
estava Jesus Cristo. Percy não estava totalmente em paz ainda; ele estava há
apenas uma hora em Roma; e o ambiente, carregado com tanta graça, poderia fazer
pouco mais que já tinha feito. Mas ele sentia mais à vontade, menos
desesperadamente ansioso, mais como uma criança, mais satisfeito em descansar
sob a autoridade que reivindicava e assegurava que o mundo, como fato e prova
por evidências, era feito dessa maneira e não daquela, para este propósito e
não para o outro. Contudo, ele tinha usado as conveniências que odiava; ele tinha deixado Londres há 12 horas
e agora estava sentado naquele lugar, que era um corpo de água estagnado, ou
talvez a uma pequena corrente deste corpo; ele não estava certo ainda.
* * * * *
Ouviram-se passos do lado de fora, a maçaneta abriu; e adentrou-se o
Cardeal Protetor.
Percy não o tinha visto há 4 anos e por um momento quase não o reconheceu.
Era um homem velho que ele via agora, dobrado e frágil, seu rosto
coberto de rugas, com cabelos brancos e finos, e o chapéu vermelho na cabeça;
ele estava de hábito beneditino negro, com um simples crucifixo abacial no
peito. Ele andava com hesitação, com a ajuda de uma bengala negra. O único
sinal de vigor era o branco brilhante dos olhos com suas pálpebras caídas. Ele
esticou sua mão, sorrindo, e Percy, relembrando-se do tempo em que estava no
Vaticano, fez uma reverência ao beijar a ametista.
“Bem-vindo
a Roma, Padre,” disse o velho senhor, falando com uma vivacidade inesperada.
“Ele me
disseram que já está aqui há meia hora; eu pensei que deveria te deixar se
lavar e tomar café.”
Percy
murmurou algo.
“Sim; você
está cansado, sem dúvida, “ disse o Cardeal, puxando uma
cadeira.
“Certamente
que não, sua Eminência. Eu dormi muito bem.”
O Cardeal
gesticulou-se para uma cadeira.
"Mas
eu tenho que ter uma palavra com você. O Santo Padre quer vê-lo às 11 horas.”
Percy
sobressaltou-se um pouco. “Estamos agindo rápido nesses dias, Padre, não
há tempo a perder. Você entende que deve ficar em Roma por ora?”
“Eu já
providenciei tudo, sua Eminência.”
“Está muito
bem… Nós estamos contentes por estar aqui, Padre Franklin. O Santo Padre ficou
impressionado pelos seus comentários. Você tem previsto coisas de uma maneira
notável.”
Percy ficou
contente pelo comentário. O primeiro sinal de encorajamento que ele havia
conseguido. Cardeal Martin continuou.
“Posso
dizer que você é nosso mais valioso correspondente---certamente na Inglaterra.
É a razão pela qual foi chamado. Você deve nos ajudar aqui no futuro—uma
espécie de consultor: qualquer um pode relatar os fatos; nem todos consegue
entendê-los... Você parece muito jovem, Padre. Qual sua idade?”
“Tenho
trinta e três, sua Eminência.”
“Ah! Seus
cabelos te ajudam... Agora, Padre, pode vir comigo até minha sala? São 8 horas.
Vou ficar contigo até as 9—talvez um pouco mais. Depois, você vai descansar o e
às 11, vou levá-lo à nossa Santidade.”
Percy levantou-se
com um leve sentimento de euforia, e adiantou-se para abrir a porta para o
Cardeal passar.
Parte 3
Alguns
minutos antes das 11 horas, Percy saiu do seu pequeno aposento pintado a cal
com seus trajes e sapato de fivela, e bateu na porta do aposento do Cardeal.
Ele se sentia agora muito mais confiante. Ele havia conversado com o Cardeal de
maneira franca e desinibida. Descreveu a ele o efeito que Felsenburgh tinha
criado em Londres, e também a paralisia que se apossara dele próprio. Ele
afirmara que sua crença estava à beira de um movimento nunca acontecido na
história: ele relatou algumas cenas que testemunhara—um grupo de joelhos ante
uma imagem de Felsenburgh, um homem moribundo clamando pelo seu nome, o aspecto
da multidão que havia esperado em Westminster para ouvir o resultado da
oferta feita ao estranho homem. Ele
mostrou uma meia dúzia de recortes de jornais, que indicava o entusiasmo
histérico das pessoas; ele foi até mais longe em profetizar que a perseguição
estava razoavelmente chegando.
“O mundo
aparenta estar muito estranho,” ele disse; “é como se todas as coisas
estivessem agitadas e inflamadas.”
O Cardeal
assentiu.
“Nós,
também,” ele disse, “até eu sinto isso.”
Quanto ao
restante, o Cardinal sentara olhando-o pelos seus olhos estreitos, concordando
de momento em momento, colocando alguma pergunta ocasional, mas ouvindo tudo
com muita atenção.
“E suas
recomendações, Padre---“ ele tinha dito, e depois interrompeu. “Não, isto é
pedir muito. O Santo Padre vai falar disso.”
Ele o
havia parabenizado pelo seu Latim—pois ele havia falado nesta língua na segunda
entrevista; e Percy tinha explicado como a leal Inglaterra Católica estava seguindo
a ordem, dada dez anos antes, de que o
Latim deveria ser para a Igreja o que o Esperanto estava se tornando para o
mundo agora.
“Está muito
bem,” disse o velho senhor. “Sua Santidade vai gostar disso.”
Na sua
segunda batida, a porta se abriu e o Cardeal saiu, levando-o com ele pelo braço
sem uma palavra; e juntos se encaminharam para a entrada do elevador.
Percy se
aventurou a fazer uma observação ao seguirem silenciosamente em direção ao
apartamento papal.
“Estou
surpreso com o elevador, sua Eminência, e a máquina de escrever na sala de
audiências.”
“Por quê,
Padre?”
“Porque todo
o resto de Roma está de volta aos velhos tempos.”
O Cardeal
olhou para ele perplexo.
“Está? Eu
suponho que esteja. Nunca pensei nisso.”
Um guarda
suíço abriu a porta do elevador, saudou-os e seguiu na frente deles pela
passagem embandeirada para onde estava seu companheiro. A seguir, ele saudou
novamente e voltou. Um camarista pontifical
em toda a seriedade e pompa da púrpura e do negro, olhou do buraco da
porta e apressou-se em abrir. Parecia realmente incrível que tais coisas ainda
existissem.
“Em um
instante, sua Eminência,” ele disse em Latim. “Sua Eminência vai aguardar
aqui?”
Era uma
pequena sala quadrada, com meia dúzia de portas, simplesmente planejada de um
dos grandes e velhos salões, pois era imensamente alta, e a cornija dourada descoloria
em dois lugares nas paredes brancas. As divisórias, também, pareciam finas;
pois enquanto os dois homens estavam sentados, ouvia-se o murmúrio de vozes
levemente audível, passos e o barulho eterno da máquina de escrever, do qual
Percy esperava ter se livrado. Eles estavam sozinhos na sala, que era mobiliada
com a mesma simplicidade que a do Cardeal- dando a impressão de uma curiosa
mistura de pobreza ascética e dignidade pelo piso de cor vermelha, as paredes
brancas, o altar e dois candelabros de bronzes grandes de valor incalculável.
As persianas aqui, também, estavam abertas; e não havia nada para distrair
Percy da emoção que agora estava ainda maior no seu coração e na mente.
Era Papa
Angelicus quem ele deveria ver; o fantástico velho senhor que tinha sido
apontado Secretário de Estado cinquenta
anos atrás com a idade de 30, e Papa nove anos antes. Tinha sido ele quem
executou a extraordinária medida de ceder as igrejas por toda a Itália para o
Governo, em troca da posição de autoridade em Roma, e que havia desde então
posto a ideia de fazer uma cidade dos santos. Parecia que ele não tinha se
importado com a opinião mundial, sua política, até onde podia se chamar de uma,
consistia de uma coisa muito simples: ele tinha declarado em Epístola após Epístola
que o objetivo da Igreja era glorificar a Deus com a produção de virtudes
sobrenaturais no homem, e que nada mesmo era de importância ou significância,
exceto até onde ela conseguia este objetivo. Ele tinha depois afirmado que
desde que Pedro era a Pedra, a Cidade de Pedro era a capital do mundo, e
deveria ser um exemplo para sua dependência: isto não poderia ser feito a menos
que Pedro reinasse nesta Cidade; e, portanto, ele havia sacrificado todas as
igrejas e edifícios eclesiásticos no país para este fim. Depois, ele pôs-se a
governar a sua cidade: ele tinha dito que, no geral, as recentes descobertas do
homem tendiam a distrair as almas imortais de uma contemplação das verdades
eternas — não que estas descobertas não pudessem ser boas em si próprias, pois
elas davam o discernimento das maravilhosas leis de Deus — mas, no momento,
elas eram emocionantes demais para a imaginação. Assim, ele removeu os bondes,
os volors, os laboratórios, as manufaturas—dizendo que havia muito mais espaço
fora de Roma—e havia permitido que se instalassem nos subúrbios: em seus
lugares, ele levantou santuários, casas religiosas e Calvários. Como Roma esta
dotada de área limitada, ainda mais porque do mundo corrompido, ele não
permitia que homens abaixo de cinquenta anos morassem dentro de seus muros por
mais que um mês em cada ano, exceto para que aqueles que recebessem sua
permissão. Eles poderiam morar, é claro, fora dos limites da cidade (e eles moravam, dezenas de milhares), mas ele
deviam entender que fazendo isso, eles pecavam contra o espírito, embora não contra
os desejos do Padre. Depois, ele havia dividido a cidade em lotes nacionais,
dizendo que cada nação tinha suas virtudes peculiares, cada uma deveria brilhar
sua luz em seu lugar específico.
Os aluguéis logo aumentaram, assim ele teve que legislar contra isso ao
reservar em cada lote um número de ruas com preços fixos e emitiu uma
excomungação ipso facto contra todos
que faltarem neste respeito.
O restante ficava largado aos milionários. Ele tinha retido a Cidade
Leonina inteiramente para sua
disposição. Depois, ele restaurara a Punição Capital, com tanta seriedade
quanto o que ele afirmou sobre o ridículo mundo civilizado a respeito de outros
assuntos, dizendo que embora a vida humana era sagrada, a virtude humana era
ainda mais sagrada; e ele havia adicionado o crime de assassinato, os crimes de
adultério, idolatria e apostasia, para os quais a punição era teoricamente
sancionada. Não havia, contudo, mais que duas de tais execuções nos oito anos
de seu reino, já que criminosos, é claro, com a exceção de devotados crentes,
logo rumaram para os subúrbios, onde eles não estavam mais sob sua jurisdição.
Mas ele ficou nisso. Ele enviou uma vez mais
embaixadores para todos os países do mundo. Não foi dada nenhuma atenção para
isso, além de gracejos; mas ele continuou, sem se perturbar, para reivindicar
seus direitos, e, enquanto isso, usou seus legados para o importante trabalho
de disseminar sua visão. Epístolas apareciam de tempos em tempos em todas as
cidades, declarando os princípios das reivindicações papais com tanta
tranquilidade como se fossem reconhecidas em todo o mundo. A Maçonaria era
firmemente denunciada, assim como ideias democráticas de toda a espécie; os
homens eram relembrados de suas almas imortais e da Majestade de Deus, e para
refletirem sobre o fato de que em alguns anos todos teriam que prestar contas
para com Ele Que era o Criador e Governante do mundo, Cujo Vigário era João
XXIV, P.P.
Essa era a linha de ação que deixou o mundo surpreendido. As pessoas
esperavam histeria, discussões e apaixonada exortação; emissários disfarçados,
intrigas e protestos. Não houve nada disso. Era como se o progresso não havia
ainda começado, e os volors não tivessem sido inventados, como se o universo
inteiro não tivesse chegado a desacreditar de Deus; Aqui estava um tolo senhor,
falando em seu sono, balbuciando sobre a Cruz, sobre a vida interior e o perdão
dos pecados, exatamente como seus predecessores tinham falado há dois mil anos.
Bem, era apenas um sinal que Roma tinha perdido não somente seu poder, mas seu
bom senso também. Era realmente o tempo que algo deveria ser feito.
* * * * *
E este era o homem, pensava Percy, _Papa Angelicus_, a quem ele deveria
ver em seguida.
O Cardeal colocou sua mão sobre o joelho do padre quando a porta se
abriu e um prelado vestido de púrpura apareceu, curvando-se.
"Apenas isso," disse ele. "Seja
absolutamente sincero."
Percy se levantou, tremendo. Depois, seguiu com
seu companheiro pela porta adentro.
Parte 4
Uma figura de branco estava sentada dentro do ambiente iluminado em
verde, diante de uma grande escrivaninha a uns quatros metros, com a
cadeira colocada de frente para a porta pela qual os dois entraram. Tão logo
Percy o viu, já fez a primeira genuflexão. Depois, abaixou os olhos, continuou,
fez nova genuflexão junto com o acompanhante, avançou um pouco mais e pela
terceira vez, fez nova genuflexão, levantando a fina mão branca e esticando-a
para seus lábios. Ele ouviu a porta se fechar ao se levantar.
"Padre Franklin, Santidade," disse o
Cardeal ao seu ouvido.
Um braço de mangas brancas indicou duas cadeiras à
distância de um metro e os dois sentaram.
* * * * *
Enquanto o Cardeal, falando lentamente em latim, proferia algumas
sentenças, explicando que este era o padre inglês cujas correspondências
tinham sido muito úteis, Percy começava a olhar com todos os seus olhos.
Ele já conhecia bem o rosto do Papa, de centenas
de fotografias e filmes; até os gestos deles lhe eram familiares, a leve
inclinação da cabeça em assentimento, o pequeno e eloquente movimento das mãos;
mas Percy, sem originalidade, dizia a si mesmo que a presença pessoal era muito
diferente.
Era um velho senhor bastante ereto que ele via na
cadeira diante dele, de média estatura e cintura, com as mãos agarrando os
braços da sua cadeira, com sua aparência de grande e deliberada dignidade. Mas
era para a face que ele principalmente olhava, abaixando sua contemplação três
ou quatro vezes quando os olhos azuis do Papa viravam sobre ele. Eram olhos
extraordinários, relembrando o que os historiadores diziam de Pio X; os cílios
formavam linhas retas entre eles, dando a aparência de um falcão, mas o resto
do rosto dizia o contrário. Não havia agudeza. Não era magro ou gordo,
mas belamente modelado em um formato ovalado: os lábios eram bem definidos, com
um olhar apaixonado em suas curvas; o nariz descia em uma forma aquilina,
terminando em narinas cinzeladas; o queixo era firme e dividido, e a pose de
toda a cabeça era estranhamente jovial. Era um rosto de grande generosidade e
docilidade, colocada em um ângulo de desafio e humildade, mas eclesiástico de
orelha a orelha e de testa a queixo; a testa era levemente comprimida nas
têmporas, e debaixo do gorro havia cabelos brancos.
Percy estava tentando resumir tudo aquilo, mas
nada veio à sua cabeça, exceto a palavra “padre”. Era isso e ponto. _Ecce
sacerdos magnus!_ Ele estava maravilhado pela sua jovialidade, pois o Papa
tinha oitenta e oito anos; contudo sua figura era a de um homem ereto de
cinquenta, ombros não desleixados, sua cabeça firme como a de um atleta, e suas
rugas eram quase que imperceptíveis à meia luz._Papa Angelicus!_ refletia
Percy.
O Cardeal cessara com suas explanações, e fez um pequeno gesto. Percy
reuniu suas faculdades mentais para se preparar para as perguntas que sabia que
viriam.
"Seja bem-vindo, meu filho," disse uma
voz suave e sonora.
Percy se inclinou, desesperadamente, desde a cintura.
O Papa abaixou seus olhos novamente, pegou um peso de papel com sua mão
esquerda e começou a brincar com ele calmamente enquanto conversava.
"Agora, meu filho, faça um pequeno relatório. Eu sugiro em três
partes—o que aconteceu, o que está acontecendo e o que vai acontecer, com uma
conclusão do que deveria acontecer.”
Percy inspirou profundamente, se acomodou na
cadeira, prendeu os dedos da mão esquerda com os da direita, fixou seus olhos
firmemente no sapato vermelho adornado com uma cruz e começou. (Não tinha
ele ensaiado isso uma centena de vezes!)
* * * * *
Ele começou com seu tema; para o efeito de que
todas as forças do mundo civilizado estavam concentradas em dois campos—o mundo
e Deus. Até o presente momento, as forças do mundo haviam sido incoerentes e
espasmódicas, desenvolvendo-se em vários modos—revoluções e guerras haviam sido
como movimentos de uma populaça, indisciplinada, sem habilidades e sem
controle. Para enfrentar isso, a Igreja, também, tinha agido através do seu
Catolicismo—dispersão em vez de concentração: _franc-tireurs_ tinham se oposto
a _franc-tireurs_. Mas, durante os últimos cem anos, havia indicações de que a metodologia
de guerra deveria mudar. A Europa, de qualquer modo, tinha ficada cansada de
lutas internas; os sindicatos, primeiro do Trabalho, depois do Capital, e a
seguir do Trabalho e Capital combinados, ilustravam isto na esfera econômica; a
divisão pacífica da África na esfera política; a expansão da religião
Humanitária na esfera espiritual. Contra isso, deve ser colocada a crescente
centralização da Igreja. Pela sabedoria dos pontífices, sob o domínio supremo
de Deus Todo Poderoso, as linhas tinham sido traçadas mais próximas a cada ano.
Ele deu como exemplo a abolição de todos os usos locais, incluindo aqueles há
tanto tempo cultivados pelo Oriente, o estabelecimento dos Cardeais
Protetorados em Roma, a imposição da unificação de todos os freires em uma
única Ordem, embora retendo os seus nomes familiares, sob a autoridade do
supremo General; todos os monges, com a exceção dos Cartusianos, os Carmelitas
e os Trapistas em uma outra ordem; e em uma só a unificação destas três
exceções. Também, a classificação de noviças sob este mesmo plano. Além disso,
ele observou os mais recentes decretos, estabelecendo o sentido da decisão do
Vaticano sobre a infalibilidade, a nova versão da Lei Canônica, a imensa
simplificação que havia ocorrido na administração eclesiástica, a hierarquia,
rubricas e os assuntos de países missionários, com os novos e extraordinários
privilégios garantidos aos padres missionários. Neste ponto, ele se tornou
ciente de que sua autoconsciência o tinha deixado e passou a, mesmo com
pequenos gestos e a voz um pouco mais alta, a ampliar a significância dos
acontecimentos do mês passado.
Tudo que tinha acontecido antes, ele disse,
apontava para o que tinha agora acontecido na verdade—ou seja, a reconciliação
do mundo em uma base que não fosse a Divina Verdade. Era intenção de Deus e
seus Vigários reconciliarem todos os homens em Cristo Jesus; mas a pedra
fundamental tinha sido uma vez rejeitada, e em vez do caos que os piedosos
haviam profetizado, estava acontecendo uma unidade diferente de qualquer coisa
conhecida na História. Era mais mortal pelo fato de que continha tantos
elementos de bondade indubitável. A Guerra, aparentemente, estava extinta
agora, e não fora o Cristianismo que o fez; união era agora melhor que a
desunião, e a lição havia sido aprendida ao largo da Igreja. De fato, as
virtudes naturais se tornaram ricas e abundantes e as virtudes sobrenaturais
eram desprezadas. A amizade tomou o lugar da caridade, satisfação o lugar da
esperança e o conhecimento o lugar da fé.
Percy parou, pois ele tinha consciência de que estava fazendo uma
espécie de sermão.
“Sim, meu filho,” disse a voz agradável. “O que mais?”
O que mais?... Muito bem, continuou Percy, movimentos como estes criaram
homens e o homem deste movimento era Julian Felsenburgh. Ele tinha realizado um
trabalho que—à parte de Deus--- parecia milagroso. Ele havia quebrado a eterna
divisão entre o Oriente e Ocidente, vindo ele próprio do continente que sozinho
poderia produzir esses poderes; ele tinha prevalecido pela pura força de sua
personalidade sobre os dois supremos tiranos de fanatismo religioso e governo
partidário. Sua influência sobre os passivos ingleses fora um outro milagre, e
ainda tinha incendiado França, Alemanha e Espanha. Percy aqui descrevia algumas
das cenas, dizendo que era como uma visão de um deus: e ele citou alguns dos
títulos dados a esse homem por jornais sérios. Felsenburgh era chamado de Filho
do Homem, porque ele tinha aniquilado a guerra e sobrevivido—mesmo—mesmo – aqui
a voz de Percy falhou—encarnado Deus, porque ele era o representante perfeito
do homem divino.
A quieta face do padre ouvindo jamais franzira o
cenho ou se movera; e ele continuou.
A perseguição, ele disse, estava chegando. Já
tinham acontecido alguns distúrbios. Mas a perseguição não deveria ser temida.
Sem dúvida, causaria apostasias, como sempre ocorria, mas estas eram
deploráveis apenas devido a apóstatas individuais. Por outro lado, iria
reassegurar o fiel; e limpar os fracos. Uma vez, nos tempos passados, o ataque
de Satã tinha sido feito no lado físico, com chicotes, fogo e bestas; no século
dezesseis fora no lado intelectual; no século vinte nas nascentes da vida
espiritual e moral. Agora, parecia que o ataque era nos três planos de uma vez.
Mas, o que deveria ser principalmente temido era a influência positiva do
Humanitarismo: estava chegando, como o reino de Deus, com poder; estava
esmagando o imaginativo e o romântico,
assumindo em vez de afirmar sua própria verdade; estava sufocando com
almofadas em vez de ferir e estimular com a controvérsia. Parecia estar
forçando seu caminho, quase objetivamente, dentro do mundo interior. As pessoas
que pouco ouviram desse nome, estavam
professando seus dogmas; padres o absorveram, como eles absorvessem Deus na
Comunhão—ele mencionou nomes dos recentes apóstatas—crianças aceitavam ele como
o próprio Cristianismo. A alma naturalmente cristã parecia estar se tornando “a
alma naturalmente infiel.” A perseguição, disse o padre, deveria ser bem-vinda
como uma salvação, orada e obtida; mas ele temia que as autoridades fossem
muito espertas, e diferenciavam o antídoto do veneno. Poderia haver martírios —de
fato haveria muitos —mas seriam devidos
ao governo secular, não por causa dele. Finalmente, ele esperava que o
Humanitarismo iria, a seguir, vestir as vestes da liturgia e do sacrifício, e quando
isto fosse feito, a causa da Igreja, a menos que Deus intervisse, estaria
acabada.
Percy recostou-se, trêmulo.
“Sim, meu filho. E o que você acha que deve ser feito?”
Percy abriu suas mãos.
“Santo Padre — a missa, orações e o terço. Estes os
primeiros e os últimos. O mundo nega o poder destes: é nesse poder que os
cristãos devem colocar todas as suas forças. Todas as coisas em Jesus Cristo—em
Jesus Cristo, primeiro e último. Nada mais pode ajudar. Ele pode fazer tudo,
pois nós não podemos fazer nada.”
A cabeça branca concordou e ele se levantou.
“Sim, meu filho… Mas é condescendente em nos usar e
devemos ser usados. Ele é o Profeta e Rei, assim como o Padre. Nós, então,
devemos ser profetas e reis, assim como padres. E sobre a Profecia e a
Realeza?”
A voz soou a Percy como a de um trompete.
“Sim, Santidade… Para a profecia, então, vamos pregar a caridade; para a
Realeza, vamos reinar sobre cruzes. Devemos amar e sofrer…” (ele ofegou) “Sua
Santidade tem pregado caridade sempre. Vamos deixar a caridade então fazer boas
ações. Vamos ser os primeiros nelas; vamos nos engajar em negociação
honestamente, na vida familiar, pura e decentemente, nos assuntos de governo
firmes e direitos. E quanto ao sofrimento—ah! Santidade!”
Seu velho plano saltou de volta a sua mente e
permaneceu lá convincente e imperioso.
"Sim, meu filho, fale claramente."
"Sua Santidade —é antigo— antigo como Roma — todo
tolo a desejou: uma nova Ordem, Santidade—uma nova Ordem”, ele gaguejou.
A mão branca deixou cair o peso de papel; o Papa se inclinou para a
frente, olhando fixamente para o padre.
"Como, meu filho?"
Percy ficou de joelhos.
"Uma nova Ordem, Santidade—sem hábitos ou
emblemas—subordinada à sua Santidade somente—mais livre que a dos Jesuítas,
mais pobre que a dos Franciscanos, mais mortificada que a dos Cartusianos:
tanto homens como mulheres—os três votos com a intenção do martírio; o Panteão
para sua Igreja; cada bispo responsável pelo seu sustento; um responsável por
cada país.. (Santidade, é a ideia de um tolo.)… E Cristo Crucificado como
seu padroeiro.”
O Papa se levantou abruptamente—tão abruptamente
que o Cardeal Martin se levantou também, apreensivo e atemorizado. Parecia que aquele
jovem homem tinha ido longe demais.
A seguir, o Papa sentou-se novamente, estendendo
sua mão.
"Deus o abençoe, meu filho. Você tem a
permissão para ir. Sua Eminência pode ficar por alguns minutos?"
*******************************************
Fim do Capítulo 2 do Livro 2
2 comentários:
Obrigado, caro Valdemir, por mais um capítulo.
Desta vez superou!
Saudações marianas.
Alexandre
Obrigado, caro Valdemir, por mais um capítulo.
Desta vez superou!
Saudações marianas.
Alexandre
Postar um comentário