Mesmo na fase de pré-produção, o assistente de direção Bob Justman percebia que o relacionamento entre Byron Haskin (produtor associado) e Gene Roddenberry estava deteriorando. Em vez de Byron aceitar as idéias de Gene e procurar fazer com que fossem factíveis, ele, às vezes, se recusava a se comprometer.
Byron era muito inteligente e sabia de tudo sobre efeitos óticos. Gene tinha muita paciência com as pessoas que divergiam dele, mas pouca ou nenhuma paciência com pessoas que fossem teimosas sobre o que poderia ou não ser feito.
BOB: “Não dá para você fazer assim”, Byron dizia a Gene. “Por que não?”
Byron cruzava os braços e afirmava, “porque não dá para fazer desse jeito. Conheço este negócio há 40 anos. Você não pode reinventar a roda.”
Gene olhava para ele e depois para mim, contrariado.
Mais tarde, quando Byron e eu estivéssemos sozinhos, eu dizia a ele calmamente. “Sabe, Byron, nós todos queremos a mesma coisa, o efeito que o Gene deseja. Não é a maneira de fazer e sim o resultado final que importa. Talvez você consiga achar outra maneira de fazer. Ou mesmo algum outro efeito melhor ainda – mas que não seja caro.”
Byron resmungava, mas acabava pensando em algo. Muitas vezes dava certo, outras não. Era como arrancar um dente. Gene detestava passar por este tipo de situações.
Houve um revés temporário no Departamento de Arte quando o Diretor de Arte, Pato Guzman deixou o projeto. Com saudades de casa, voltou à sua terra natal, o Chile. Contratamos para o lugar dele um diretor de arte veterano, o alemão Franz Bachelin. Apesar desta inesperada mudança, o design do projeto ia adiante com Matt Jefferies trabalhando junto com Franz e além de projetarem todo o set principal (onde as cenas principais da série seriam filmadas), também criaram vários consoles de instrumentos e painéis de leitura.
De acordo com o conceito original de Roddenberry, o linguajar da nave seguiria o padrão “náutico”. Isto é, seriam usadas as denominações, como convés, ponte, estibordo, bombordo, tudo à frente, etc. A Enterprise seria uma “embarcação”, um cruzador espacial da frota estelar. E seria comandada por uma capitão.
Jefferies ia e vinha da sala de Gene com os projetos da nave para serem aprovados. O criador-produtor era difícil de agradar, mas pouco a pouco, um modelo diferente começava a tomar forma: um corpo inferior em formato cilíndrico, com a traseira assemelhando-se a um hidroavião, e no topo uma grande estrutura em formato de disco, como pode ser visto nestes desenhos. Não era mesmo uma nave aerodinâmica e parecia difícil de acreditar que, no mundo real, aquilo poderia levantar vôo. Certamente, foi algo bem diferente das revistas de ficção científica.
Com a aprovação final de Gene, foram dadas as instruções para Darrell Anderson e sua equipe criar a miniatura da nave. Miniatura que nada! Ela tinha mais de 4 metros de comprimento e seu tamanho poderia criar problemas com as filmagens, mas não por causa que o modelo era difícil de mover. O modelo não deveria se mexer; seria a câmera que moveria e aí estava o problema. Por causa do tamanho, os movimentos da câmera ficariam limitados.
Mas o vento da sorte soprou a nosso favor e conseguimos trazer um experiente cameramen, Bill Snyder, que, com sua equipe, conseguiu contornar o problema.
BOB: Era evidente que precisávamos do melhor maquiador que pudéssemos achar. Havia várias “peças” (próteses de borracha e látex), que teriam que ser criadas e afixadas diariamente nos atores que iriam fazer os papéis de alienígenas. Naquele tempo, não havia muito “expertise” sobre próteses que precisávamos. Certamente, o estúdio não tinha ninguém; o estúdio Desilu nem sequer tinha um departamento de maquiagem. A maquiagem de Lucy era feita em seu camarim particular.
Mas havia uma pessoa a quem poderíamos passar esta difícil tarefa. Eu trabalhei com Fred Phillips em várias séries de TV, a última delas sendo a The Outer Limits (aqui no Brasil foi chamada de a 5ª Dimensão e parecida com outra série do gênero, Além da Imaginação). Esta série requeria muita maquiagem especial e próteses. Embora Fred estivesse ocupado, consegui trazê-lo para o episódio-piloto. Ele teria que criar e construir as orelhas do Sr. Spock, orelhas estas que ficariam famosas e que, mais tarde, iriam atormentar a todos nós, Freddy, Gene, eu, Herb Solow, a NBC e Leonard Nimoy – depois William Shatner. Especialmente Bill Shatner.
Para nossa surpresa, a escolha do elenco não foi difícil. Todos os personagens estavam bem delineados.
A NBC, Solow, Roddenberry e o diretor Butler estavam bastante entusiasmados por terem conseguido Jeffrey Hunter (foto ao lado) para ser o capitão Christopher Pike ( no original de Roddenberry, o o nome do capitão era Robert April). Hunter tinha aparecido em mais de 20 filmes, entre eles, O Mais Longo dos Dias, o Último Hurrah junto com Spencer Tracy e Rastros de Ódio (The Searchers) junto com John Wayne, considerado o maior western (faroeste) de todos os tempos. Jeffrey também foi o ator principal em O Rei dos Reis, no papel de Jesus Cristo.
Leonard Nimoy, um ator que estava em início de carreira, tinha trabalhado para Gene em O Tenente, e seria quem Roddenberry escalaria para ser o Sr. Spock. Sua fisionomia séria e introspectiva seria perfeita para o estranho personagem. Mas, no início, Nimoy ficou preocupado com as orelhas que usaria. Ele não queria ficar estereotipado e terminar sua carreira, fazendo somente tipos bizarros.
DeForest Kelley tinha reputação de fazer papéis de vilão durante os anos dourados do western de Hollywood. Kelley estava no topo da lista de nomes de Gene para o papel de médico da nave. Mas o diretor Bob Butler tinha recentemente visto o experiente e mais famoso John Hoyt atuar em um festival de Shakespeare. Butler gostou muito dele. John Hoyt pegou o papel do médico. Roddenberry não fez objeções.
Susan Oliver, uma das pessoas mais agradáveis e talentosas de Hollywood, foi escolhida como atriz convidada do episódio e seria o par romântico de Jeffrey Hunter. O seu papel incluía vários tipos, um deles era Vina, uma alienígena dançarina de pele verde. Enquanto a parte “dançarina” da história estava ok, Justman iria descobrir que a parte verde seria algo mais.
Roddenberry deu a aprovação final para os uniformes da tripulação.
Mas a aprovação de algumas roupas demoraram um pouco mais. Gene queria algo diferente no vestuário feminino. E nas roupas criadas para Susan Oliver e as dançarinas. Seu veredicto: Bom trabalho, Bill (Bill Theiss, criador do vestuário da série). Mas não está muito revelador. Acho que podemos mostrar mais, não?”
Solow iniciou um “Bem ...”.
Gene não esperou Solow terminar de falar. “Isto mesmo, Vamos mostrar mais.”
HERB: Gene queria que Majel Barrett, uma atriz que trabalhou com ele na MGM fosse a nº 1, a segunda em comando da Enterprise.
“Você vai gostar dela, Herb.” “Ela é bastante segura.”
“Vai ser difícil, Gene, convencer a NBC, que está esperando uma atriz mais conhecida para este papel. Para um papel menor, tudo bem.”
Sempre que Gene desejava convencer alguém de algo, ele sempre dava uma longa tragada no cigarro, começava a falar baixo, que chegava a ser em câmera lenta. (Eu seria seu tradutor durante as reuniões com a NBC, nos momentos em que os Vice-Presidentes aguçavam os ouvidos para entender o que ele dizia). E Gene começou a falar, “ É importante ...ahhh...para mim, Herb. Chame isto...aaah... de amor à profissão. Você vai...aaah... gostar dela.”
E lá fui eu na NBC tentar convencê-los. “Pessoal, ouçam. Roddenberry tem certeza que encontrou uma mulher maravilhosa para o papel do Nº 1. Mas ela ainda é desconhecida do público. Isto é uma vantagem para nós. Vai dar mais humanidade e credibilidade ao conceito. Afinal de contas, isto é ficção científica,certo?
O executivo de programação da NBC, Jerry Stanley, olhou com ar de interrogação para o Presidente da NBC, Grant Tinker. E depois disse, “Jesus Cristo, Herb, isto é loucura. Ela é a namorada dele. Eu me lembro que ela vivia aparecendo no escritório de Gene, quando ele fazia a série O Tenente na MGM para nós.”
A verdade era que a NBC não queria ser colocada em uma posição incômoda, mas no final, Grant e Jerry não queriam atrapalhar a vida de Gene. Majel foi escolhida para ser a Nº 1.
BOB: Quando comecei a trabalhar para a série, Majel Barret já havia sido escolhida par ser a Nº 1, a 2º em comando da nave. Gene disse: “ Ela é um boa amiga, Bob, e como um favor para mim, ela fará os testes de maquiagem da dançarina verde de graça.” Majel há havia trabalhado para ele, e de fato, eles tinham mais que uma simples relação profissional, um fato sobre o qual eu fiquei por fora durante muito tempo.
Majel parecia ser simpática e deixou que fosse colocada a maquiagem de vários tons de verde e depois ser fotografada à frente de um fundo neutro. No dia seguinte, quando ela voltou para fazer os testes de maquiagem, Majel veio com uma cor parecendo com verde, mas não um verde que queríamos. Talvez, Fred tivesse usado mais verde, porque o filme da Eastman que estávamos usando, não poderia dar aquela cor.
Fred estava surpreso. “Puxa vida, era o verde ideal que tínhamos feito.Não entendi.”
“Use mais verde, Fred,” disse Gene. Fizemos o teste de novo. No dia seguinte, o mesmo resultado.
Chamamos o pessoal do laboratório de filme. “Por que que este filme não consegue dar o verde que queremos?”
A resposta: “Vocês viram também? É muito estranho. Nós trabalhamos demais para para corrigir, mas não conseguimos todo aquele verde.”
Até no sentido de economizar dinheiro, um de nossos gerentes sugeriu que usássemos uma peruca verde que Lucy usava em suas comédias, mas Gene não quis. Ele queria que Vina usasse um cabelo na cor vermelha, que ele achava que dariam um bom contraste com a pele vermelha da dançarina.
Depois que Justman segmentou o roteiro e o programou para a filmagem, percebeu-se que a programação estava muito longa e o orçamento de gastos muito alto. A velha guarda (NBC) teve um ataque: “Vai custar o que? Pode cortar!”
Herb Solow, já desconfortável com a diferença entre o que a NBC pagaria e o que o episódio-piloto custaria, teve que concordar com o estúdio. Com os devidos cortes, que não pudessem comprometer a estória, a programação de filmagem caiu de 16 dias para 14 dias. Mas não era o bastante. O orçamento estava ainda alto.
Foram necessários mais cortes, mas Gene não poderia fazer mais nada com o roteiro e Bob Justman sabia que a menos que tudo saísse perfeito, o episódio-piloto teria que ser feito em mais tempo e custaria mais que o estúdio queria pagar.
Para determinar o tempo de filmagem, Justman convenceu a todos que seria mais seguro começar a produção em uma Sexta, do que na Segunda, a fim de que o elenco e equipe, não ainda acostumados com aquele nova série desconhecida, pudessem entrar no batente por um dia e entrar logo depois no fim de semana. A fotografia principal iria começar na Sexta, 27 de novembro de 1964 e estava programada para terminar em 11 dias úteis mais tarde, na Sexta, 11 de dezembro de 1964.
“Onze dias? Ok,” concordou o diretor assistente, “ e para a trilha sonora, vamos colocar a do E o Vento Levou.”
Justman sugeriu a Gene e a Solow que três dias de ensaio com Butler e o elenco valeriam a pena. Os ensaios do elenco começaram na Segunda, 23 de Novembro de 1964. Depois veio Quinta, o Dia de Ação de Graças. E depois viria a Sexta, a “hora da magia”, o primeiro dia de filmagem.
A hora da magia tinha finalmente chegado. Sem sequer ter filmado nada, o orçamento do episódio-piloto já tinha passado do limite. Star Trek estava a algumas horas de seu nascimento.
PRÓXIMO CAPÍTULO DA NOVELA: A HORA DA MAGIA: O PRIMEIRO EPISÓDIO-PILOTO
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